quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Bota-abaixo do N/M Novos Mares





Passados vinte dias, já que outros assuntos oportunos surgiram..., vamos retomar o Novos Mares.
A 19 de Março de 1958, tive pois oportunidade de reviver toda a minha emoção de madrinha, com o bota-abaixo do N/M Novos Mares, agora já uma “senhorinha”. Com os meus catorze anos, calçara, pela primeira vez, uns sapatos de saltinho alto. Lembro-me tão bem! Eram brancos!

Relembrar, neste blog, o bota-abaixo do São Jorge:



Com a mudança de alguns actores, todo o cerimonial se repetiu, relativamente ao do lançamento à água do São Jorge: a chegada de autoridades em comboio especial, o almoço no Galo d’ Ouro, em Aveiro.

Pormenor de alguns convidados

A ementa era personalizada por uma bonita fotografia de Testa & Cunhas e seus navios: Cruz de Malta, Inácio Cunha e São Jorge.


Pormenor da ementa



Terminado o almoço, formou-se um extenso cortejo de automóveis, que se dirigiu aos Estaleiros. Não havia dúvida que era dia de grande festa.

A população ribeirinha de Aveiro e Ílhavo sempre demonstrou especial predilecção pelas cerimónias de bota-abaixo, sentindo-as e compreendendo-as como poucas, não admirando, portanto, que a Gafanha da Nazaré registasse um movimento extraordinário.

A nova embarcação era produto do labor esforçado de cerca de 120 operários, durante catorze a quinze meses. Daria trabalho a uma tripulação de oitenta e três homens, que se viam privados do convívio das mulheres e dos filhos, durante seis longos e árduos meses. Foi seu primeiro capitão o Sr. Weber Pereira da Bela. A partir de 1961 e até 1974, última viagem de pesca à linha com dóris, seguiu-se o Capitão António Morais Pascoal.

Junto à proa do Novos Mares, na tribuna habitual para convidados, sucederam-se os acontecimentos usuais: bênção da nova unidade pelo Sr. Bispo auxiliar de Aveiro, D. Domingos da Apresentação Fernandes, discursos, baptismo pela Senhora D. Maria Flor Ferreira Queirós, que já havia sido madrinha do primeiro Novos Mares (1938), a quem ofereci um bonito ramo de flores. Continuava a ser uma honraria para a tal “senhorinha”, a querer espigar, participar em actos tão solenes, assistindo, perplexa e deslumbrada.

Bênção da nova unidade



Entre os discursos, com o seu feitio acalorado, o do Mestre Manuel Maria Mónica, era sempre emotivo. Ao falar aos colaboradores, armadores e governantes, o seu facies transformava-se de perturbação e envolvimento.


A um sinal de Mestre Mónica, o Sr. Eng. Higino de Queirós cortou o cabo da bimbarra, começando o navio a deslizar suavemente. Depois mais rapidamente, as obras vivas, como que num choque, mergulham nas águas da ria pela primeira vez.

Pormenor, à esquerda, do cabo da bimbarra


O Novos Mares penetrou nas águas da ria



Com os navios embandeirados em arco, como sempre, nas cerimónias festivas, entre o estalejar de foguetes e os silvos das sirenes dos barcos, o novo navio procura posição, enquanto ocupantes de pequenas embarcações, como habitualmente, recolhem das águas alguns restos de madeira, com que vão atear a fogueira de Inverno, que os aquecerá, nos dias mais frios.

Cerimónia sempre impressionante e comovente!


(Cont.)

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 29 de Outubro de 2008

Ana Maria Lopes

terça-feira, 21 de outubro de 2008

XIV Fórum sobre Património Marítimo do Mediterrâneo

Até para justificar a minha ausência, no próximo dia 23, vou zarpar até ao Seixal, a fim de “palestrar” sobre a (Re)visitação do Litoral Português – Embarcações Tradicionais Portuguesas – assunto a propósito do qual tenho vindo a reflectir, desde a década de sessenta, através do material recolhido em três intervenções distintas e equitativamente distribuídas no tempo, in loco, ao longo do nosso litoral.

A 24 e 25 de Outubro de 2008, o Ecomuseu Municipal do Seixal acolhe o XIV Fórum da Associação dos Museus Marítimos do Mediterrâneo, tendo para a sua organização sido adoptado o tema dos “Inventários e divulgação de património marítimo e fluvial – o papel dos museus e a participação das comunidades”, tema que é um dos meus predilectos.

A experiência dos museus de temática marítima na investigação, na documentação e na divulgação de património poderá ser rentabilizada quer através do envolvimento e participação das comunidades, quer por meio dos projectos de difusão em redes, privilegiando o acesso público à informação e aos conteúdos produzidos através da Internet.

