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Como
escrevinhei o «antes» do S. Paio, há quem espere pelo «durante». Ei-lo, aí vai
ele, antes que seja tarde e se perca a emoção.
Um
grupo de amantes da ria organizou-se e foi no moliceiro PARDILHOENSE, com a mira do
S. Paio – a maior das romarias lagunares setembrinas de fim de Verão. Objectivo
– assistir à regata de bateiras à
vela e à corrida dos chinchorros –
programa imperdível! Acompanhar as embarcações, apreciá-las, sorvê-las,
admirá-las e divulgá-las.
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Mas
o tempo promete, não promete?
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Nem
chuva, nem sol, nem relâmpagos, nem trovões, nem calor, nem frio. Uma calmaria
podre. A ria, um espelho, que a ausência de sol não valoriza. Mas,
aguardemos!....
Os
«nossos» romeiros vêm chegando, com entusiamo, farnéis diversos (chegou-me aos
ouvidos…) e cheios de desejo de viver um dia na ria, à moda antiga. Dos 40 anos
aos 70… com boa vontade, ou dos anos 40 aos 70?
Desvendem
o trocadilho.
O
astro-rei parece querer trespassar a camada de nuvens para nos aquecer a alma e
encharcá-la de luz.
Muitos
conhecidos, muitos amigos, muitos fotógrafos, boa disposição e cordialidade a
bordo. E a tripulação vai aparelhando o PARDILHOENSE.
A
viagem como de outras ocasiões, desta vez, a motor, por imperativos de horário,
começa e prossegue sem incidentes.
Uma
linha do horizonte mais escura divide dois mundos, ambos cinzentos, mas etéreos
– o céu e a água.
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Linha do horizonte
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Muitas
câmaras, mais ou menos pomposas,
muitas objectivas poderosas, tripés, monopés, um «cardápio» de material
fotográfico… A ria merece.
A
luz tenta penetrar e aureolar a paisagem, facilitando os reflexos.
Reflexos em S. Jacinto
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Lembrou-me
a descrição de uma ida ao S. Paio, em mercantel,
relatada por Egas Moniz, em seu livro de memórias, A Nossa Casa.
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«Na festa de S.
Paio, a grande romaria da gente ribeirinha, a ria coalha-se de barcos que
provêm de todas as freguesias marginais. Abundam os moliceiros lindamente
embandeirados, com sinais distintivos para que os tripulantes os reconheçam
quando, encostados uns aos outros, formam na Torreira a frota da alegria.
São as famílias
e amigos do proprietário do barco que o enchem de raparigas airosas, de olhos
escuros e tez morena, e de rapazes desempenados e garbosos, tisnados pela
maresia (...)».
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O ambiente à
chegada já era bem festivo, mas faltávamos nós, logo que tínhamos decidido
degustar uns pitéus a bordo. Nada faltou. Vitualhas em abundância…desde rojões,
sandes de queijo e fiambre, pataniscas de bacalhau, quiche, broa com azeitonas, queijo… a chouriço preto e vermelho,
assados a bordo, quentinhos, a sair, por assador perito e gafanhão orgulhoso, da Gafanha de Baixo! Tudo bem regado por um
vinho alentejano branco Porta da Revessa, por um tintol adequado e por «água
fresquinha», para os mais imaculados.
Para quem não
dispensa a fruta, uva saborosa e graúda, melão aquoso e figos apetecíveis,
acabadinhos de arrancar da árvore, a gosto.
Claro, não
podia deixar de ser, mesa posta em toste
do moliceiro, coberta por toalha colorida.
Ou não tenha servido esta embarcação de casa
– dizia Raul Brandão.
A assar a chouriça, a bordo
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Algumas bateiras já vão ensaiando o pano, a hora da partida, 3 horas,
aproxima-se. E nem milhares de olhos
conseguiriam captar tanta beleza.
De repente,
aguarelas belíssimas saídas da paleta de pintor sublime, imaginário e criador,
deliciam-nos.
É dado o sinal
de partida, a brisa norte vai apertando, a marola sucede e a arte dos arrais é posta à prova.
