Contou-me uma história, que lhe deixou saudades, passada em Agosto, na Groenlândia, no Novos Mares, com o Capitão Pascoal:
– O navio deu a emposta (mudou de sítio) para arriar mais cedo. Deu uma pesquisadela. Disse o Capitão:
– Para fora, não tem nada. Ide para o lado de terra!
– «Vamos à vida, com Deus, vamos arriar!» – ordem do Capitão.
E a manobra do arriar começa. Eu, como era chasman (presumivelmente corrupção do inglês lastman), orientei, com outro camarada, a manobra de arriar.
Deduzi que o chasman era o dono do último bote do cimo da pilha, que não se desarmava. Tinha de ser um homem responsável, com jeito, traquejo e muita prática. Havia um chasman em cada pilha, que ajudava a arriar e a içar os botes e era sempre o último a partir para a pesca, depois de ter orientado estas lidas.
Eu, então, depois de botar as mãos no peitilho do avental para as aquecer, já que não trabalhava de luvas, remei de cu p’rà ré e fui p’ra fora, por estar mais desempachado (livre, disponível).
Larguei o trole e quando o grampolim chega ao fundo, comecei a sentir bacalhau na linha do grampolim. Bom sinal!
A propósito, recordámos as designações das cargas do dóri, consoante o espaço que o peixe ocupava a bordo:
fundo tapado, peixe a meio balde, peixe a balde, peixe à sarreta de baixo, sarreta tapada, uma popa de peixe, peixe à proa e peixe ao bico.
Fui descarregar e enchi outro bote de bacalhau.
O capitão chamou os botes para irem para mais perto daquele sítio.
Cheguei ao balão do trol, mas à terceira vez, nada. Era peixe a meia água, que passou e não voltou. Assim acontecia tantas vezes!
Este relato mostra a instabilidade, a precariedade e incerteza da vida.
Mas o João Zagalo não o esqueceu.
Dóris à espera de descarregar…
Trabalhou com os capitães João dos Santos Labrincha (Laruncho), de 1947 a 49 e de 1956 a 58, José Simões Bixirão (Ponche), de 1950 a 55 e António Pascoal, de 1959 a 1974.
Recordou alguns camaradas de faina, tal como o Manuel Pinto (n. a 26.1.1923 e já falecido), de Ílhavo, contramestre, também muito bom pescador e trabalhador fiel da casa, para a qual foi fazendo uns trabalhos específicos de marinharia, quase até ao fim dos seus dias.
Falei-lhe no vila-condense de gema, Jaime Pontes (n. a 10.12.1943), de alcunha Pião, de quem devia ter sido companheiro de lide nos anos de 1967 a 69, no Novos Mares, também bom pescador e bom amigo. Recordava-o.
Senti que, longe de aborrecer o João Zagalo, consegui proporcionar-lhe uma tarde agradável, cheia de recordações, duras recordações, mas, para ele, compensadoras.
Fotografias – Arquivo pessoal da autora
Ílhavo, 17 de Julho de 2009
Ana Maria Lopes
Boa tarde.
ResponderEliminarComo já esperava, uma história de ficar atento e pedir por mais. Falei ontem ao meu pai sobre este senhor e de imediato o recordou, como uma pessoa que a bordo do navio (n-m "Novos Mares") organizava várias tarefas e sempre foi bem visto por todos.
Se a Drª voltar a estar com o Sr. Zagalo e se lembrar, pergunte-lhe se se lembra do António Fangueiro, das Caxinas, campanhas de 1967-74.
Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt
Boa tarde Dra Ana Maria e amigo António ,sim o Sre Zagalo tinha dessas coisas,era homem no seu bote que não gostava de andar ensarilhado,pescava sempre onde tinha poucos botes e onde estivesse a vontade,mas pescava a maneira ,como digo ,era homem educado e demais para aquéla vida ,tambem porque dormia a popa e comia na cozinha tudo isso contribuia para fugir ao rebuliço ,porque no comer e no rancho onde a gente vivia num aglomerado de muitos homens é que vinha as complicações,sem mais um abraço .Jaime Pontes
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