Manuel Fernandes Pinto Júnior
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O
prometido é devido… Só que sem prazo, neste caso. Prometi ao filho João Manuel
dedicar um post do Marintimidades ao Ti Manel Pinto, como
era carinhosamente tratado. E parece que chegou o momento, neste domingo de
nortada.
Andei,
de manhã, à volta dos apontamentos, das fotos, da livralhada e julgo estar na
posse de elementos que me permitam fazê-lo.
Manuel
Fernandes Pinto Júnior, nado (20 de Janeiro de 1923) e criado em Ílhavo, – só
já o conheci, morador para as bandas da Malhada –.
Era
portador da cédula marítima 22353, passada pela Capitania do Porto de Aveiro,
em 9 de Março de 1938.
Foi
mais um destemido homem do mar, de tantos que o «nosso Ílhavo» para lá destacou…
Tinha
uma biografia marítima fácil – pensava eu. Alguma vez uma vida profissional de
mar poderia ter sido fácil?
Queria
eu dizer que o seu tempo de mar se passou apenas entre navios de dois armadores
– o Egas Salgueiro e os Cunhas e a pesquisa ter-se-á tornado mais branda.
A
primeira vez que fui lá a casa, pelos anos 90 do século passado, conheci a sua
mulher, Maria Filomena Nunes, que me disse ter sido colega de escola da minha
Mãe, nas aulas da Professora D. Nazaré Cruz.
Claro,
batia certo!
Mas
o Manuel Pinto, sendo, hoje, o Homem do Mar visado, é o meu objectivo principal. Terá
começado a sua carreira profissional na pesca do bacalhau com 16 anos, como
moço do navio Santa Mafalda, sim, um
veleiro de três mastros daqueles que foram à Groenlândia, em 1931. Tentativa
gorada, em 1930, mas promissora, no ano seguinte.
Serviu
como moço durante as campanhas de 1939, 40 e 41, sob o comando do Capitão João
dos Santos Laruncho.
A
vida de moço não era fácil. Na azáfama que era a vida do navio, o moço andava
de pé todo o dia, qual equilibrista com o balanço que o mar lhe proporcionava.
O moço de câmara servia as refeições aos oficiais, mas acabada esta tarefa,
vinha logo ajudar para o convés. Era pau
para toda a obra. Safa-me isto,
safa-me aquilo – era muito solicitado. E ainda tinha de dar conta de tudo
estava na rabada. Não tinha mãos a
medir…
Na
campanha de 1942, passou a moço de arriar e na de 43, a pescador (2ª linha). Se a vida de moço não era
fácil, a de pescador tinha as características perigosas, rudes e difíceis, quase
sobre-humanas, de que ouvimos falar e lhe são inerentes.
Botes
com peixe à sarreta…
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E
na hierarquia da organização da pesca, dentro da sua formação, o Manel Pinto ia
dando mostras de grande arrojo, sabedoria e sorte.
Nas
campanhas de 1944, 45, 46 e 47, foi sempre subindo na categoria de pescador –
de 2ª linha, para 1ª linha, até especial,
o topo… Teria sido sempre um pescador cobiçado pelo capitão!
No
final da campanha de 1947, o lugre Santa Mafalda, construído para a EPA
por Manuel Maria Bolais Mónica, em 1929, sofreu transformações, foi vendido
para a Parceria Marítima Esperança, Lda., onde viria a ser o Rio Caima.
O lugre Santa Mafalda
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E
o Manel Pinto, com uma habilidade especial para tratar do seu enxoval e para fazer os sacos de lona
que o albergavam, aí vai ele – de saco aviado, muda de armador e de navio e aí
se queda até ao fim de vida profissional, em Testa & Cunhas.
Entra
como pescador especial para o lugre-motor de madeira, de quatro
mastros, Novos Mares, construído na
Gafanha, em 1938, onde faz as campanhas de 1948 a 56. Aí reencontrou o Capitão João
dos Santos Labrincha, Laruncho e conheceu
os Capitães José Simões Bixirão, Ponche
e João Fernandes Matias. No ano de 1956, em 21 de Julho, o Novos Mares naufragou por incêndio, no Virgin Rocks.
De
1957 a 1966, passou para o navio-motor,
de madeira, São Jorge, construído na
Gafanha da Nazaré, nos estaleiros de Manuel Maria Bolais Mónica, em 1956, com a
categoria de pescador, chegando a contramestre (1964, 65 e 66).
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(…) «Seja louvado e adorado Nosso
Senhor Jesus Cristo, são quatro horas, vamos arriar». Come-se a «espessa sopa
de feijão», bebe-se café.
O cozinheiro avia o pessoal: pão,
umas postas de peixe frito, azeitonas, café, uma garrafa de água.
Arruma-se tudo no foquim, de mistura
com anzóis, gagim, cigarros feitos na vigia. Veste-se a roupa de oleado.
«Vamos arriar com Deus» – ordena o capitão.
Teques às alças dos botes… olha o
balanço, iça, iça, aguenta o socairo, bota-fora, agora, salta, arria, rápido
(…).
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Espalham-se
os dóris, ora a remos, ora à vela. Ninguém repara na beleza e dinamismo desta
largada. E afastam-se, afastam-se, consoante o instinto de cada «capitão».
O Manuel
Pinto reencontrou, no navio-motor São Jorge, o Capitão João
dos Santos Labrincha, Laruncho e
conheceu os Capitães Ernesto Pinhal (61) e David Càlão Marques (de 63 a 69).
Em
1967, não pôde embarcar e, certamente, como prémio do seu bom desempenho, foi
transferido para o navio-motor Novos Mares, construído em 1958, nas
campanhas de 1968 a 74, com o cargo de contramestre, com o Capitão António de
Morais Pascoal.
Novos Mares em St. Pierre. 1974.
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Além
das qualidades já referidas, revelou-se sempre grande trabalhador e fiel à
empresa que durante anos e anos serviu. Continuou a fazê-lo, em trabalhos
específicos de marinharia – cabos especiais, escadas de portaló, bóias, etc. e
outros reparos ocasionais.
Além
disso, o meu carinho especial pelo Manuel Pinto deve-se à grande ajuda, que deu
à montagem da 1ª grande exposição Faina
Maior - A pesca à linha do bacalhau, inaugurada, no nosso Museu, em 28 de Novembro de 1992.
A entralhar
vela de botes, entre um poste e o
portão de casa. 1992
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Da
feitura das velas de botes, da impermeabilização das roupas de oleado com óleo
de linhaça fervido, até trabalhos de marinharia de cabos e lonas, de tudo fez
um pouco. O Manuel Pinto também, em terra, foi um dos obreiros da Faina Maior.
Impermeabilização de velas e roupa oleada. 1992
Deixou-nos, com saudade,
a 1 de Setembro de 2004, com 81 anos.
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Ílhavo,
12 de Março de 2017
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Ana Maria Lopes
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O Novos Mares foi o último navio da pesca à linha que sobreviveu na campanha de 1974. Graças a ele os tripulantes do São Jorge, entre os quais me encontrava, foram salvos. A mão que me puxou para bordo ao cimo da escada de quebra costas foi a do contramestre Manuel Pinto. Paz à sua alma.
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