Constata-se a necessidade da realização de inventários de património marítimo e fluvial em Portugal, incluindo embarcações tradicionais. Aqueles devem abarcar a identificação e a classificação de tipologias, procurando em simultâneo desenvolver o quadro legal e definir medidas de protecção e de salvaguarda patrimonial, em relação às embarcações existentes, e integrar o património material e imaterial.


O XIV Fórum sobre Património Marítimo do Mediterrâneo centrar-se-á nestas matérias.


Divulga o Ecomuseu Municipal do Seixal que, através da sua organização, visa contribuir para promover a troca de experiências e do desenvolvimento da cooperação entre museus marítimos e outras entidades envolvidas no conhecimento, na salvaguarda e na valorização do património marítimo, tendo por referência o Mediterrâneo.

É exactamente disso que estou à espera: rever amigos, conhecer outras pessoas com gostos afins, partilhar experiências e saberes e ….revisitar o Seixal, cujo Município, através do seu Museu, tem tido um papel preponderante na preservação de embarcações tradicionais do rio Tejo.

A par do programa científico, destaca-se a visita e estadia no estuário do Tejo do Palhabote Santa Eulália, pertença do Museu Marítimo de Barcelona.

Palhabote Santa Eulália



Aguardo com expectativa a intervenção de representantes de Museus ou Associações nacionais, nomeadamente:

Graça Filipe – EMS – Valorização do património e da cultura flúvio-marítimos: o papel dos museus

Elisabete Curtinhal e João Martins – EMS – O projecto e a realização do inventário de embarcações tradicionais no estuário do Tejo

João SerranoA candidatura da Cultura Avieira a património nacional e a acção das associações para o desenvolvimento humano

Celso Santos da Associação Cultural para a Preservação e Dinamização do Património Naval e Cultural do rio Sado

José A. Rodrigues Pereira, Director do Museu de Marinha de Lisboa - O Museu de Marinha e a preservação das embarcações tradicionais portuguesas

Das intervenções dos representantes de museus, associações ou fundações estrangeiras, interessam-me, sobretudo, as participações:


Le Fichier des bateaux d’intérêt patrimonial, en France, por Marc Pabois

O inventário do património marítimo italiano, por Giovanni Panella

El mundo de las asociaciaciones en la preservación del património: el caso del Museu Marítim de Barcelona, por Elvira Mata

Le comunità litorali del médio Adriático, por Maura Silvagni

Após a sessão de Debate e Conclusões, que terá lugar no final da manhã do dia 25, sábado, seguir-se-á, pelas 15h e 30 um passeio no Tejo, a bordo do bote de fragata Baía do Seixal.


10 – 9 – 1981 - O BOA VIAGEM



Imagens – Arquivo do M.M. de Barcelona e pessoal da autora

Ílhavo, 21 de Outubro de 2008

Ana Maria Lopes



sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Óleo Costa-Nova, de Fausto Sampaio, enriquece o MMÍ.

O passado 15 de Outubro foi dia de ansiedade para os Órgãos Directivos dos Amigos do Museu! Telefonema sobre telefonema!... Consulta sobre consulta!... E-mail sobre e-mail!...

Avisada, na véspera, por Amigos do Museu, residentes em Lisboa, que andam sempre em cima do acontecimento, a Associação dos Amigos do Museu de Ílhavo teve que agir rapidamente – um óleo do pintor Fausto Sampaio, conhecido pelas suas notáveis interpretações da Costa-Nova, ia a leilão, nessa noite, na conceituada leiloeira Palácio do Correio Velho, em Lisboa.

Depois de bem aconselhados por perito de Arte e antiguidades, deveríamos ir no seu encalço, pois, já há tempos, perseguíamos a aquisição de um Fausto Sampaio, deste género.

Tomadas todas as precauções, ponderado o “esquema conceptual” da colecção a ampliar, e, após troca de impressões com o Sr. Director da Instituição e com o Sr. Presidente da Câmara, restava aguardar, ansiosamente, o desfecho.
Pelas 23 h e 30, fez-se “luz verde” – o quadro Costa-Nova, de Fausto Sampaio, adquirido em parceria com a CMÍ, era“nosso”!

Costa-Nova, de Fausto Sampaio, 1933



Belo óleo sobre madeira, 50 x 62 cm, datado de 1933, retrata a Costa-Nova antiga, zona de palheiros e ria, que nos sensibiliza a todos, mesmo que não a tenhamos conhecido tanto assim! É um trabalho posterior à primeira exposição do Artista.



