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(Cont).
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Segunda singularidade:
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Surpreendeu-me positivamente,
quando me apercebi por onde queria ir a «A Janela para o Sal» …
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O
livro tem uma particularidade que passará certamente despercebida ao leitor
comum. É escrito no presente – como se a safra fosse hoje, ainda como se
descreve.
Historicamente
errado, que poderia, se levado à letra, destruir todo o trabalho. Mas
perceptível.
O livro nasce, na realidade, de um convite
feito à co-autora Etelvina. Levando-o a
um passado já distante, um passado em que foram feitos os registos da Ana e
do filho Paulo. É pois a história vista num passado, transmitida, relatada, num
presente qualquer. Uma espécie de crónica real…
Não
deixando de fazer a via-sacra do escoar
das comedorias, ao estranger, do imoirar à botadela o léxico está presente qb. Não podia deixar de estar. Léxico
imaterial rico, que foge a definições mais detalhadas. Sem perder tempo nos descritivos
alongados da definição técnica, para aqui despropositada.
Assim,
parece-me desde já ser possível, dizer que
os três co-autores souberam conciliar e verter para obra, com conta peso e
medida, cada um, de per si, os particulares atributos, individuais. Diria, com
particular equilíbrio. Every one has is
place... ou mais trivial Chacun
à sa place ..... E são a meu ver: o rigor da observação, registo e
tratamento de Ana Maria; a beleza poética da descritiva de Etelvina Almeida (uma
apaixonada das funduras da laguna e dos relevos humanos – e não humanos que a
povoam); a retina selectiva de Paulo
Godinho, na escolha e transferência para o duradouro, do que entreviu no
momento. O resultado final, acabado de sair do forno e agora deposto em vossos regaços,
é... porque foi assim que deliberadamente se quis, não um trabalho técnico
mas uma sucinta monografia sobre a safra do sal na ria, apoiada numa recolha
imagética e num estudo de campo, como bem esclarecem os autores. Uma obra diferente que acrescenta frescura ao tema e enaltece o
homem, sublinham, como que a dizer-nos ao que vieram... Confirmamo-lo em
absoluto. Final conseguido.
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E
assim cada imagem que fixa o humano na paisagem circundante, deixa de ser
apenas entusiasmante para uma apreciação sensorial do olhar deslumbrado. Logo
em paralelo, reforçando-a, sublinhando-a ou matrizando-a, corre um dorido,
poético e choroso texto. Que a explica, reforça e lhe recupera os pormenores do
milagre que permite à natureza imitar o milagre isabelino, ao perguntar à Ria –
o que trazes no teu seio?... e esta a
responder: – flores de Sal, Senhor.
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A natureza ofereceu o
meio.
Ao
princípio pareceu molhado demais para ser acolhedor. E de noite sob o prateado
de uma lua cheia embolada, parecia não haver sequer fantasma, nele a bulir. E
de som apenas se ouvia, de onde a onde, um choro de pio perdido de gaivota
grazina, chorando na margem a sua desdita.
Mas
logo o homem se lhe atirou afadigado, agradecendo a dádiva. Rapou de um
imaginativo compasso, sobraçou no olhar esbelta régua, e logo se atirou a
riscar as águas azuis, metendo-a em viveiros,
algibés, caldeiras, talhos e cabeceiras, onde se espreguiçam num azul
soluçante que, inquietado pela aragem, cintila, parecendo invadido por milhões
de cus de lume incendiados pela torreira.
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Essa figura humana, o
primeiro da cronologia humana lagunar, é o marnoto. O decano das labutas lagunares,
duradouras. Aquela que serviu de plinto ao Homem
que, atraído pelas promessas entrevistas, se alapou, célere, nas suas margens.
Abrigado em ocres tugúrios das ruindades da natureza agreste, que foram brotando
das lamas secas, enegrecidas, depressa tornadas terras de viço.
Dele
bem se poderá dizer: ao princípio era o marnoto!!!
