domingo, 30 de dezembro de 2012

«Faina Maior» apresentada em Bruxelas

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Último registo de 2012…

Teve lugar no passado dia 11 de Dezembro de 2013, na Orfeu-Livraria Portuguesa de Bruxelas, a apresentação do livro Faina Maior. A Pesca do Bacalhau nos Mares da Terra Nova, da autoria de Francisco Correia Marques e de Ana Maria Lopes, publicado pela primeira vez em 1996 e reeditado em 2011 pela Associação de Amigos do Museu Marítimo de Ílhavo. A apresentação esteve a cargo do Dr. Fernando José Correia Cardoso, Assessor Jurídico na Direcção-Geral «Assuntos Marítimos e Pescas» da Comissão Europeia.
 
 
A apresentação consistiu em três partes distintas, assim se tendo proporcionado um enriquecimento do âmbito desta iniciativa. Previamente, foram divulgadas algumas notícias relativas ao trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no quadro do Centro de Investigação e Empreendedorismo do Mar do Município de Ílhavo e do Museu Marítimo desta cidade.
 
Na primeira parte da apresentação, foram apontados os dados biográficos dos Autores, salientados alguns pontos do Prefácio e realçados, entre outros, os seguintes aspectos do conteúdo do livro: a estrutura da obra, com um historial condensado da actividade até aos anos cinquenta do século passado e com elementos muito precisos sobre as operações de pesca e respectivas condições (aparelhamento dos navios e dos espaços a bordo; verificação das condições de navegabilidade; preparativos da pesca; alimentação a bordo; condições atmosféricas; actividade das mulheres; evolução tecnológica dos navios). Trata-se, no seu conjunto, de descrições muito coloridas, eivadas de um estilo realista, com apontamentos muito humanizados e uma observação extremamente perspicaz de todos os elementos materiais e simbólicos. Além disso, pode denotar-se uma escrita relativamente «codificada», pela utilização de expressões próprias da actividade, que transportam o leitor para uma ambiência particular. Daí o grande interesse do Glossário incluído na parte final do livro.

Na segunda parte foram avançados, de forma geral, elementos relativos à caracterização do sector da pesca no contexto da economia nacional e ao lugar que, nesse enquadramento, reveste hoje esta espécie piscícola, o bacalhau, tão apreciada no nosso País, em termos de fluxos comerciais, de processamento industrial, de inovação de imagem e de consumo. E foi também mencionado que muitos outros povos consomem hoje, e em grandes quantidades, esta espécie, para depois se indicar dois grandes factores diferenciadores a nível nacional: o apuramento da técnica de secagem e a extraordinária inventiva, não igualada, da gastronomia.


 
Na terceira parte foi desenvolvida a tese das «três sagas do bacalhau»: a saga do passado, a do presente e a do futuro. Desde logo, poderá afirmar-se que todas são percorridas por um elemento comum e constante constituído pela tripla realidade «produção – transformação/comercialização – consumo». Em relação à primeira, ela fica extremamente bem documentada no livro que foi apresentado. No que diz respeito à segunda, referiram-se os aspectos ligados à complexa teia de negociações internacionais necessárias à obtenção de possibilidades de pesca, bem como as relações que, no âmbito do comércio internacional, determinam os fluxos de importação e de exportação. A terceira passará por uma afirmação crescente das mais-valias a incorporar na qualidade e imagem do produto e pela conquista de nichos de mercado exigentes, associando um produto de alta qualidade ao 'saber-fazer' português. E passará ainda por uma ligação fecunda, que já se vem a verificar, entre as instâncias de investigação científica e o mundo empresarial no sentido de descobrir caminhos de diversificação em termos de utilização do produto em diversas áreas de actividade (nomeadamente a medicina e a biotecnologia).

Depois da apresentação houve um debate que se revelou muito profícuo e esclarecedor, tendo em conta a qualidade das contribuições efectuadas. Finalmente, teve lugar um cocktail com produtos confeccionados à base de bacalhau. Além disso, esteve patente uma exposição bibliográfica. Esta exposição incluiu obras e documentação sobre as diferentes facetas da actividade que incide sobre esta espécie: os aspectos da história económica ligados à captura e à comercialização; o valor nutricional da espécie; o aproveitamento em termos gastronómicos; as iniciativas de valorização da imagem do produto (marketing e merchandising).
 
 
A obra em apreço está à venda nas lojas do Museu Marítimo de Ilhavo, do Museu de Marinha e do navio-museu Gil Eannes, em Viana do Castelo, na Casa Garraio e na Livraria Ferin, em Lisboa e em algumas livrarias de Ílhavo, Aveiro e Gafanha da Nazaré. O número de exemplares ainda disponíveis, contudo, é já muito limitado.
 
