Há muito que não vinha para o lado norte da ria… andava a
fazer-me falta. Tem um sortilégio que não encontro noutro local, bem como a
fibra dos homens da ria e do mar, que por ali se encontram e labutam.
-
Foi um privilégio ter assistido ao bota-abaixo do barco do mar, M. Fátima, ou seja, para arte
da xávega. Cumpriu-se o grande sonho do Marco Silva, seu proprietário, homem
de grande têmpera, trabalhador, empreendedor, construtor de embarcações
tradicionais e grande velejador.
-
-
Foto de Jacques Hamel
-
Queria substituir o seu antigo barco, de cerca de 8,50 metros de
comprimento por um maior, de 11.15 metros, 3.20 m de largura e 1.20 m. de pontal, com dois motores, pois com o mar
não se brinca.
-
A burocracia do projecto foi complicada e demorou cerca de um
ano a concretizar-se. Hoje foi o grande dia.
O Marco, em situação de trabalho
A imponente embarcação, construída em madeira de pinho, em
armazém perto da ria, após os esforços de alguns, lambeu, pela primeira vez, as
águas lagunares, tendo descido pela rampa do porto de abrigo da Torreira, num
dia ventoso, mas soalheiro, não faltando muito para provar, na cava da onda, a
água salgada, com a arte para que foi construída – a arte da xávega.
-
Rasga a água da ria, pela primeira vez
Como diz o Marco, foi um projecto de família, em que trabalhou
ele, a Albina Amador, sua mulher, dois filhos e o Jorge, um trabalhador da companha.
O M. de Fátima, nas
águas lagunares, brilhantes e agitadas por uma nortada revigorante, fez um
passeio inaugural com os amigos e espectadores, bem como com os artistas do
rancho folclórico As Andorinhas de São
Silvestre, que actuou no relvado da Praia do Monte Branco, entre céu, ria e
pinhal, animando a cerimónia do bota-baixo. Belo efeito.
Passeio inaugural…
Alguns tocadores do rancho
As caras da proa da
embarcação foram habilmente decoradas pelo pintor Zé Manel, bem como o vertente da proa, em que escreveu,
pintando: – QUE A VIRGEM NOS PROTEJA.
Parabéns ao Zé Manel!
Este bota-abaixo foi integrado na romaria lagunar da Nossa Senhora do Bom Sucesso, que
decorre entre 27 de Abril e o primeiro de Maio, na Torreira.
Não faltaram as vitualhas tradicionais, em serviço simples, mas agradável,
de óptimo paladar, em ameno e salutar convívio – porco no espeto, saboroso e bem
fatiado, servido em agradável pada. Para términus ou abertura um gostoso caldo
verde, com rodela de chouriça – e com um tintol,
à beira-ria, assim terminou a festança.
Arte de pesca ancestral, a
xávega pratica-se, na actualidade, na praia da Torreira e numa extensa
faixa do litoral português, representando, para além do sustento de muitas
famílias, um enorme valor identitário, social e cultural.
-
Ílhavo, 30 de Abril de 2016
-
Fotografias – minhas, de Jacques Hamel e gentil cedência da
Etelvina
-
Ana Maria
Lopes
-
Continuaremos sempre a desfrutar e aprender, com tão elucidativos textos, lindos de se ler.
ResponderEliminarParabéns ao patrão Marco e à fotografia de Jacques, extensivos à autora Ana Maria.
Al bino Gomes