Continuando
pelas vizinhanças, lembrei-me de trazer a lume o Capitão João Matias, mais
conhecido por João da Lúcia ou João da Madrinha, de quem bem me lembro.
Tendo morado numa bonita casa, o nº 24 da minha rua, Rua Ferreira Gordo, passava
frequentemente à minha casa. Tendo, noutro dia, de ir falar com o João Sílvio e
com a Cilinha, seus filhos, já com uns aninhos, de que me lembrei?
De
perguntar se tinham fotografias do Pai, sobretudo a bordo. A Cilinha foi-me
buscar um álbum, que tinha de tudo, mas lá encontrei o Capitão João Matias, a
bordo, em vários navios e situações identitárias. Voltei radiante… Mais
trabalho, mas que valeria a pena.
Nascido
em 16 de Abril de 1903, faleceu a 27 de Fevereiro de 1992, num acidente fatal
ao atravessar a 109, com 88 anos. Terá zarpado para o mar desde cedo, como
todos os seus contemporâneos, levado por familiar ou amigo, tendo obtido a
cédula marítima em 23.7.1918, passada pela capitania de Aveiro.
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Começou
a vida profissional como piloto no Nazaré,
da praça de Aveiro, do comando de seu pai.
Entre
1934 e 1941, ocupou o cargo de piloto no lugre Gaspar, sob o comando do Sr. Manuel de Oliveira Mendes. De 1931 a
1933, o navio não foi à pesca, segundo Manuel de Oliveira Martins, autor do
livro Viana e a Pesca do Bacalhau.
O
lugre Gaspar era o ex-Sarah, de madeira, construído em
1919 na Figueira da Foz, por Manuel Bolais Mónica e adquirido para a campanha
de 1921 pela empresa Novas Pescarias de Viana, Lda.
A bordo do lugre Gaspar com o Eng. Queiroz, seu armador. S/d.
Em
1942 e 43, ocupou o lugar de piloto, sob o comando do Cap. José Nunes de
Oliveira, mais tarde capitão-chefe da SNAB, no arrastão de pesca lateral, Álvaro Martins Homem, pertencente à
SNAB, construído em 1940, em Lisboa, nos estaleiros da CUF. Era imediato o Sr.
Mário dos Santos Redondo, também de Ílhavo.
Em Massarelos, Porto, junto à ponte, alguns
tripulantes do Álvaro Martins Homem
Já
agora por curiosidade, o Álvaro Martins
Homem e o João Corte Real foram
navios gémeos e os dois primeiros arrastões construídos em Portugal.
O Álvaro Martins Homem só iniciou a sua
actividade de pesca em 1943, porque o guincho de pesca não chegara a tempo.
Dedicou-se, então, a viagens de comércio a carregar bacalhau.
Entre
1944 e 45, o nosso capitão João da
Lúcia ocupou o lugar de imediato sob
o comando do Cap. Manuel Pereira da Bela, no arrastão clássico, João Corte Real, pertencente à SNAB,
gémeo do anterior, como já disse. Era piloto, em 1944, Emílio Carlos de Sousa e
em 1945, Joaquim Carlos Caroço.
No João Corte
Real, o capitão entre imediato (à direita) e piloto
Chega
a campanha de 1946, em que foi
imediato sob o comando de José Maria Vilarinho do lugre-motor Primeiro Navegante, construído na
Gafanha da Nazaré, por Manuel Maria Bolais Mónica para a firma Ribaus &
Vilarinho.
De
uma certa faixa etária, quem não ouviu falar em tal espectacular naufrágio, à
entrada da barra de Aveiro, a sul do Farol?
Curioso,
há sempre um ponto a acrescentar a um conto, neste caso, pela boca de sua
filha, de muito boa memória, nas suas 88 primaveras. O pai, João Fernandes
Matias, tendo sido imediato na campanha do navio, na safra de 1946, assistiu ao naufrágio do «seu»
navio, do paredão da Meia-Laranja. Afinal, como rezam as crónicas? Que se
passou, então?
A 14 de
Outubro, o Primeiro Navegante
entrara em Leixões, para aliviar 3 000 quintais de peixe, tendo voltado a sair,
para se fazer à nossa barra. Tinha o destino marcado. Não há que fugir.
Entretanto, o Capitão José Maria Vilarinho tinha dito ao imediato, que viesse
para Ílhavo, saudoso da família, que ele meteria o navio dentro. Não aconteceu
bem assim.