Fotos de Friedrich W. Baier


Ílhavo, 30 de Dezembro de 2012
 
AML
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domingo, 23 de dezembro de 2012

Ceia de Natal - as mulheres das secas

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Aproxima-se o Natal… a ceia… bacalhau cozido com todos como uma das nossas principais tradições gastronómicas natalícias.
 
É confrangedor que ele não possa, sobretudo este ano, mimosear as mesas de todos os portugueses.
 
E por associação a bacalhau, recordemos o trabalho árduo das mulheres, nas secas.
 
 
Uma das últimas secas tradicionais…a IAP

 
Com o andar dos tempos, com o avanço das tecnologias, com regras mais higiénicas, com as exigências da ASAE, com a competição aguerrida, viriam a acabar, mas, para amostra, nem uma, naquele seu tabuado acastanhado, trincado, nos seus extensos armazéns, na sua carpintaria consertadora dos dóris, nos tanques/lavadouros, frequentemente exteriores e rústicos, singulares e típicos carros-de-mão de roda de ferro e, sobretudo, naquela vastidão imensa do «secadouro», com as tradicionais «mesas» de arame para exposição do «fiel amigo» ao sol.

 
 
Em primeiro plano, os carros de mão…

 
Os tempos são outros, o progresso fez-se sentir, mas as mulheres das secas, sobretudo da Gafanha da Nazaré e arredores foram grandes MULHERES e merecem a honra desta singela homenagem.
 
Tive, por afinidades familiares, contactos, com as ditas mulheres, verdadeiras heroínas, pelo início dos anos sessenta, em que os trajares já eram mais aligeirados do que foram, outrora, e, porventura, as mentalidades, um tudo ou nada, mais abertas. Foi, então, que me deu para as fotografar.
 
Os clichés a preto e branco, num tempo em que «clicar» não era vulgar como agora, aprecio-os mais, porque são imagens de um passado que não volta, a que tive oportunidade de assistir ao vivo. E até de surripiar, para saborear, umas lasquinhas de bacalhau, das altas e ordenadas pilhas. Era uma técnica dura, pesada, mas perfeita, cheia de saberes e de «conhecimentos».

 

Lambreta carregada…

 
As secas do bacalhau, na Gafanha, empregavam muitas centenas de mulheres, durante parte do ano, havendo empresas onde o trabalho era permanente, porque abrangia duas campanhas, a dos lugres e a dos arrastões.
 
A escritora Maria Lamas, que andou pela nossa região na década de quarenta, recorda a maneira de viver das mulheres da Gafanha, com a sua ignorância, o seu fatalismo, mas também com a sua responsabilidade e solidariedade. Assim, acentua Maria Lamas (…), a psicologia das trabalhadoras das secas de bacalhau, desembaraçadas, faladoras e alegres, como se a vida lhes não pesasse. Em conjunto, nas horas de plena actividade, cantando em coro ou simplesmente escutando os programas de rádio, elas constituem um quadro de plena vitalidade e de optimismo. (…)
 
O trabalho da mulher, nas secas, consta de: descarregar, lavar, salgar e levar o bacalhau, todos os dias, para as “mesas” da seca, recolhendo-o à tarde; depois há ainda a tarefa de o empilhar, seleccionar e enfardar. (…) A lavagem faz-se em tanques; depois o peixe é colocado, em pilhas, a escorrer, sobre pequenos carros, que cada mulher conduz à secção onde recebe o sal. (…)

As mulheres, que se ocupavam nestes serviços, eram de todas as idades, solteiras e casadas, predominando as mais jovens. Tinham consciência plena da dureza daquela vida de labores diversificados e pesados. Se o tempo estava bom, a tarefa era-lhes facilitada.
 
 
 
Escolha e separação do peixe…
 
Um criativo designer de moda, hoje, inspirar-se-ia nos trajes das mulheres das secas para uma toilette jovial e contemporânea – saias sobre calças, caneleiras (canos) sobre o calçado e chapéu sobre o lenço…que tal? E, não raro, botas de borracha, a que hoje se chamam galochas. Um laivo de modernidade?...

 
E a tarefa prossegue…

 
Já agora, se temos receado que as crianças e pessoas menos conhecedoras do assunto pensem que o bacalhau é um peixe espalmado, tal qual o vemos nos supermercados/mercearias, com cura mais ou menos tradicional, temamos também que com a próxima abertura ao público do aquário do MMI, as crianças comecem a exigir aos pais a presença de um aquário, na cozinha, com bacalhaus pequeninos, tal Nemo, colorido e listado, com a sua história comovente.

