domingo, 19 de novembro de 2017

Homens do Mar - João Fernandes Matias - 38

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Capitão João Fernandes Matias

Tendo tido um percurso idêntico ao do capitão José Luíz Codim e, sendo, praticamente, do mesmo ano de colheita, hoje, vamos recordar João Fernandes Matias, conhecido por João do Creoula, por ter havido, em Ílhavo, mais capitães com o mesmo nome.
Nasceu na nossa terra maruja, no primeiro de Dezembro de 1925, filho de Manuel dos Santos Matias e de Felicidade dos Santos Matias, na Rua da Fontoura.
Depois do casamento com Deolinda Pereira Senos, de quem teve dois filhos – o Manuel João e a Teresa do Rosário – construiu casa na Avenida Mário Sacramento, nº 125, mais conhecida por Avenida dos Capitães, que passou a habitar. Foi aí que, na década de noventa do século passado, o procurei para conversar e me emprestar fotos da faina do mar que, porventura, tivesse. Como imediato que tinha sido do navio Argus, em 1950, possuía a relíquia do álbum que lhe tinha sido oferecido por Alan Villiers, já tantas vezes por aqui mencionado. Por gentileza, cedeu-mo, para usar como entendesse.
Na escola primária, foi um dos alunos do Professor Catarino, colega do Padre João Paulo, do Mário Vizinho, do Fernando Pinho (Sanana), do Edgar Peixe, do Aníbal Ramalheira, do Manuel Cardoso e tantos outros, que, todos os anos, reuniam em almoço-convívio, no sábado anterior ao Senhor Jesus dos Navegantes, num restaurante, a gosto, até desaparecer o último do grupo.
Capitão já de uma geração mais recente, era portador da cédula marítima nº 25.063, passada pela Capitania do Porto de Aveiro, em 11 de Agosto de 1945.
Mais um marinheiro, a enveredar pela pesca do bacalhau, tendo, praticamente, sempre servido a Parceria Geral de Pescarias.
Por informação casual, mas bem memorada do amigo Vitorino Ramalheira, João Matias fora o piloto, em estreia de vida profissional, do navio-motor, de três mastros, Lutador. Eram ambos estreantes, na campanha de 1946, o navio e o piloto – recorda Vitorino Ramalheira. Era capitão Sílvio Ramalheira e imediato, Manuel dos Santos Marnoto Praia. O navio até tivera de sair mais tarde e, levara, com se fazia, à época, alguns passageiros clandestinos, a bordo, até Lisboa, entre eles, o amigo Vitorino, com 15 ou 16 anos, na altura, e outros.
Na campanha de 1947, foi de imediato no lugre com motor Júlia IV, da praça da Figueira da Foz, sob o comando de João Fernandes Parracho, o Vitorino. E tantos oficiais de Ílhavo por ele passaram… vaidosos dos Júlias.
Depois destas primeiras experiências, lá rumou à Parceria Geral de Pescarias, por onde foi ficando, tendo vindo a chefiar três dos seus navios.
Entre 1948 e 1951 (inclusive), fora imediato do famoso e esbelto Argus, sob o comando do capitão Adolfo Paião. De Ílhavo, neste período, foram pilotos, ele próprio, na safra de 1948, e José Luiz Nunes Oliveira, de alcunha Codim, nas de 1950 e 51. João Simões Chuva, de alcunha Anjo foi também imediato, na campanha de 1948.
Na viagem de 1950, a bordo do Argus

Por ordem, na foto, o Capitão Adolfo, João Matias, imediato, César Maurício (1º mot.), José Luiz Codim, piloto e Manuel Laracha (2º mot), junto à gaiúta.
Deu o salto para capitão, entre 1952 e 1957, do mais que célebre lugre- patacho Gazela Primeiro, que ainda vai velejando lá para as bandas das Américas. Foram seus imediatos, na campanha de 1952, Pedro Vilardebó Loureiro, na de 1954, António Simenta de Carvalho e nas de 55, 56 e 57, Guido Serras Pires, todos residentes em Lisboa.