E
assim começaria a história até que a página foi encerrada, já lá vão quase três
boas dezenas de anos.
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Meus
senhores Minhas senhoras: Amigos
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O
presente trabalho é guarida segura para memória futura. Para lembrar o arquétipo
humano, através do qual os deuses imateriais concederam a feitura do sal, «nativo e factício», como o designou, Plínio
«O Velho». Quando no séc. II dC, por estas bandas deambulou, em trabalho de
campo, a recolher elementos para a sua «História Natural».
E the last but not the least: uma outra singularidade…
As
autoras não irão certamente corar… Falamos de janelas e eu espreitei. E o que
vi?
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Este livro feito por
duas mulheres que qualquer leitura permitirá dizer-se «muito interessantes»,
tem, a dada altura, uns laivos de erotismo. Sugerido nas páginas em que esboça
o perfil do moço lagunar. Mostrado de calções, sem outro sudário que não seja a
pele, a cobri-lo. Ei-lo desnudo qb, e logo as autoras parecem deslumbradas:
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Quase nu,… eis o moço
do Sal, de corpo esbelto e pele bronzeada. Os seus músculos retesam ao longo da
íngreme subida...elegante e sereno no caminhar... o corpo
moldado à canastra.
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E
continuam as autoras na luxuosa descrição:
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Sob intenso sol esse
homem musculado, exala e escorre suor e moira....que se colam sobre o peito
molhado e salgado.... (a)pele dura gretada.... deixa antever longo curtir que
lhe rouba anos de delicadeza... A todo o tempo ele transpira...sal.
A
janela passa rapidamente a buraco de fechadura para uma espécie de cândido voyeurismo...
E
o moço de marnoto, surge na «Janela para o Sal», como um Adónis mitológico,
divindade de vida-morte-renascimento,
ele mesmo, aqui, mito do ciclo anual da produção do sal: a sua «afrodite» com
quem escolhe(ia) conviver meses de cio salgado. Corpos de beleza masculina
excelsa, talhados na perfeição dos mitos, a que a exsudação copiosa concede um
brilho de virilidade entrevista...
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Meus Senhores, minhas
Senhoras, Amigos:
Caros Autores:
A
Ana costuma temer a severidade das minhas apreciações.
Pode aqui ficar
descansada. Ela esteve certa; eu estive errado. Mas em boa
verdade, a Ana esteve certa: porque acreditou e teimou levar por diante algo, onde
eu não consegui ver interesse.
Voltando
a António Vieira, o Sal de que a Ana queria falar é o sal da salga.
O
saído de uma hipotética feitura minha, talvez não o fosse (!). O pregador (eu)
quereria fazer uma coisa, mas no fim, faria outra. A cada um, o seu sal, pois…
A
Ana esteve certa e feliz, porque comigo nunca esta obra atingiria o mérito que lhe
reconheço.
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A
estimada e estreante Etelvina, por quem nutro grande simpatia e apreço, foi the
right womam,
for the right job... Conferiu uma beleza poética a uma amargurada
tarefa. Não é fácil...
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Bem:
do Paulo Godinho, que um dia, ainda rapazito imberbe, apareceu em minha casa a
vender um excelente vídeo de sua autoria (e de Rui Bela), direi que fiquei, já então,
aí, na certeza que havia muito a esperar (dos dois). Mas a vida «oblige»...e o
fotógrafo teve de dar lugar ao óptimo profissional, que sei o Paulo ser.
Olhe
Paulo: não gosto (já!) de dar conselhos aos mais jovens. Se o pudesse fazer dizia-lhe:
guarde lá para o fim, como eu fiz, tempo suficiente para trabalhar no seu hobbie. Vai ver que vai muito a tempo...
A
todos os meus parabéns.
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Senos
da Fonseca, 16 de Maio de 2015
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Imagens
de Paulo Mendes e de Teresa Soares (assinadas)
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Ílhavo,
7 de Junho de 2015
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AML
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