Juntar, numa só recolha, alguns dados de homens ilhavenses
e dos navios que comandaram – é a intenção. Não posso ser exaustiva, mas tento
relacionar factos.
Dois
dos nossos já partiram, de vez, para mares ignotos e bastante mais distantes.
Um, com quem convivi de perto, deixou-nos há pouco, neste mês de Março. Aquele
a quem eu chamava de primo Salta, porque o era, de facto, partiu já em 1978. O Capitão Vitorino Ramalheira tirou-me, ontem,
algumas dúvidas e identificou-me imagens, conseguidas há pouco.
Haverá
sempre mais uma pecinha a juntar ao «puzzle» da Faina Maior.
Comecemos…pois,
a entrelaçar a vida de homens e navios.
O Capitão Salta (ao centro), a bordo do Argus; à esquerda, César Maurício (chefe de máquinas do navio) e Manuel da Maia Rocha (Laracha); à direita, o Capitão Adolfo Paião e Capitão João Matias.
1950
Por
ordem cronológica, Manuel dos Santos Labrincha, de alcunha Salta, nasceu em Ílhavo, a 5 de Dezembro de 1901, tendo-nos deixado
com 76 anos. Iniciou vida no mar, como muitos do
seu tempo, com 15 anos, tendo feito viagens de comércio para Cabo Verde, em navios
que levavam sal e traziam gado. Propriamente no bacalhau, começou em 1925,
tendo sido piloto, no Esperança 2º, e noutros, da praça do Porto. Em 1936 e 37,
foi Capitão do Senhora da Saúde,
navio adquirido em 1935 pela Empresa Tavares, Mascarenhas, Neves & Vaz, com
sede em Aveiro e Porto, que terá naufragado em 1952, na Groenlândia.
Senhora
da Saúde, à entrada no Douro. S. data.
Ansiado regresso
De
1938 até 1947, foi capitão do Brites
(1936-1966), da Empresa Brites e Vaz & Irmãos, da Gafanha da Nazaré.
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Entre
1948 e 52, comandou o Aviz, navio de
4 mastros, construído por Manuel Maria Bolais Mónica, na Gafanha da Nazaré, em
1939, para a Companhia de Pesca Transatlântica de Pesca, com sede no Porto.
O Aviz, em construção. Gafanha, 1939.
Aviz. Porto, cheias
no Douro de 1962
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Foi
entre 1948 e 52 que se cruzou no Aviz
com António Morais Pascoal (1923-2014), como seu imediato.
Em North Sydney, a bordo. Capitão Pascoal, ao centro;
à direita, Capitão Salta e, à esquerda, Capitão Júlio Machado Redondo.S data.
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O
Salta a partir de 1953 até ao final de sua vida activa (1959), exerceu o cargo
de capitão no Condestável, lugre de
4 mastros construído por Arménio Bolais Mónica, em 1948, na Gafanha da Nazaré,
igualmente para a Companhia de Pesca Transatlântica, do Porto.
Condestável, em dia de bota-abaixo.
1948
Eram
habituais estas mudanças com a construção de navios novos e, em 1953, assim
como o Capitão Salta passa para o Condestável,
o Capitão Pascoal assume o lugar de capitão no Aviz, até 1959. Dança de cadeiras, a bordo… Em 1960, enquanto o
primo Salta abandona o mar, com uma vida de ausências, o amigo Pascoal passa a
comandar o Condestável, que perde,
por incêndio a bordo, sem quaisquer perdas de vidas.
Condestável, em ano de
transformação, 1957
-
O
Condestável, de imponente lugre-motor
que era, foi transformado, em 1957, em navio-motor com dois mastros.
Na
inauguração da transformação, os presentes – o 1º motorista do navio, o Capitão
Salta, o gerente da Companhia de Pesca e o Capitão Vitorino Ramalheira –
testemunham o acto.
No tombadilho dos botes, em Massarelos. Porto, 1957
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O
nosso bom amigo Vitorino Ramalheira, de 1954 a 1959, como imediato do Condestável teve a oportunidade de se
cruzar com o capitão Salta.
De
1960 a 1965, passou, então a comandar o lugre Aviz, em que teve a dita de fazer a primeira campanha de capitão e a desdita de naufragar, por incêndio, tendo
considerado esse episódio como o caso mais triste da sua longa vida no mar.
Imortalizou-o
nas suas lides da pesca à linha do bacalhau, a sua permanência, durante 3 anos,
no Santa Maria Manuela, tendo sido o actor/galã do documentário The White Ship, realizado, em 1966, por
Hector Lemieux, uma das «jóias da coroa» dos documentários sobre a pesca à
linha do bacalhau.
Também
passou, no ano de 1951 pelo navio-hospital Gil
Eannes, de assistência à frota bacalhoeira, de que seu Pai, João Pereira
Ramalheira, era o comandante.
E
assim se iam cruzando as vidas dos nossos homens do mar, entre terra e mar,
lugres e navios-motores, entre benquerenças e inimizades, entre segredos e
concorrências, saudades e sacrifícios.
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Imagens
– Arquivo da autora do blogue
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Ílhavo,
23.3. 2014
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Ana Maria Lopes
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Só uma tarde ventosa e monótona de primavera, a adivinhar a aproximação da "Feira de Março", daria inspiração para a elaboração de tão significativo e aprofundado documento, lindamente ilustrado com alguns dos mais belos navios de que há memória.
ResponderEliminarParabéns.
O prazer da leitura exercido da melhor forma. Obrigado por partilhar todas estas informações e imagens de forma tão bela. Muito obrigado mesmo.
ResponderEliminarLMC
Gostei de ler. Estou sempre a aprender.
ResponderEliminarAgradecia um esclarecimento, o Manuel dos Santos Labrincha, que aparece referenciado como capitão do Santa Izabel, nas campanhas de 1929, 1930, 1931, 1934 e 1935. (provávelmente também em 1932 e 1933) e do Ilhavense em 1928 é a mesma pessoa.
Já agora, nos registos da CRCB, o capitão do Brites em 1945 é José Candido Vaz, provávelmente o imediato a fazer de capitão, para o capitão ter os seus registos em dia?
Ao Sr. Ricardo Matias, o meu agradecimento.
ResponderEliminarClaro, como deve saber não se chega a estes conhecimentos, assim, de repente. E neste caso, disse mesmo que, ao focar 3 capitães que foram mudando de navios, não podia ser exaustiva.
No entanto, respondo-lhe que o Manuel dos Santos Labrincha, que também comandou o «Ilhavense 2º, em 1928, o «Silvina», em 1929 e o «Santa Izabel», muito possivelmente, a partir de 30 até 35, inclusive, é a mesma pessoa e de alcunha Capitão Salta. A ficha do Grémio, pela data da sua formação, apenas cita os cargos, a partir de 1936, no «Senhora da Saúde». No entanto, uma busca aturada no jornal «O Ilhavense» permitiu-me chegar aos outros dados. Em 1926 e, certamente, 1927, também foi piloto no Esperança 2º, da praça do Porto.