domingo, 8 de março de 2015

O litoral e eu


O litoral e eu temos uma história de vida…
Desde moçoila que o palmilhar as praias piscatórias marítimas, se revelou, para mim, uma delícia. O mar, na sua imensidão, em tons de azul e espuma branca, enrolava-se e espraiava-se na areia cálida e macia, num vaivém constante e sempre surpreendente.
Os cenários eram deslumbrantes a qualquer hora. Desde o alvorecer ao anoitecer, homens e mulheres em alarido, guiavam bois, ajudavam barcos a varar, remendavam redes, corriam com cabos às costas, enquanto, à margem, se faziam lanços no areal cálido e amplo.
Dirão…ou pensarão: convenceu-se que conhece alguma coisa de marítimo e que apanhou essa paixão pelas embarcações tradicionais assim sem mais nem menos. Não foi moda, não. Nem delírio. Também não. Foi gosto, dedicação, observação e estudo.
Finalista de Filologia Românica na UC, defendia a tese O Vocabulário Marítimo Português e o Problema dos Mediterraneísmos, quando a vida me desafiou para mudar e, de solteira, passar a casada, tomando outro rumo familiar.
Sucedeu que a dita «lua-de-mel» foi feita litoral abaixo, entre Cascais, Sesimbra e baía da Baleeira, passeando mesmo até ao sotavento algarvio.
Palmilhávamos as praias, calcorreávamos areais, sentávamo-nos em rochas. Eu, alcandorada, em embarcações, adorava assistir directamente na beira-mar às lotas de peixe prateado e saltitante. O movimento, o alarido, o colorido, o vaivém de barcos e artes entontecia-me apaixonadamente.
Pelos anos 60, continuava o estertor das embarcações tradicionais e da navegação à vela, a que fui assistindo com alguma mágoa. Mas todo aquele movimento, essa balbúrdia, esse bulício, momentos de extrema beleza, ficaram no meu gosto pelo «marítimo».
 
Em Sesimbra. A lota do peixe-espada, na praia. 1965
 
Ao final da tarde, o peixe prateado estrebuchava na areia, no estertor da morte. Vários lanços decorriam em simultâneo, enquanto aiolas se aquietavam em terra e chatas, grosseiras e pesadonas regressavam ao mar prateado…
Anotei, apontei, fotografei, escrevinhei, voltei várias vezes a vários pontos litorâneos, sempre numa perspectiva etno-linguística, até que em 1971, a tese ficou pronta.
Estas imagens dos anos 60 falam mais do que «mil palavras».

P. de Varzim. Barquinhos com muregonas
 
Embarcações diversas na praia da Nazaré
Barco do mar na Caparica
 
 Sines. Lota na praia
 
Albufeira. Vai um bote à água

Lancha da sacada. Albufeira

Monumental calão. Quarteira

O gosto não esmoreceu. Pelo contrário
Pelos anos 80, visitei todos os locais já então percorridos, para fazer uma avaliação entre o que a história tinha feito desaparecer e o que ainda perdurava. Esta comparação gorou as minhas expectativas, quanto ao que ainda havia de tradição.

No primeiro decénio do século XXI, eis-me de novo ao terreno, de norte a sul do país. E o resultado foi o livro REGRESSO AO LITORAL, dado ao prelo pela Comissão Cultural de Marinha, em 2008, que muito me orgulhou.

O tempo foi passando, as embarcações tradicionais e as minhas forças atingiram o seu crepúsculo. Poderia ter sido um pouco antes, mas considero que ainda o fiz a tempo de me ter deixado a alma cheia.
Neste dia dito da mulher, que não aprecio, poderei dar a mim própria a prenda de escrever de mim e para mim, recordando o «tal passado à beira-mar».
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Ílhavo, 8 de Março de 2015
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Ana Maria Lopes
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5 comentários:

  1. Excelente ...Tenho os dois livros mais antigos que referiu...Igualmente (e EM DUPLICADO,não me apercebi de que era REEDIÇÃO...) o que escreveu com o Cap."Xico" Correia Marques,irmão da minha Professora da 4ªclasse,D.Maria Correia Marques...
    Cumprimentos,"kyaskyas"

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  2. Caro amigo, obrigada. Parece que sempre vale a pena escrever. Ainda ontem, vi a D. Maria Marques, já velhinha...Cumprimentos.

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  3. Uma história de vida apaixonada e sábia. Imagens muitíssimo interessantes.
    Teresa Soares

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  4. Cara Teresa:

    Obrigada pelo seu amável comentário.

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