À popa, grande lobo-do-mar
Saiu na
roleta o dia do Capitão António Marques,
meu vizinho de antanho e aparentado, de quem tenho, ainda, ténue recordação.
Homem de rija têmpera, um verdadeiro «lobo-do-mar».
António Marques nasceu em
Ílhavo (1889-1966), tendo tido uma vida diversificada, cheia, cheia de tanto
mar.
Em Março de 1901, com 12 anos, tirou a Cédula de
Inscrição Marítima na Capitania do Porto da Figueira da Foz e começou a sua
vida no mar servindo na qualidade de moço de um navio de cabotagem, de uma
barca, e outros que tais.
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Em 1906, com 17 anos, fez a 1ª viagem ao
bacalhau, como moço, no Gazela Primeiro, comandado por Paulo Fernandes
Bagão.
As campanhas
do bacalhau foram-se sucedendo, tendo o Gazela
Primeiro feito a última viagem de pesca em 1969, ano em que imobilizou na Azinheira, tendo sido vendido em
1971 ao Philadelphia Museum.
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Do casamento
com a Senhora D. Nazaré Correia,
irmã do meu Avô Pisco, em 8 de Março de 1913, foi surgindo uma família
numerosa, como hoje, sói dizer-se. De três rapazes, todos seguiram a vida de
mar. É geracional, em Ílhavo.
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De 1907 a 1917, António Marques embarcou como pescador, contramestre e
cozinheiro na escuna Loanda, nos
iates Rio Ave e Maria Luiza, no lugre-patacho
Oceano e no lugre Terra
Nova.
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No lugre-patacho Oceano, desempenhou a função de cozinheiro – contava-me o Francisco
– tendo este lugre-patacho abalroado
com uma ilha de gelo. O cozinheiro, amarrado, sete vezes mergulhou, sete
martelos perdeu… mas tapou o rombo. Já não há estes actos heróicos, nem homens
desta têmpera.
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Em 1918, com 29 anos, tirou o Curso de
Piloto e de seguida, por já ter feito as horas as derrotas, obteve as Cartas de Imediato da Marinha Mercante e de
Capitão Pescador.
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Durante nove
meses, entre 1919 e 1921 foi imediato do lugre-patacho Ferreira e durante mais nove meses capitão do mesmo navio, tendo
feito uma viagem à pesca do bacalhau.
O lugre-patacho Ferreira não é mais nem menos, curioso!..., que a famosa barca Cutty Sark, que poderão ver em visita a Greenwich, enquanto foi
pertença do estado português – quantas vezes me repetiu isto o amigo Francisco.
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Em 1923, estreou como Capitão,
o lugre Algarve 5º, tendo como
imediato Augusto dos Santos Labrincha.
Continuou a
comandá-lo até 1927, inclusive.
Na campanha
de 1928, capitaneou o lugre Maria da Glória, da Empresa União de
Aveiro, Lda. de Aveiro, com João dos Santos Labrincha, como imediato.
Em 1929, estreou
como Capitão o lugre Rainha Santa,
construído na Gafanha da Nazaré por José Maria Lopes de Almeida, para a Firma
Pascoal & Cravo, Lda. de Aveiro.
Lugre Rainha Santa
Durante os
anos 1931, 1932 e 1933 – anos de crise – não embarcou.
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Em 1934, sob o comando de Manoel Ignácio
Gaia, pilotou o lugre São Paulo
Primeiro, mas acabaram por não
fazer a viagem à pesca, por abalroamento à saída de Lisboa com uma traineira.
No mar, está-se sujeito a todos os acidentes e incidentes, aliás, como em terra
e no ar.
Em 1935, foi à
Dinamarca comprar e trazer para Portugal o lugre-motor Labrador para a Sociedade
Lisbonense de Pesca do Bacalhau, que, apenas, comandou até Lisboa.
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Durante os
anos de 1935, 36 e 37, comandou o
lugre Bretanha, que, construído na
Murraceira, na Figueira da Foz, acabou por pertencer a diversas praças, após
várias vendas e transformações, passando para a praça de Lisboa, em1934.
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De 1938 a 40 (inclusive), comandou o Júlia
Primeiro, da praça da Figueira da Foz.
E, em maré dos Júlias da Figueira da Foz, o Cap.
António Marques, comandou o lugre Júlia
Quarto, nas campanhas de 1941, 42, 43, 44 e 45.
Lugre-motor Júlia Quarto
No Júlia Quarto, em 1945
Capitão António Marques, no convés. 1945
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Em 1946, estreou, como capitão, o
navio-motor de madeira Capitão Ferreira,
construído na Murraceira, Estaleiros Navais do Mondego na Figueira da Foz,
por Benjamim Bolais Mónica, em 1945, nele continuando como capitão, até ao ano
de 1955.
Navio-motor Capitão Ferreira, em 1949
O Capitão António Marques foi condecorado pelo
Presidente da República General Craveiro Lopes em 1953, entre outros capitães ilhavenses, durante a cerimónia da Bênção.
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Mais uma
estreia. Em 1956, inaugurou, como
capitão, o navio-motor de ferro Senhora
da Boa Viagem, construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, para a
Atlântica – Companhia Portuguesa de Pesca, Lda. E nele se manteve durante três campanhas.
Voltou mais
uma vez ao Capitão Ferreira, onde já
completava uma década de navio.
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E com esta
viagem, deu como encerrada a sua vida de mar, que foi longa e acidentada, mas
bem-sucedida e variada, durante 58 anos. A idade e a dureza da faina foram
deixando marcas… Mas será que o Capitão António Marques, durante seis anos,
conseguiu substituir o ondeado do mar, pelos passeios de Ílhavo? Esse ondulado
do mar originava aos «nossos heróicos homens» um andar especial, cambaleado,
balanceado, até que habituassem à solidez da terra. Assim foi…mais uma vida
passada no mar.
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Fotografias
– Arquivo pessoal e gentil cedência da Família do Capitão
Ílhavo, 14
de Abril de 2016
Ana Maria Lopes
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