sábado, 5 de setembro de 2009

O Senhor Jesus dos Navegantes, em Ílhavo


Realiza-se anualmente a festa do Sr. Jesus dos Navegantes, hoje, no primeiro domingo de Setembro. Esta é, talvez a de maior tradição, e a que se mantém mais viva de entre as festas de Ílhavo.
A imagem do Senhor Jesus, um Cristo crucificado (…) desce do altar para incorporar o andor, com a miniatura do lugre bacalhoeiro “Navegante” do seu lado direito, num mar de lona pintada, dando mote ao que é a sua denominação popular: Senhor Jesus dos
Navegantes.
Ílhavo, terra de porto de mar, onde existem registos de pesca longínqua desde finais do séc. XVI, reza em devoção, lembrando seus marinheiros e embarcações naufragadas, vidas de esforço feitas de água salgada e peixe.


Andor, com o Altar por fundo, antes da Procissão

Cumprindo uma tradição centenária, é exactamente, neste fim-de-semana, de 5 a 7 de Setembro que se realiza a festa, o que nem sempre aconteceu, tendo-se já efectuado, em anos transactos, em Novembro (1941, 54 e 55) e até em Dezembro, em 1956, com a frota bacalhoeira já no ancoradouro.

Procissão numa das ruas de Ílhavo – Anos 60

O modelo do lugre “Navegante”, com três mastros e velas latinas, foi construído pelo marinheiro ilhavense José Domingues Pena, nascido em 1902.

Lugre Navegante, em pormenor

Ao começar a sua miniatura, o autor teria 17 anos, levando peças para bordo para ir trabalhando em dias de temporal, como, aliás eram hábito dos marítimos habilidosos. Quando naufragou na pesca do bacalhau, prometeu ao Senhor Jesus dos Navegantes que, se a acabasse, lha ofereceria e assim o fez, em 1919. A miniatura esteve na Igreja Matriz algum tempo, passou a ficar guardada na casa de uma irmã de José Pena, ficando mais tarde definitivamente na Igreja. Tem sempre figurado na procissão, no andor do Senhor Jesus, tendo sofrido alguns restauros conservativos, que eu saiba, em 1992 pelas hábeis mãos de José Alberto Malaquias e, o último, em 2007, pelo Capitão Francisco Paião, dada a sua fragilidade, os efeitos do tempo e a saída agitada no andor, difícil de transportar pelo peso excessivo e demasiada altura.

Do programa religioso são de destacar a Sagrada Eucaristia, na Igreja Matriz, pelas 11 horas de domingo, bem como a saída da Procissão em honra do Santo Padroeiro, pelas 17 horas, tendo lugar, no cais da Malhada, a tradicional bênção dos barcos da pesca artesanal, que simbolizam a bênção a todas as embarcações.


Na segunda-feira, dia 7, último dia das festividades, pelas 19 h e 15, terá lugar na nossa Igreja uma Missa de sufrágio pelos marítimos falecidos e são muitos!
“Quem não rema, já remou!” – diz a tradição e a Igreja costuma ficar repleta, pois a maioria das pessoas tem raízes ligadas ao mar.
Outros eventos de carácter profano completam a Romaria, sendo de destacar a realização da primeira Mostra dos Sabores e Saberes de Ílhavo, no Jardim Henriqueta Maia.

A escultura do “nosso” Senhor Jesus e a miniatura do “Navegante” foram integrados com todo o aparato na Bênção dos Lugres Bacalhoeiros, em Belém, no dia 12 de Abril de 1953.

Bênção dos Lugres Bacalhoeiros, em Belém

Não foi a única saída que teve, a miniatura. Depois da festa de 1992, até finais de 1993, a miniatura teve uma guarida diferente. Foi albergada e acolhida afectuosamente numa vitrina do MMI, integrada na exposição Faina Maior, Pesca do bacalhau à Linha, no painel Ex-Votos. Curioso que no ano de 1993, o modelo foi transferido do museu para os festejos religiosos e ao museu voltou, visto que a exposição, em princípio, temporária, ainda não tinha alcançado o seu término.

FontesSenhor Jesus dos Navegantes – Mar e Devoção de Hugo Cálão e Isabel Cachim Madaíl. Agosto de 2007.
Folha de Sala Ex-Votos, de Ana Maria Lopes. Novembro de 1992.

Imagens – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 5 de Setembro de 2009

Ana Maria Lopes

5 comentários:

  1. Descrição completa, bem ilustrada e com muita oportunidade.
    Parabéns e ... obrigado.
    JR

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  2. Um documento histórico muito interessante e instrutivo, bem ao jeito da autora.
    Parabéns.
    Martins

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  3. A pedido da minha Amiga Isabel Cachim Madaíl, aqui deixo o seu comentário.
    Ana Maria:
    Em nome pessoal e da mordomia do Senhor Jesus, venho agradecer e congratular-me com a inclusão deste tema no teu "blog", no próprio dia da realização da festa.
    É, como bem sabes, do agrado de todos os "ílhavos" que te lêem, não esquecendo aqueles que por motivos diversos se encontram longe do seu rincão natal, poderem sentir-se em comunhão com a festa do Senhor Jesus dos Navegantes, que tão bem descreves.
    Pela oportunidade e generosidade da tua lembrança,
    bem hajas.
    Isabel Maria

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  4. Achei feliz e sincero o comentário da Isabelinha mas, tratando-se de uma pessoa interveniente e participante assídua nas sucessivas festas do Sr. Jesus dos Navegantes, acho que poderia complementar a sua descrição contando-nos algumas histórias e pormenores que ela decerto conhece melhor que ninguém. Vamos esperar, pois ainda não é tarde !!!
    Não desistam nem deixem passar a oportunidade.
    Força
    João Reinaldo

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  5. Fala no texto que há documentação a referir o inicio dos Ilhavenses na pesca do bacalhau no fim do sec XVI.... acho estranha a data quando se sabe que a partir dos anos 1550 começou a haver problemas com a barra de então.... nas ultimas décadas desse século os ingleses ocuparam a Terra Nova e os corsários apanhavam com certa facilidade os bacalhoeiros.... Tb se sabe que há indícios de pesca nos seculos XIV e XV e o foral de Aveiro, de 1515, já refere um imposto sobre o bacalhau... tb desde o sec XIV os ílhavos tinham em Sá uma Confraria de apoio a marinheiros e pescadores..... Pergunto: Como andaram os ilhavense distraídos tantas décadas, quando Ílhavo quase abraçava Aveiro com território aqui e em Sá, tendo só começado a pesca quando ela estava a acabar?????????

    Antonio Angeja

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