Chagas de sal
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– Ai moço de
outrora, quão velha é já a tua história...
Foste tecendo as tuas memórias por essas praias salgadas, entre lamas e sal com
os pés em viva chaga. Mas, são teus pés, teus braços e teus ombros, a força que
recolhe e transporta esses brancos cristais.
Foste criado, educado e forjado pela intensa canícula, curado pela moira e endurecido pelo vento, tal como cristal de sal – e és tu já
sal!
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– Ai moço,
teu corpo moçoilo é belo – tenro, mas forte: teus músculos
retesam, tua pele brilha, teus cabelos ao sol resplandecem. A beleza mora aí,
nesse corpo e nessa alma – és um dom da Natureza.
E serás tu, já moço-homem, capaz de obter o teu sustento?
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– Ai moço,
que ainda crês no saber ancestral e aprendes a faina do sal…
Aqui te entregas à lida do rer, curvado a jeito, para com jeito colheres os virgens cristais
com a rasoila e puxá-los pelos meios, para o meio, para o duro vieiro, arrastando-os por esse caminho
que leva ao tabuleiro.
Aí o amontoas em pequenos montículos de sal e o deixas a escorrer as moiras.
Aí o amontoas em pequenos montículos de sal e o deixas a escorrer as moiras.
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– Ai moço,
quão branco e amargo é esse oiro que acabas de rer e que escorre entre teus pés
acabados de nascer...
Mas é assim que te entregas à marinha, que é mãe e rainha – a ela, que
te ensina e dá o pão.
– Mãos de moço-homem és, rasoila! E é com ele que, todos os dias mergulhas na moira, e te arrastas por essas praias de sal num vaivém interminável.
São ambos matéria que se curte e entranha em duro ambiente,
entre elementos de água, sol e vento – entre o sal.
– Ai moço,
quão belo, mas cruel é esse salgado que te rouba a
inocência, que te corrói o corpo e a alma, mas que te dá o pão da vida e te faz
homem – são as «chagas da vida», dizem...
Ao tempo, com o tempo, curtes a tua cútis, endureces-te e
moldas-te ao sal – só assim sararão essas feridas que agora tingem, de
vermelho, o branco sal.
É esse sal que escorre entre teus pés, que te salga, te
corta, te marca, te retesa essa pele de tenro menino e a enruga antes do tempo,
curtindo-a de bronze salgado.
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A seu tempo, moço, «homem de sal» serás!
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Nota – Para esclarecimento de
linguagem técnica, consultar GLOSSÁRIO de Diamantino Dias.
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Imagens | Paulo Godinho | Anos 80
31 | 07 | 2013
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Texto | Etelvina Almeida |Ana Maria Lopes
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Que lindo! Fotografias belíssimas e o texto está um primor!
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