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Nada
como registar «a oratória», mesmo a minha, no «Marintimidades». Local sagrado!... para mim…
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Caros /as Amigos/as:
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Na
vida, é adágio popular dizer-se que se deve plantar uma árvore, fazer um filho
e escrever um livro. Imbuída pelo gosto de meu pai, plantei umas arvorezitas.
Relativamente a filhos, até fiz dois, que, hoje, são o meu suporte e o meu
orgulho. Escrever, ou melhor, escrevinhar,
entre folhas de sala, catálogos, brochuras e livros, já lá vão alguns.
Mas
cada um tem uma histórica.
Quase
todos de pesquisa etno-marítima, e/ou etno-linguística, por minha formação, roçando
quase a antropologia, também vivem muito da imagem, que considero indispensável
neste tipo de trabalhos.
Livro,
livro, propriamente dito, acho que começa a ser uma boa altura de este ser o
derradeiro.
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Umas
brochuras, uns artigos para revistas da especialidade, uns posts para o famoso Marintimidades,
fá-lo-ei até que a voz me doa e já começo a enrouquecer, com facilidade.
São
o meu meio, o meu mundo, o que me entusiasmou, na vida – foi o litoral deste
país, de norte a sul e, mais tarde, as embarcações lagunares, por empatia e
vizinhança geográfica.
Não
é obrigatório verter o saber em livro, mas não há nada como deixar escrita a nossa
perspectiva. Há várias maneiras de tratar um assunto. De degrau em degrau,
chega-se, por vezes, a uma suposta verdade…
Do
Vocabulário Marítimo, à Faina Maior (em co-autoria), aos Moliceiros, ao Regresso ao Litoral, às Bateiras
da Ria de Aveiro – Memórias e Modelos (em co-autoria), continuei a olhar
para as bateiras e seus processos de
pesca que sempre me fascinaram, se bem que manifeste mais um fraquinho pelas
embarcações. Por aqui residente, era natural que a nossa ria, que sempre me
atraiu, me atraísse, agora, de uma maneira diferente, mais amadurecida. Olhares
mais sólidos, consistentes e mais vividos…
Discussões
salutares que mais tarde dão frutos e nos conduzem a uma suposta solução.
Com
o SAL, tudo foi diferente, mas afim.
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Depois
do meu filho Miguel ter captado, nos
anos 80, as imagens para Moliceiros – A Memória da Ria, fê-lo,
de igual modo, com a minha colaboração e orientação durante uma safra de sal,
desde os trabalhos preparatórios até ao final, ao devolver o sal de uma marinha,
em saleiro, para o canal de S. Roque.
Visavam
as imagens e as pesquisas, a feitura de um livro que o trabalho de direcção do
Museu de Ílhavo interrompeu. E assim, ficaram acondicionados os diapositivos,
em abundância e as cassettes de som com as entrevistas a moços e marnotos, em fita
ainda magnetofónica.
Outras
vidas, outras andanças, outras procuras pelas últimas empresas de pesca deste
país de tal modo que o sal teve de ficar
em banho-maria.
Foi
uma pesquisa de sacrifício, esta, com imagens contínuas em cerca de 30 marinhas, embora sempre procurássemos as
de mais fácil acesso. Fainas matutinas, esfriadas, pinos do sol crestados,
enfim, de morrer…neblinas, nevoeiros, que, nuns casos facilitavam a recolha de
imagens, noutras, nem por isso.
É
o tempo atmosférico um dos principais mandadores
na produção salícola… e esse nem sempre estava a jeito.
Todo
este material foi ficando e sempre que lhe pegava, a falta de tempo impedia-me
de avançar.
Muita
água passou por baixo das pontes e o número de marinhas cada vez ia diminuindo mais.
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Mesmo
depois de ter deixado a direcção do museu, fiz vários trabalhos e colaborei
noutros. Mas o SAL empedrava…empedernia…
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Não
tinha quem me incentivasse, muito pelo contrário. Seria sempre um livro com
muita imagem, e sei bem como são, as dificuldades económicas, sobretudo a nível
gráfico.
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O
tempo de trabalhar com o filhote, hoje, um homem, já passara. Outros tempos…
Lancei pontes e uni gerações. Acho importante tentar fazer escola e criar,
desenvolver o gosto noutras pessoas. Numas, pegará, noutras, nem por isso.