Em pé, a bordo, mais acima, norteando trabalhos…
Como capitão, desta «emposta» arribou ao lugre com motor, de ferro, Creoula, hoje o conhecido NTM, pertença do Ministério da Defesa, com o mesmo nome. Comandou-o entre os anos de 1958 e 68, perfazendo o belo número de 11 safras. O tempo foi avançando e as fontes de informação acerca dos imediatos, rareando.
Apenas consegui apurar Guido Serras Pires, nas safras de 58 e 59 e João Sílvio Serrano Matias, em 1968, de Ílhavo.

Entre as selhas, baldeando o convés…

E com o ano de 1969, chegou o tempo de mudança para o navio Neptuno, também pertencente à Parceria, que comandou até 1973. Construído de aço, este navio, nos extintos e saudosos Estaleiros de São Jacinto, em 1958, efectuou a última campanha em 1970, tendo sido transformado para navio de redes de emalhar com lanchas, em 1971.
 
Alguns, últimos dos últimos,  comandantes dos nossos veleiros…

Na foto, da esquerda para a direita, capitães António Marques da Silva, João Fernandes Matias, Francisco Paião (Almeida), Aníbal Parracho e José Luís Oliveira, Codim.
Depois do bacalhau, o «nosso» capitão embarcou em navios do comércio da empresa Econave, em viagens entre Portugal, Norte da Europa e Mediterrâneo. Começou como imediato no Eco Sado, comandado por António Marques da Silva, tendo passado a chefiar navios da mesma empresa, senão, todos.
Ainda na década de 80, esteve com o Pai, em Inglaterra, quando chegava a Liverpool, para o que tinha de percorrer uma escassa hora de comboio – relembrou-me o Manuel João.
Quando, já depois de reformado, convivia com os amigos, nos bancos do Jardim, aqui em Ílhavo, e tocavam as 12 badaladas do meio-dia, levantava-se e ia para casa almoçar, invariavelmente. No último percurso a pé, entre o Jardim e a sua casa na Avenida Mário Sacramento, foi atropelado por um automóvel, acidente do qual resultou a sua morte, pouco tempo mais tarde, a 28 de Junho de 2006, com 81 anos.
Pessoa reservada, mas dotado de uma inteligência invulgar, com uma memória notável, qualidades que só eram conhecidas por quem convivesse com ele, de perto – assim o recordou Marques da Silva.
Na década de 90, sempre que o NTM Creoula, em consonância com a Câmara e o Museu, visitava a Gafanha da Nazaré, sempre esteve presente, juntamente com outros seus colegas que tinham sido oficiais do navio, para uma agradável recepção a bordo.
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Imagens – Fotos de A. Villiers e outras, cedidas pela Família
Ílhavo, 19 de Novembro de 2017
Ana Maria Lopes
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terça-feira, 14 de novembro de 2017

Dia do Mar

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O Dia Nacional do Mar comemora-se no dia 16 de Novembro, data à qual o Museu Marítimo de Ílhavo (MMI) não podia ficar indiferente, assinalando-o com várias iniciativas ao longo dia 18, sábado, das quais destacamos:
Pelas 16 horas, a apresentação do livro «Traços de Construção Naval em Madeira – Mastreação e Aparelho do Navio» de António Marques da Silva
e a Entrega dos Prémios do 4º Concurso de Modelismo Náutico do Museu Marítimo de Ílhavo.