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Aguarela surpreendente
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Um chamado
«vento burro» (incerto) – refere o Ti Abílio Carteirista – faz «das suas». E
uma boa meia dúzia de bateiras, entre
as cerca de quarenta, concorrentes, virou. Nada de maior! «Quem anda à chuva,
molha-se».
Junto das bóias,
a ria lembrava uma pista de carros eléctricos de choque, em que cada um, neste
caso, cada uma, lutava pelo melhor lugar.
As
velas das bateiras, em competição,
conforme a posição, ganham uma brancura que até fere a vista, tal qual um abat-jour iluminado por lâmpada
poderosa.
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Abat-jours iluminados
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Neste
dia, há pequenos/grandes pormenores, que completam e embelezam a «alma das
bateiras»: a toste, o mastro e a vela, respectivos cabos e leme, por vezes, com sigla. O céu azul em que se empastelam, adornado
de nuvens róseas acaramuladas, tal pedaços de algodão perdidos no infinito,
completa o cenário.
Sinto-me
encharcada de tanta beleza e quase não consigo ordenar as ideias e a prosa.
Jorram!
Não
conheci o proprietário da bateira
vencedora, que tinha o casco beije,
cor não muito usual para o costado desta embarcação. Prestou boa prova.
Bateira vencedora. Foto
de TCS
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Em
segundo lugar, o Marco Silva, que nos proporcionou belas imagens, a bordejar,
com a borda debaixo de água e o camarada,
em equilíbrio, em pé, sobre a falca.
A serra como fundo, com casinhas brancas, soltas, incrustada no céu, qual
pantalha azul, azul, azul…
A bateira
do Marco, em 2º lugar
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Meu
Deus! Que mais se pode exigir da natureza?
Foguetes
e palmas para os primeiros classificados!...
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O
intervalo entre corridas deu para ir a terra, esticar as pernas à borda-d’água,
contemplar os chinchorros que se
preparavam, visitar o café do Guedes e sentir a romaria.
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A
travessia dos chinchorros é um
espectáculo único, daqueles que nos faz ferver o sangue e que vale a pena
vivenciar. Não possibilita grandes imagens, mas faz subir a adrenalina e o
entusiasmo. Grandes homens e grandes mulheres! É a competição pura e quase
feroz! Excitante, mas pacífica!
Chegada de chinchorros
Hora
do regresso!
Meios
chochos e cansados, «vimos da festa». A emoção gasta…
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Mas
o lanche ajantarado preparado com desvelo pela Etelvina, com outras
participações, «aqueceu a guelra». E, oh, oh, uma caipirinha, preparada a bordo, pela Lourdes, com todos, incluindo
as muitas batedelas com o pilão, no meio de muito boa disposição, aqueceu a
«malta». É que o vento norte soprava fresco e, então, o arrais, decidiu trocar o motor pela vela. Com maré e vento de
feição, era um tal andar!...
No
meio de grande azáfama e de alguns receios, era um tal obedecer a ordens:
- Pessoal para
bombordo! Pessoal para estibordo! Tudo à proa! Mais gente para a ré!
- Caça o pano!
Cuidado com as cabeças! Atenção à
escota!
- Toste a
bombordo! Toste a estibordo!
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Desligado
o motor, é como que se apagou uma antiga máquina de petróleo.
E
os barulhos naturais vêm ao de cima – o chape-chape
da água da marola contra o costado, o ruído do vento, o panejar da vela, o piar
de gaivotas e gaivinas – e são pacificadores!
Em
frente à barra… entre o Triângulo e o Forte, à vista do porto de pesca costeira
e do Sto. André, alguns chapiscos acordam-nos, no meio de tanta beleza.
Preparativos
para a atracação – escota solta! Vela a
panejar!
Chegada
ao Oudinot
e desembarque!
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Grande
dia de ria, de romaria, de maresia e de agradável convívio. É de repetir!
Imagens
da autora do blogue. A da bateira vencedora,
gentilmente cedida por Teresa Cruz Santos
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Algures
na ria, 6 de Setembro de 2013
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Ana Maria Lopes
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Simplesmente SOBERBO!!!
ResponderEliminarParabéns
Soberbo, mesmo !!!
ResponderEliminarUma maravilha...
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