domingo, 22 de janeiro de 2017

Homens do Mar - João dos Santos Labrincha - 28


 

Foi dos capitães com tem tive mais contacto. É fácil de perceber – embarcou durante 15 anos seguidos, em navios de Testa & Cunhas. É evidente que isso representou um factor de aproximação. E a própria vizinhança, ali perto, na Rua de Camões., nº 94.
O Sr. Capitão João dos Santos Labrincha, de alcunha Laruncho (1901-1980), nasceu em Ílhavo em 8 de Agosto de 1901. Filho de Manuel dos Santos Labrincha, e de Rita Correia, teve, do casamento com a Senhora D. Clotilde Silveira, duas filhas – a Rita e a Benedita com quem fui contactar e pedir fotos do Pai, a bordo, no caso de existirem.
Possuía a cédula marítima 12026 passada pela capitania do porto de Aveiro, em 14 de Março de 1914.
Pressuponho que tenha embarcado sem que haja dados par o certificar, mas a partir do momento em que há registos fiáveis, teve um currículo muito certinho, sobretudo entre a Empresa de Pesca de Aveiro e Testa & Cunhas, Lda., com duas curtas excepções.
Nas campanhas de 1928, 29 e 30, foi piloto do lugre Maria da Glória, da Empresa União de Aveiro, Lda., comandado pelo Capitão António Marques (28) e pelo Capitão Francisco dos Santos Calão (29 e 30) - lugre Maria da Glória que veio a ficar  tristemente conhecido pelo fatídico bombardeamento que sofreu em 1942, com consequências desastrosas para Ílhavo.
Nas safras de 1931 e 32 ocupou o cargo de piloto no lugre Santa Joana da EPA, sob o comando Capitão João Ventura da Cruz. O ano de 1931 fora o famoso ano da viragem, o ano heróico da primeira pesca na Groenlândia, que abriu novas portas para a pesca do bacalhau, que era assolada por uma crise profunda.
De 1933 a 35 passou a capitão, com o piloto Manuel Ferreira da Silva, da Gafanha da Nazaré (33), no San Jacinto. O lugre com motor San Jancinto, de madeira, ex-Encarnação, foi construído em 1919, em Pardilhó, por Joaquim Dias Ministro. Adquirido pela Empresa de Pesca de Aveiro para a campanha de 1933, o San Jacinto, na campanha de 1936, passou para a Empresa de Pesca de São Jacinto, Lda.

O lugre San Jancinto, da EPA, até 1936

E o Cap. João Laruncho, como era mais conhecido, continuou na EPA, mas desta vez a comandar o lugre Santa Mafalda, durante 11 anos, de 1936 a 46 – um dos quatro Santas que demandaram a Groenlândia em 1931. Tão heróico foi o feito que não é demais repeti-lo ou lembrá-lo!!!!!
Foram seus pilotos, os ílhavos, João Pereira Gateira (36 e de 38 a 41), José Simões Ré (37), João Nunes de Oliveira, de alcunha Sousa (42, 43 e 44) e José Simões Amaro, de alcunha o Forneiro (45 e 46).
E, porquê? Lá saberão os interessados, à época, mudou-se de armas e bagagens para Testa & Cunhas, Lda., até ao fim da sua carreira profissional.
Começou por comandar nas campanhas de 1946, 47 e 48, o lugre Novos Mares, aquele bonito lugre de quatro mastros, que estreara o meu avô, na viagem de 1938. Foram seus pilotos, os ilhavenses José Simões Amaro (47) e António Cachim, em 48.

O lugre Novos Mares, a secar pano, em frente à seca
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Durante seis campanhas, de 1950 a 55, comandou o navio-motor Inácio Cunha, construído por Manuel Maria Bolais Mónica, em 1945, na Gafanha da Nazaré, dentro do plano de renovação de navios.

Em dia de bota-abaixo, o Mestre Mónica, em discurso exacerbado, junto da madrinha, Senhora D. Adília Cunha. 1945

Na primeira viagem que fizera o nosso capitão, em 1950, naufragara, com o leme partido pelo violento temporal o navio-motor Cova de Iria. Os náufragos foram salvos e trazidos para Leixões pelo navio Inácio Cunha. Aí o vemos a entrar, apinhado de gente.
O Inácio Cunha, na entrada, em Leixões. 1950

Durante estes anos, foram seus imediatos João Nunes de Oliveira, de alcunha Codim (1950 a 54) e Armando Pereira Ramalheira, em 1955. Seus pilotos foram Juvenal Carlos Filipe Fernandes, da Gafanha da Nazaré (50 e 51), Augusto Manuel Valente Labrincha (52 e 53) e Calisto Casqueira Ribau, da Gafanha da Nazaré (54 e 55).

No espardeque do Inácio Cunha, o capitão saúda, à entrada

Durante a cerimónia Bênção de 1953, o Capitão João Laruncho foi condecorado pelo Presidente da República General Craveiro Lopes, entre outros capitães ilhavenses.
Enquanto miúda, tenho a latente lembrança de que ele me trazia daqueles afamados e grandes fashion stores canadianos algumas lembranças – lâmpadas de Natal, multicolores, de água efervescente, que faziam os meus encantos, todos os Natais, uma gabardina muito chique, de cor bordeaux, debruada a quadriculado condizente; mais moçoila, já apreciava umas maquillages levezinhas, uns cremes e uns blushs, que ainda não havia por cá.
E com o vai e volta dos bancos da Terra Nova e Groenlândia, chegara o ano de 1956 e, com ele, um dia ímpar, para mim. A 10 de Março, pelas 15 horas, num dos dias mais felizes da minha adolescência, em cerimónia pomposa, na Gafanha da Nazaré, amadrinhara o navio-motor São Jorge, que Testa & Cunhas encomendara nos estaleiros do Mestre Manuel Maria Bolais Mónica, que o Capitão João Laruncho iria estrear no seu comando. O imediato fora Armando Pereira Ramalheira, em 56 e 57, e piloto, João Sílvio Serrano Matias, em 56.

O navio-motor São Jorge, embandeirado em arco, em dia de bota-abaixo
Pelo meu afilhado São Jorge, se manteve o Capitão João dos Santos Labrincha, até 1961, inclusive, não tendo voltado a ter mais imediatos de Ílhavo.

Na porta de visita à chaminé, EB, do São Jorge 

Dando por encerrada a sua vida de mar, aposentou-se com sessenta anos.
Viveu ainda alguns, bem merecidos, por Ílhavo, na companhia da família e nos habituais encontros de colegas, junto à farmácia, no jardim da vila, ao domingo, no Café Central e na barbearia do Sr. Leopoldo, onde se discutiam acaloradamente todas as campanhas do bacalhau.
Era assim a vida, naquele tempo… para quem esteve ou estava ligado ao mar.
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Imagens – Arquivo pessoal e gentil cedência de familiares
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Ílhavo, 27 de Novembro de 2016
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Ana Maria Lopes
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