Fausto Sampaio (1893-1956), natural de Anadia, surdo-mudo desde a infância, notável pintor contemporâneo, foi discípulo de Jules Renard, tendo frequentado as academias de Paris. Expõe, pela primeira vez, em Lisboa, no ano de 1930.
Fausto Sampaio distinguiu-se como grande paisagista. Exprimia profundos sentimentos pela natureza, brilhou pelo uso apurado da cor e pela predominância das atmosferas embaciadas ou luminosas. Foi inexcedível na representação das terras do Vale do Vouga e foi um dos mestres do pintor ilhavense Cândido Teles, a partir de 1939, que dele terá perfilhado o gosto pelas representações pictóricas dos coloridos moliceiros da Ria de Aveiro. Está representado em vários museus nacionais e famosas colecções particulares.

Esta pintura vai aumentar o espólio do MMÍ., no que concerne a Fausto Sampaio, pois vai associar-se a quadro do mesmo autor, já existente há uns anos no Museu, e restaurado em 2005, também intitulado Costa-Nova, óleo sobre tela, de 1939, 78x83 cm, em tons róseos inebriantes e luzentes, que retrata a zona lagunar e os sempre elegantes e cromáticos moliceiros, que ressurgem da neblina.


Costa-Nova, de Fausto Sampaio, 1939



Por curiosidade, também exactamente há um ano, a AMÍ. enriqueceu o espólio pictórico da instituição, com a oferta de “duas pequenas relíquias”, exactamente, no dia 21 de Outubro de 2007, dia em que o Museu festejou o 6ºaniversário da ampliação e remodelação do edifício, a saber:

- “Marinha – Barcos na Ria de Aveiro”, de Cândido Teles (1921 – 1999), óleo sobre madeira, assinado e datado de 1941, um dos melhores períodos da obra do” nosso” pintor. Dim. – 17x 12 cm

-“Barco à vela “ de João Vaz (1859 – 1931), grande marinhista, aguarela sobre papel, assinada. Dim. – 23x11 cm

Na esperança de que todos os trâmites legais, burocráticos e económicos, relativos ao levantamento da “peça” estejam resolvidos até domingo, dia 19, em que se assinalará o 7º aniversário da ampliação e remodelação do edifício do MMÍ, cá estamos, desta vez, para lá depositar o raro e valioso Costa-Nova de Fausto Sampaio, com a devida apresentação pública a que tem direito.

Imagens – Arquivo da leiloeira e do Museu Marítimo de Ílhavo

Ílhavo, 17 de Outubro de 2008

Ana Maria Lopes



segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Através da objectiva de Rui São Marcos...






Nós, ilhavenses, de uma maneira geral, ficámos satisfeitos com os resultados da Regata dos Grandes Veleiros, mas andávamos sequiosos de apreciar velas ao vento, velas enfunadas, velas desfraldadas, velas içadas…
Velas latinas, “armações redondas” e tantas eram, que satisfariam a avidez do espectador, sedento de navegação à vela – sensação de liberdade, rumo ao futuro, não tão alvo, como as velas.

Em comentários estabelecidos em blogs anteriores, eis que o Comandante Rui São Marcos e eu…entabulámos conversa.
Meu conterrâneo, ilhavense, com o privilégio de ter nascido na Costa-Nova, fez “gala” em deslocar-se no seu belo iate “Quero-Quero”, do Funchal, onde reside, até cá, para integrar a Grande Regata, de Ílhavo ao Funchal, arvorando, com orgulho, a bandeira do município e uma enorme bandeira nacional.

Marinheiro não “velho”, mas “usado”, como ele se considera, já avô, somos desta mesma equipa.

Enviou-me belíssimas imagens, conseguidas pela sua objectiva de participante intrínseco.

Escolhi algumas que partilho com os meus “virtuais” leitores.



Creoula, em mar aberto…



Tal cisne branco, de uma elegância e alvura resplandecentes, entre os azuis de céu e mar. Mais parece uma aguarela ou melhor, um óleo, saído da paleta de artista consagrado. Qual marinha de Noronha da Costa! Que regalo para a vista e que lenitivo para a alma!




Veleiros na noite?...

Que beleza! Magia da noite? Ou truque de fotógrafo? Seja o que for, é notável!




Na senda dos russos…



O “Quero-Quero” tenta “caçar” os veleiros russos “Sédov” e “Mir”, duas das mais imponentes presenças na Tall Ships Falmouth, Ílhavo, Funchal 2008. Espero que gostem!

Imagens – Gentil cedência do Comandante Rui São Marcos

Ílhavo, 13 de Outubro de 2008

Ana Maria Lopes




quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O "velhinho" Novos Mares





É minha intenção falar do bota-abaixo do navio-motor Novos Mares, não sem antes “dar” umas palavrinhas sobre o Novos Mares que o antecedeu.

O velho lugre-motor, de madeira, de quatro mastros, Novos Mares, fora construído no ano de 1938 por Manuel Maria Bolais Mónica, nos seus Estaleiros na Gafanha da Nazaré para a Empresa Testa & Cunhas, Lda., que desde 1927, se dedicou à faina do bacalhau.


