Junto
à gaiuta, nos seus albaióis de bordo
E
hoje, motivada por uma nova/velha fotografia, vamos ao Capitão Vitorino Parracho (1906 -
1991), de que bem me lembro, no seu rosto cheiinho, luzidio e arredondado,
olhos muito, muito azulados, cerúleo, sabedor e bondoso, brincalhão, capitão da
viagem em causa (ano de 1948), no
lugre Júlia IV.
E quando
falo da viagem em causa reporto-me ao belo livro, forte e dramática
reportagem
de bordo, de Anselmo Vieira, Nos Mares da Terra Nova – A Saga dos
Bacalhoeiros, 2010, em que o autor é um dos tripulantes do Júlia IV, na viagem de 1948, sob a personagem de Telmo, um
alter-ego do próprio autor.
Achei por
bem consultar a ficha de inscrição no Grémio do capitão, existente no MMI, para
me situar e aí, cheguei à conclusão que o seu verdadeiro nome era João
Fernandes Parracho. Complicado, hein? Ílhavo tem destas coisas... Victorino, de alcunha, vinha da
madrinha Victorina…E descobrir? Não há dúvida, era ele.
E neste
extraordinário relato de viagem, entre narrativas poderosas, o autor dedica um
capítulo ao Capitão.
O Telmo
gostava do Capitão Vitorino. Referia: – Era
um homem de cerca de cinquenta anos, tisnado de moreno, estatura baixa, mas
magro e cheio de uma energia aparentemente reprimida. Os olhos eram azul-claros
e amendoados, o que lhe dava um certo ar trocista, mesmo quando nos fitava com
seriedade. Somente quando se zangava os seus olhos se modificavam: aí
escureciam como os dias de trovoada e despediam uma luz, quais faíscas de aço.
Mas era raro zangar-se. Todos gostavam dele e o respeitavam, como a uma águia
dos lugres bacalhoeiros. Dominava os homens à sua maneira, sem esforço ou
prepotência Telmo acreditava ser essa a maneira correcta de comandar um
navio.
-
Também o
genro, Senos da Fonseca, in Nas Rotas dos Bacalhaus – Séc. IX ao Século
XVI, 2005, se lhe refere de
uma forma afável: – Por destino da vida,
meu sogro, Cap. Vitorino Parracho, fez-me entender melhor desta dupla
personalidade coexistindo nestas singulares personagens, quase míticas: – De
como um homem do mar, determinado, exigente e rezingão (q.b.) mandão a bordo,
se transformava, saco posto no cais, no mais afável ser que conheci, homem bom,
brincalhão, jocoso, onde residia uma permanente boa disposição, de uma bonomia
que tocava a todos (…).
-
O lugre, o Júlia IV, que comandava, construído por
António Bolais Mónica na Figueira da Foz, em 1914, para a «Atlântica Companhia
Portuguesa de Pesca», naufragou, por incêndio, no Virgin Rocks, na campanha
seguinte, a de 1949.
Lugre
Júlia IV
Familiar testemunhou-me
que foi para o mar, com 9 anos, de moço, de moço de convés… Seria
possível? Mesmo assim, os doze anos eram o mais habitual. Mas, certificando-me,
foi com nove.
Desde que há registos
credíveis, Vitorino Parracho pilotou entre 1936 e 37 (inclusive) o lugre Senhora da Saúde da praça de Aveiro. Em
1938, 39 e 40, comandou o lugre de madeira Vaz,
que naufragou, de água aberta, nesse ano, a 31 de Agosto, não havendo conhecimento de vítimas.
Entre 1942 e 45, foi
capitão do Júlia I da praça da
Figueira da Foz, tendo sido transferido para o Júlia IV, durante os anos 1946, 47 e 48.
De regresso à praça de
Aveiro, o Capitão Parracho comandou o lugre-motor Dom Denis, de 1949 a 1960 (inclusive). Estreou, de seguida, o
navio-motor Rainha Santa, construção
de Benjamim Bolais Mónica, cujo bota-abaixo foi a 15 de Março de 1961, o último navio-motor construído
pelos Mónica.
Na campanha de 1965,
deixou o navio, creio que por
doença.
Nas campanhas de 1967 a
69, regressou ao bacalhau, no cargo de imediato, no lugre com motor Luiza Ribau, deixando a vida de mar, definitivamente,
após a última campanha, também como imediato, a de 70, no navio-motor Vila de Conde.
Abandonou, pois, o mar, com o devido mérito pelas ausências
sofridas e as tormentas passadas.
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Com
sua esposa, a bordo de um dos Júlias
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Quando a Alcina, sua
filha, minha amiga e ex-colega do colégio e do liceu, ontem, me cedia,
gentilmente, a foto dos pais a bordo, num dos Júlias, deliciei-me, dado que tinha oportunidade de elogiar as
mulheres de todos os homens do mar (neste caso, as capitoas), que tinham o grande mérito de suportar as ausências e as
saudades, de gerir as suas casas, famílias, a educação dos filhos, os haveres
ou as dificuldades, as ditas matriarcas ilhavenses,
que tanto carinho mereceram e merecem (agora que os tempos são outros).
Fotografias
– Fotos de arquivo e gentil cedência da Família do Capitão
Ílhavo, 15
de Março de 2016
Ana Maria Lopes
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