Tenta-se.
Mas,
há sempre um mas.
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Há
uma boa meia dúzia de anos conheci no museu, a Etelvina, entendemo-nos bem,
dei-lhe umas dicas para a tese de mestrado que trazia em mãos com o tema Embarcações
tradicionais da Ria de Aveiro, uma análise pelo Design, e, ao poucos
foi-se fortalecendo entre nós, uma amizade, apoiada por alguns interesses
comuns, cruzamento de saberes, cruzamento de idades, de geração.
Há
cerca de uns 4 anos, visitei, de novo, o Sr. João Banca da marinha
Troncalhada, para que me ajudasse a avivar a memória relativamente às imagens
captadas nos anos 80, bem como o Felisberto
Fortes, que, entretanto, já não está entre nós. E ingressei pela meia dúzia
de marinhas que sobrava, sozinha.
Quarenta e tal anos de idade não são sessenta e tal e chegava cansadíssima a
casa. Ai, o sal, o sal, que me fazia
a alma negra, tal como aos salgadores do bacalhau.
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O
trabalho de campo é muito cansativo e os anos passam e deixam marcas.
Se
eu tenho um conhecimento técnico, qb, já de longe, pelo muito que calcorreei
marinhas, e a Etelvina tem uma fluência frásica de cariz poético, e que tal, se
nos juntássemos e aos poucos, fôssemos produzindo um texto a 4 mãos, em leve dueto, em que o Marnoto fosse o rei da ria? Descrever,
«cantando», imagens já com uma três dezenas de anos…
O
trabalho na marinha é duro, cansativo, repetitivo, porque o processo é mesmo
esse.
Cansa
um leitor pela monotonia, que se encanta com o processo, mas, só de vez em
quando, espreitando. E para nosso
mal, está mais do que em vias de extinção. Até eu, também estou… Marcas do
tempo… E tenho uma tendência e um gosto terríveis por fixar e reter assuntos
que sinto e pressinto que estão para acabar. É o que tenho praticado.
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Mas
o SAL continuava-me atravessado na
garganta, qual espeto, salgando-a demais. Fiz uma proposta à Etelvina e ela
gostou do projecto. Primeiro, seduzi-a, com aquelas imagens que achava mais
fortes e, posteriormente, disse-lhe o que pensava para o género de texto.
E
arrancámos, também para a «nossa safra», nas ditas «terças-feiras no museu»,
onde trabalhávamos, sem que nem uma mosca
nos pudesse interromper o processo.
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Passado
cerca de um ano e meio, estava pronto. O Miguel ia-nos, por vezes, enviando
umas dicas – afinal, sem estas imagens não teria havido este livro.
E
agora? Nada como um livrinho em estilo panorâmico, fácil de ler e reler, de ver
e rever, ao colo, como merece, com carinho, em deslumbramento de um desejo
alcançado.
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Lembrei-me,
numa tarde de domingo outonal, que havia uma promessa da (Alêtheia Editores),
na pessoa de Zita Seabra que há uns
anos me disse, – talvez ainda venhamos a
trabalhar juntas – ela que nos deu ao prelo «dos primeiros livros de grande
memória», ainda noutra editora, lançados neste Museu, nos anos 90.
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E
a Zita gostou do ficheiro enviado, texto e imagens. Outro projecto, outro sonho
a concretizar, desta vez para os co-autores – a Etelvina, o Paulo e eu.
Não
foi nada fácil. A partir de aqui, nós, os intervenientes, sabemos as
vias-sacras por que passámos.
Mas
vencemos e «Uma Janela para o Sal»
pode, hoje, ser lido e apreciado no regaço. O Sal saiu da gaveta e da garganta,
tal qual como foi registado. Não empederniu, nem liquidificou.
Um
grande agradecimento a muitos (não vou elencar), ou melhor, a todos quantos
trouxeram uma pedrinha de sal para o
monte.
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E
aos Amigos que cá vieram ouvir-nos, transmitir-nos aquele calor humano, que
sempre faz falta, em ocasiões destas, o nosso grande agradecimento.
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Fotografias
– Teresa Soares (assinada), MEPC e Paulo Mendes.
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Ílhavo,16
de Maio/ Aveiro, 4 de Junho de 2015
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Ana Maria Lopes
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