 

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

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Ílhavo, 23 de Dezembro de 2012
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Ana Maria Lopes
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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

«Faina Maior», apresentado na Livraria Portuguesa Orfeu, em Bruxelas


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No próximo dia 11, terça-feira, pelas 18 horas e trinta, vai ser apresentado na Livraria Portuguesa Orfeu, em Bruxelas, o livro Faina Maior, a Pesca do Bacalhau nos Mares da Terra Nova, de Francisco Marques e Ana Maria Lopes.
 
 

Ao valorizar culturalmente a 'grande faina' e ao recriar uma ligação sentimental à actividade marítima, está também a contribuir para estimular a reflexão sobre o almejado 'regresso de Portugal ao Mar', à luz de novas perspectivas. (Mário Ruivo).

O livro foi reeditado em 2011 pela Associação de Amigos do Museu Marítimo de Ílhavo. Será apresentado por Fernando José Correia Cardoso.

Do site da livraria Orfeu, em Bruxelas

Ílhavo, 6 de Dezembro de 2012

AML
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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Um olhar sobre o sal

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Fruí desde muito jovem o sabor do salgado aveirense, pois o ambiente convidava-me e o Marintimidades de hoje já me bulia.
Pelos anos 50/60, sempre que alguém me levava à empresa, na Gafanha da Nazaré, para além dos estaleiros, dos navios e da laguna envolvente e sedutora, lá tinha aquele espectáculo deslumbrante diante da vista – de Julho a Setembro, montes de sal até onde a vista alcançava. E aprendi a vê-los, a amá-los e a com eles conviver.
E o Marintimidades de outrora, para mim, já tinha um não sei quê de salinidades.
Esta tendência, porventura, natural, genética, quem sabe, foi trabalhada na disciplina de Linguística Portuguesa I e II, sobretudo com o impulso do professor Paiva Boléo, defensor da escola «Coisas e palavras», que tinha por base o cruzamento da linguística com a etnografia. E cedo, trabalhei no terreno, depois de bibliográfica e logisticamente, bem preparada.
O chamado ILB (Inquérito Linguístico Boléo) levou-me a fazer um trabalho obrigatório para a cadeira de Linguística Portuguesa II, «in loco» na Gafanha da Nazaré, em 1964, onde residi mesmo durante 8 dias, numa casa perto dos estaleiros, cedida pelo Sr. Artur Carvalho, encarregado de Testa & Cunhas. Hoje, parece irrisório «ir assentar arraiais na Gafanha» para fazer um trabalho, mas, naquele tempo, tinha as suas razões.
Os primeiros contactos com operários dos estaleiros, com moliceiros, com mulheres das secas, com agricultores, com o pároco da época que me auxiliou, cinzelaram-me a memória, já posso dizer…, para toda a vida. E as marinhas?
Ao tempo, a minha avó era proprietária de uma marinha (adquirida em 1953), pertencente ao chamado Grupo do Mar, marinha dobrada, de configuração regular, de nome Pioneira. Entre marnotos e moços, sempre brejeiros, conheciam-na por um outro nome maroto, com o qual rimava…-eira.
Foi nosso marnoto durante muitos anos o Sr. João dos Santos Estanqueira, em parceria de metade, exemplar trabalhador, que, num fatídico dia, caiu desfalecido sobre um monte de sal que cobria com bajunça, devido a um colapso fulminante.
Nunca mais a Pioneira foi a mesma e, em remota lembrança, recordo-o, numa seriedade impressionante, quando vinha fazer contas do sal, das areias, da bajunça, das madeiras ou mimar-nos com saborosas e escorregadias enguias de viveiro.
Não tinha acesso directo por terra a Pioneira, e era preciso atravessar a Cale da Vila, de bote ou bateira e, de seguida, andarilhar, por entre veredas estreitas e sinuosas.
De uma visita à marinha em Abril de 64, enquanto os trabalhos preparatórios da nova safra começavam, colhi ainda estas imagens, que guardei sagradamente. Foi o meu primeiro olhar sobre o sal.
 
Aspecto geral

Neto do marnoto com almanjarra

Ajeitando a cobertura de um monte

Algumas alfaias, junto ao palheiro

Dois saleiros, os grandes senhores da ria
 
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E tudo se foi…in illo tempore. Agora, são outros. Escrevinhemos sobre os que passaram, enquanto alguns pomposos programas europeus os tentam projectar nos tempos futuros. Oxalá!
Fotos do arquivo da autora
Ílhavo, 3 de Dezembro de 2012
Ana Maria Lopes
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