No dia 24 do
referido mês, perante um cais apinhado de gente para assistir ao sempre
emocionante espectáculo da entrada, pairavam também, lá fora, o Lousado, o Navegante II, o Ilhavense II,
o Santa Mafalda, o Maria das Flores, o António Ribau
e o Viriato. Vinha o Maria das Flores, a entrar, rebocado
pelo «Marialva», quando o «Vouga» lançou o cabo ao Primeiro Navegante, iniciando o caminho já percorrido com os outros
navios. Em frente à Meia Laranja, alterosas e repetidas vagas conjugadas com
violentas rajadas de vento, encheram todo o poço
do navio, que desgovernou e tomou proa ao sul, sendo impelido para cima da coroa ali existente, apesar de todos os
esforços dos rebocadores. Perante o perigo iminente que ele corria, os seus
esforços também foram em vão.
Embora com
dois ferros no fundo e o motor a trabalhar com toda a força, segundos depois, o
Primeiro Navegante, batido pelo mar
e pelo vento, varava na praia em frente ao nosso Farol.
Terá sido
indescritível o momento de aflição e angústia, acorrendo ao local toda a gente,
em altos gritos. Só quando houve a certeza de que a tripulação estaria salva, é
que o ambiente serenou um pouco.
Durante as
marés baixas, foram-se salvando os haveres, apetrechos e a carga possível. Até
parece – quem sabe, sabe – que o motor foi reaproveitado para o Adélia Maria (seria segredo?).
Durante uns
tempos, como hoje, sempre que soa a tragédia, a gente das redondezas acorreu,
em romaria, para ver, «claramente visto», o que o mar consegue fazer.
Desta vez,
vão aparecendo alguns testemunhos fotográficos reveladores e aquele donairoso
lugre de quatro mastros foi servindo de repasto ao mar, que o desmantelou,
destruiu e destroçou, acabando por o devorar na totalidade.
O Primeiro Navegante,
naufragado, em 1946
E foi assim
que o Capitão João Matias assistiu ao naufrágio do navio de que era imediato,
da Meia-Laranja.
A propósito
destas mais do que verídicas histórias dos nossos homens do mar, contaram-me.
O Capitão
José Vilarinho, quando naufragou na barra de Aveiro, disse ao irmão João: – Se fosses tu a ter este naufrágio, eu
matava-te. Teria sido verdade?
E
continuando a longa história de João Matias, entrecortada por este episódio
dramático, de que fora personagem integrante, nas campanhas de 1947 e 48, ascendeu a capitão do lugre Navegante II, da mesma empresa.
Nos anos de 1949, 50 e 51, comandou o grande Milena,
lugre de madeira com motor.
No Milena, entre a filha e a
Judite
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Nas safras
de 1952 e 53, comandou o n/m de ferro Conceição
Vilarinho, tendo como imediato, Gil Ferreira da Silva Júnior.
A bordo do n/m Conceição Vilarinho.
Início de cinquenta
Na safra de 1954, embarcou de imediato no n/m de
ferro Capitão José Vilarinho, sob o
comando de Augusto dos Santos Labrincha.
E a roda gira e, desta vez, na safra de 1955, embarcou como imediato no
arrastão clássico António Pascoal,
sob o comando de Manuel Pereira da Bela.
Chega o ano
de 1956, onde capitão, com José
Simões Amaro (o Forneiro) como imediato, naufragou a bordo do lugre com motor, Novos Mares, construído em 1938 por Manuel Maria Bolais Mónica. O
jornal O Ilhavense de 1.8.1956 regista que, a 21 de Julho, perto de Virgin Rocks, se deu uma explosão na casa das
máquinas que arrasou a popa do navio, que se afundou pouco depois. A tripulação
de 56 homens foi salva pelo Maria das
Flores sob o comando de Manuel de Oliveira Vidal.
E o tempo de
mar já pesava, mas, ainda de 1957 a 1964 (inclusive), comandou o n/m Lutador, que conhecia, ao longe, de
ginjeira, pela particularidade de ter sido o único n/m de três mastros. Nada bonito.
N/m Lutador, de 1945
Segundo o
jornal da nossa terra de 1 de Outubro de 1964, na segunda-feira da festa da Barra,
afundou-se o Lutador, com incêndio a
bordo, comandado por João Fernandes Matias, com Belarmino de Ascensão Oliveira
como imediato.
Foram salvas 82 vidas preciosas – os
dois oficiais a bordo do Avé Maria e
os restantes espalhados pelos restantes navios.
E o estado
físico do «nosso» capitão ia suportando com mais dificuldade a vida salgada;
mas, apesar disso, como noto que ia sendo hábito entre alguns oficiais (ainda
hoje), retomou o cargo de imediato no Sernache,
n/m de ferro, na campanha de 1967 e
no Luiza Ribau, lugre de madeira, com
motor, na campanha de 1972.
E por aqui
acabou o percurso de João Fernandes Matias, onde sofreu as agruras do mar, numa
carreira muito diversificada. Numa altura em que a famosa Frota Branca já tinha
os dias contados.
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Fotografias
– Arquivo pessoal e gentil cedência da Família do Capitão
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Ílhavo, 19
de Junho de 2016
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Ana Maria Lopes
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