 
O livro do Senhor Capitão Marques da Silva é constituído por seis partes, além da Introdução. São elas: A Ossada do Casco, O Arvoredo, Aparelhar um Navio, Ferragens do Navio, Conservação dos Navios de Madeira e O Velame, além da Conclusão e de um sucinto glossário.
Desenhos aproveitados de uma antiga «gaveta», com textos explicativos recentes. E sabemos quanto valem os textos tecnicistas deste Autor!
Os diversos capítulos são separados por belas e elucidativas fotos de Friedrich Baier. Prefácio do Almirante Tito Cerqueira.
Certamente, se aparecer pelo museu, no próximo sábado, sairá muito mais enriquecido. Verá!

Ílhavo, 14 de Novembro de 2017

Ana Maria Lopes
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sábado, 4 de novembro de 2017

Homens do Mar - José Luiz Nunes de Oliveira - 37

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José Luís de Oliveira. No Argus, 1950.
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Quem espera sempre alcança. Foi preciso um ror de anos (vinte e cinco), para que o quarto álbum registado e oferecido por Alan Villiers ao Museu, ao Capitão Adolfo, ao então imediato João Matias, e ao piloto José Luiz, da célebre Campanha do Argus, em 1950, me tivesse chegado às mãos.
Por interposta pessoa amiga, que conhecia a viúva, foram-lhe pedidas fotografias para este fim. Além de outras, que nos foram cedidas para digitalizar, eis que, passados uns tempos, o tal álbum nos chegou às mãos – que contentamento! Virei-o e revirei-o, mirei-o e remirei-o, digitalizando o que me apetecesse. Trata de pedir auxílio a amigos e entendidos, da época, para a identificação de outros figurantes.
Filho do Capitão Francisco de Oliveira (n. em 12.1.1888), teve três irmãos – Manuel, Francisco e João, todos com ocupações marítimas e uma irmã, Maria. Neste contexto familiar, o seu destino profissional só podia ser mesmo o mar.
José Luiz Nunes de Oliveira, de alcunha (Codim), nasceu em Ílhavo, a 17 de Novembro de 1923, na Rua de Cimo do Vila, nº 97.
Depois do casamento com Maria das Neves Simões Magano, de quem teve três filhos – Francisco José, Maria do Rosário e Alcides Luís – construiu casa na Rua do Casal, que passou a habitar.
Completou o Curso de Pilotagem em 1944/45, sendo portador da cédula marítima nº 112.210, passada pela Capitania do Porto de Aveiro, em 2 de Setembro de 1946.
Propriamente antes de enveredar pela pesca do bacalhau, o que era mais usual em Ílhavo, entre 1946 e 49, foi oficial do paquete Lourenço Marques da Companhia Nacional de Navegação, no qual viajou para as ex-colónias, incluindo Índia e Timor.
O apelo do bacalhau foi mais forte e na safra de 1949, o Cap. Zé Negócio desencantou-o para ser seu imediato no lugre com motor, de madeira, Ana Primeiro. E assim foi. O Ana Primeiro, ex-Erika, construído na Suécia em 1918, foi adquirido pela Sociedade de Pesca Luso-Brasileira, Lda., com sede na Figueira da Foz, iniciando a actividade de pesca em 1935. O Ana Maria, embora também velhinho, era um lugre de uma elegância cativante, enquanto o Ana Primeiro não passava de se assemelhar a um desajeitado tamanco.
Lugre Ana Primeiro
Daí, deu o salto, de saco de lona às costas, para a Parceria Geral de Pescarias, empresa conceituada, onde trabalhou com muitos outros ilhavenses que por lá passaram.
Logo em 1950, exerceu o cargo de piloto do afamado lugre Argus, durante a tal viagem que serviu de base ao livro A Campanha do Argus de Alan Villiers, sendo imediato João Fernandes Matias e, no comando, o Capitão Adolfo Paião. Campanha famosa e que deu, além de muito mais, para bater belíssimas chapas, que nos dão imenso jeito, agora.
João Matias, José Luiz Codim e Manuel Laracha (motorista)
Divertiam-se, no carro do bacalhau, no convés do Argus

