domingo, 9 de agosto de 2009

O "saltadouro" do Ti Tainha - II

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– Então só utiliza esta arte?
– Só!; e gosto dela. É uma arte antiga. Qu’inté a tenho, também tenho a selheira, mas não a achapo.

– Há muito tempo que a põe?
– Já o meu pai empalmava c’o ela, aqui, no Verão, saiba a senhora.

– E, nessa altura, havia muitos saltos?
– Vai um par de anos, ósque vinte ou trinta, ali p’ró sule espetavam-se muitos; mas agora, só escasseia o meu.

– Para si, o que é o Verão?
– Abotámo-lo em Março e lá íamos até Outubro ou Novembro. Sabe?!, esses tempos eram esgalmidos, havia por cá muita fome e abotei-me durante 50 anos para a Foz do Arelho, p’rá chincha, na lagoa d´Óbidos. Como senhor meu pai que fazia o mesmo.

– Que maré e tempo são os melhores para esta arte?
– Tem de haver paração (água não agitada). Bota-se a calquer hoira, inté de noite c’o luar.

– Acha que o lance, hoje, vai ser bom?
– Num me p’rece, pois é um mês de muita influência (afluência) e há muito imbalo (agitação das águas motivada por crianças e banhistas). A tainha é esconfiadona, assacanada, afoge com calquer espirração.

– Onde costuma fazer a venda do peixe?
– Se dá pouco, até 5 ou 10 quilos, vendo aqui às peixeiras, no mercado. Mas, se é muito, bou bendê-lo à lota.

– Então, Ti Manel, hoje faz aqui o lance e quando volta ao mesmo local?
– Vão 15 dias; o local tem de folgar. E aboto d’emposta inté ao Areão na enxerga de melhores sítios, pois é uma arte muito saltareca.

Lá para o meio-dia, o Ti Manel espeta as primeira quatro varas, perguntando-me se eu sabia para que serviam. Perante a minha falta de conhecimento, explicou-me que servem para o redame num ser lebado; para o saltadoiro, as águas num podem ter muita força.

A arte, também denominada peixeira ou parreira, é uma arte de tresmalho, fixa, parcialmente. Em projecção horizontal, toma o aspecto de um caracol ou uma espiral constituída por três tipos de rede: a branqueira, o salto (ou manta) e o cerco da rede. E muitas, muitas varas, para a manter e lhe dar forma.

O Ti Manel começa por separar o salto ou manta, que pousa no cagarete da bateira.

Pousa o salto no cagarete da bateira ...


– Na deslocação da embarcação, só usa a vara…
– No trabalho, é sempre a bara, nas biages, é que é o motor ou a bela.

A branqueira, além de fazer parte do saltadouro, também pode ser usada só por só.
É uma rede de três panos, de cerca de um metro e meio de altura, cujo pano interior é três vezes mais alto do que as albitanas (panos laterais).

Mostra a branqueira ...


A maré botou para mais tarde do que o Ti Manel pensava, que entretanto, esperava, imóvel, à proa, como se, para ele, o tempo não contasse. Perfil curioso! Figura característica! Vive da Ria e na Ria!

É uma hora e meia. A maré ainda enche, mas já puxa p´ró lance!

(Cont.)

Costa-Nova, 9 de Agosto de 2009

Ana Maria Lopes

6 comentários:

  1. Mas que belo livro seria, a descrição das diferentes artes de pesca que a Ana conhece; as diferentes entrevistas que tem feito ao pessoal das artes...
    Que belos testemunhos ficariam registados!!!
    Ao ler a entrevista, sinto que estou eu próprio a ouvir o pescador a falar.
    Parabéns.
    JR

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  2. Que linguajar saboroso!

    Cumprimentos

    Fernando Martins

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  3. Que cenas maravilhosas nos relata.
    Estou de acordo com o João Reinaldo. Que belo livro sairia destas descrições tão fidedignas!

    Cumprimentos,
    Martins

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  4. Bom dia.

    Uma das minhas "manias" é saber as origens e significado dos apelidos das pessoas, por vezes algumas delas famosas. Nesta 2ª parte desvendou-me porventura um dos famosos do futebol brasileiro Carlos Alberto Parreira, sendo parreira um nome conhecido desta arte. Na verdade o Brasil guarda muito do passado português nos seus apelidos e muitos deles, e dos portugueses que para lá emigraram, eram de gentes da costa. Muitos desses apelidos hoje "enigmáticos", revelam essa riqueza cultural (e de trabalho) do passado e hoje desaparecida.

    Atentamente,
    www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt

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  5. Cara amiga,

    Simplesmente genial !
    Ainda por cima uma tarde bem passada, diferente.
    Parabéns

    Reimar

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  6. Uma conversa como que de um passado remoto. Vale a escrita a registar tais realidades. Gostei muito e obrigado pela divulgação.

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