Fruí desde muito jovem
o sabor do salgado aveirense, pois o ambiente convidava-me e o Marintimidades
de hoje já me bulia.
Pelos anos 50/60,
sempre que alguém me levava à empresa, na Gafanha da Nazaré, para além dos
estaleiros, dos navios e da laguna envolvente e sedutora, lá tinha aquele
espectáculo deslumbrante diante da vista – de Julho a Setembro, montes de sal
até onde a vista alcançava. E aprendi a vê-los, a amá-los e a com eles
conviver.
E o Marintimidades
de outrora, para mim, já tinha um não sei quê de salinidades.
Esta tendência,
porventura, natural, genética, quem sabe, foi trabalhada na disciplina de
Linguística Portuguesa I e II, sobretudo com o impulso do professor Paiva
Boléo, defensor da escola «Coisas e palavras», que tinha por base o cruzamento
da linguística com a etnografia. E cedo, trabalhei no terreno, depois de
bibliográfica e logisticamente, bem preparada.
O chamado ILB (Inquérito Linguístico Boléo)
levou-me a fazer um trabalho obrigatório para a cadeira de Linguística
Portuguesa II, «in loco» na Gafanha da Nazaré, em 1964, onde residi mesmo
durante 8 dias, numa casa perto dos estaleiros, cedida pelo Sr. Artur Carvalho,
encarregado de Testa & Cunhas. Hoje, parece irrisório «ir assentar arraiais
na Gafanha» para fazer um trabalho, mas, naquele tempo, tinha as suas razões.
Os primeiros contactos
com operários dos estaleiros, com moliceiros,
com mulheres das secas, com agricultores, com o pároco da época que me
auxiliou, cinzelaram-me a memória, já posso dizer…, para toda a vida. E as
marinhas?
Ao tempo, a minha avó
era proprietária de uma marinha (adquirida em 1953), pertencente ao chamado Grupo
do Mar, marinha dobrada, de configuração regular, de nome Pioneira. Entre marnotos e moços,
sempre brejeiros, conheciam-na por um outro nome maroto, com o qual rimava…-eira.
Foi nosso marnoto
durante muitos anos o Sr. João dos
Santos Estanqueira, em parceria de metade, exemplar trabalhador, que, num
fatídico dia, caiu desfalecido sobre um monte de sal que cobria com bajunça, devido a um colapso fulminante.
Nunca mais a Pioneira foi a mesma e, em remota
lembrança, recordo-o, numa seriedade impressionante, quando vinha fazer contas
do sal, das areias, da bajunça, das madeiras ou mimar-nos com saborosas e
escorregadias enguias de viveiro.
Não tinha acesso
directo por terra a Pioneira, e era
preciso atravessar a Cale da Vila, de bote
ou bateira e, de seguida, andarilhar,
por entre veredas estreitas e sinuosas.
De uma visita à marinha
em Abril de 64, enquanto os trabalhos preparatórios da nova safra começavam,
colhi ainda estas imagens, que guardei sagradamente. Foi o meu primeiro olhar
sobre o sal.
Aspecto
geral
Neto
do marnoto com almanjarra
Ajeitando
a cobertura de um monte
Algumas
alfaias, junto ao palheiro
Dois
saleiros, os grandes senhores da ria
-
E tudo se foi…in illo tempore. Agora, são outros. Escrevinhemos sobre os que passaram, enquanto alguns pomposos programas
europeus os tentam projectar nos tempos futuros. Oxalá!
Fotos do arquivo da
autora
Ílhavo, 3 de Dezembro
de 2012
Ana
Maria Lopes
-
Que gosto ler a sua prosa e poder recordar coisas que se não voltam mais, ao menos nos deleitam o espírito na recordação...
ResponderEliminarJulgo que a DrªAna Maria já utilizou a última fotografia (2 saleiros - também mercantéis ? -e 1 moliceiro...) como "cartão de Boas-Festas no Marintimidades...Maravilha de barco,o moliceiro,ainda sem pretensões turísticas !...Vê-los regressar das "quintas do sul",vazios,bolinando estrememente praticamente nos 50 / 100 metros de largura do "canal"em meia-maré,mudando de borda de 3 em 3 minutos,vela "caçada",é ESPECTÁCULO QUE NUNCA MAIS ESQUECE,e que os "novos"não podem "gozar"!...Belas fotos,as suas!...
ResponderEliminarCumprimentos,"kyaskyas".
Caro Conterrâneo:
ResponderEliminarObrigada pelos seus comentários. Está certo, já usei a foto dos 2 saleiros e moliceiro, num cartão de Boas Festas, no Marintimidades. Gosto tanto dela, que, sempre que posso, a aplico. Mas, foi mesmo neste contexto e nesta data que ela foi tirada por mim. É uma beleza. Concordemos.
Cumprimentos.