No ano de 1951, a oficialidade não se alterou. De 1952 a 55, José Luiz Nunes de Oliveira passou a imediato, tendo sido piloto, Manuel Paulo Pinto Nunes Guerra. Nos anos de 1953, 54 e 55, foi piloto, Francisco Teles Paião, sobrinho do Capitão.
Mantendo-se na Parceria Geral de Pescarias (PGP), surgiu a altura de mudar de navio, ocupando o cargo de capitão no lugre Hortense, entre 1956 e 64. Dos imediatos, apenas dois foram de Ílhavo – Benjamim dos Santos Marcela, de alcunha Benjamim Pardal, entre 59 e 60, e Júlio Pereira da Bela, Salsa, em 1964.
O lugre com motor, de madeira, Hortense fora construído para a PGP, por Manuel Maria Bolais Mónica, na Gafanha da Nazaré, em 1930. Tendo feito a última campanha em 1964, foi oferecido pela empresa armadora à Organização Corporativa das Pescas, em 1968, para nele se instalar o Museu de Pesca Vasco Bensaúde, tendo acabado por ter ardido no Mar da Palha, em Dezembro de 1970. Sorte malvada!...
Hortense, Argus, e Gazela Primeiro, durante o Inverno
Chegou a altura de o nosso capitão passar a comandar o célebre Gazela Primeiro, nas campanhas de 1965 a 68 (inclusive). O Gazela Primeiro foi, talvez, o navio mais emblemático da Parceria, que ainda hoje navega sob pavilhão dos Estados Unidos da América, agora sob a tutela de um grupo de Amigos que muito o estima. Dos imediatos, à época, foi impossível encontrar dados para a sua identificação.
E toca de voltar ao «seu» Argus, desta vez, nas safras de 1969 e de 70, sem que os imediatos fossem de Ílhavo. Quando algo de diferente acontece a bordo, bate-se uma chapa para a posteridade. Foi o que aconteceu em 1969, quando pescaram, o que não é vulgar, um razoável peixe-lua. 
Com o peixe-lua, no Argus, em 1969
O número de navios na Parceria ia diminuindo e a anacrónica pesca à linha, que tem sido mote de muita e mítica conversa, dava indícios do seu «requiem».
O Capitão José Luiz fazia as últimas viagens para a empresa, que mais de duas dezenas de anos servira. – desta vez, nas campanhas de 1971 e 72 – como imediato do navio-motor Neptuno, sob o comando de João Fernandes Matias, o João do Creoula, como era conhecido entre os companheiros, pelo facto de ter havido em Ílhavo, mais capitães com o mesmo nome.
Este navio, já, mais moderno, fora construído nos malogrados e desaparecidos Estaleiros de S. Jacinto, à data de 1958, para a empresa em questão.
Marques da Silva, outro famoso oficial da Parceria, em conversa, recordou com saudade, o convívio que tinham tido, desde 1954, como imediatos e mais tarde, como capitães do Creoula e do Argus, navios famosos da mesma empresa. Foram vinte anos de amizade e são companheirismo!
Em 1973, mudou de rumo o capitão José Luiz e enveredou pela marinha de comércio, ao serviço da empresa Econave, como imediato do Eco-Vouga. Depois de passar pelo graneleiro Rio Zaire, assentou praça em 1974, na Soponata, onde se manteve até à aposentação, em 1980.
Tendo falecido em Janeiro de 2007, com 83 anos, ainda teve uns bons aninhos para saborear uma merecida reforma. Nesse tempo, pessoa muito pacata, muito caseira e muito habilidosa, dedicou-se com carinho, afinco e entusiasmo à agricultura. Amante da passarada, a que dedicava muito do seu tempo livre, tinha uma especial preferência por canários e pintassilgos. E assim se passou a vida deste prezado ilhavense, homem do mar.
Fotos – Gentilmente cedidas pela família
Ílhavo, 4 de Novembro de 2017
Ana Maria Lopes
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