O Novos Mares, na carreira, em vésperas de bota-abaixo


O Novos Mares era um navio de quatro mastros, de formas muito finas e elegantes. Embora mais tarde com motor-auxiliar, os seus capitães consideravam-no muito bom de vela.

Pormenor do convés – 1938



Caso curioso o facto de ter sido o meu Avô Pisco (Manuel Simões da Barbeira) a estreá-lo, tendo feito uma viagem, pelo menos, nesse mesmo ano, à Terra Nova e Groenlândia, só à vela. Que perigos esforçados não representaria uma viagem só à vela, naqueles tempos? Os riscos, as tempestades, os ciclones, os gelos, a falta de mantimentos, as notícias que não se recebiam… O velho Gil Eanes começara só a dar apoio à frota em 1937, interrompendo-o em 1941… Em 1942, o meu Avô deixou definitivamente a pesca do bacalhau. Ainda bem; quando eu nasci, já ele se pôde dedicar a mim, quase em exclusivo.


O Novos Mares, acostado junto à Empresa, faz prova de pano – 1938


O Novos Mares, na Groenlândia, com mar de senhoras…



Serviço da escala, a bordo do Novos Mares, durante a viagem de 1938



Depois de 18 anos sofridos de mar, naufragou com incêndio a bordo, sob o comando de João Fernandes Matias, em 21 de Julho de 1956, no Virgin Rocks, tendo sido salva a tripulação pelo lugre Maria das Flores.

Resolveu então o seu armador construir um novo Novos Mares, no mesmo estaleiro, mas já com formas diferentes, seguindo os moldes da época, de acordo com a política que há cerca de 30 anos vinha operando no país.

Era este navio de construção mista, pois embora a madeira fosse básica (na sua construção), aplicada no forte casco na qualidade e forma tradicionais, era reforçado com uma sobrequilha metálica. Tinha fortes sicordas longitudinais e anteparas transversais, também em chapa de ferro.

No convés, tinha igualmente instaladas amplas casarias metálicas para alojamento dos oficiais e espaçosa casa de navegação. Como já não usava velas, os motores instalados eram de potência suficiente para lhe garantir uma boa marcha.

(Cont.)

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 9 de Outubro de 2008

Ana Maria Lopes

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O lugre bacalhoeiro Golphinho




No Inverno de 1991, faziam-se obras de restauro na casa da Costa-Nova e, sobretudo, era o fim das tradicionais recoletas, que, devolutas há uns anos, já só se degradavam com o correr dos anos. Da época do palheiro original (anos 30), não tinham condições mínimas de habitabilidade.
Com o previsto aumento da família, também convinha pensar num espaço traseiro de lazer para os pequenotes, que, entretanto, chegariam.
No meio daquele mobiliário característico das recoletas da Costa-Nova, salvaram-se umas camas e lavatórios de ferro, bem bonitos.
E da parede? – uma fotografia de um elegante e esbelto lugre, em dia de bota-abaixo…Mesmo sem identificar o navio à primeira, mais valia, desmontar o quadro, limpar a fotografia amarelecida pelo tempo, e guardá-la com carinho. Um lugre a decorar a parede de uma recoleta que pertencera ao Avô Pisco, só poderia ter a ver com a vida dele: - ou navio da empresa, ou navio que teria comandado. Conclui, de facto, que capitaneara o Golfinho de 1912 a 1914, teria então 27 anos.
A vida do meu Avô, que fizera mais de quarenta anos de mar, despertava então o meu interesse para o modo singular e estranho da vida destas gentes que labutaram na faina maior: os perigos das viagens naquele tempo, feitas só à vela; as condições sofridas e precárias daquele tipo de vida, por vezes certamente angustiantes pelas poucas ou nenhumas notícias da família; “as ralações que a minha Avó sofrera com coisas que nunca chegaram a acontecer”, como ela me dizia.

Mais: – a tal fotografia também se revelaria de valor museológico, aquando da aturada e entusiástica pesquisa, ao tempo, da preparação da exposição de fotografia A Frota Bacalhoeira, durante Maio/ Junho de 1999.
O saudoso Francisco Marques e eu parecíamos dois putos radiantes a olhar os cromos, quando tínhamos a sorte de encontrar um navio (em fotografia), que ainda não constasse das nossas aquisições.
Não é que a amarelecida relíquia encontrada na recoleta da Costa-Nova, era, nada mais, nada menos, que o lugre Golphinho, da praça da Figueira da Foz?

O Golphinho, em dia de bota-abaixo



Tivera uma existência muito efémera, mas digna de se recordar.

Segundo consta do Catálogo da referida exposição, o Golfinho foi construído por José Maria Bolais Mónica, nos estaleiros da Murraceira, na Figueira da Foz, para a Empresa de Pesca da Foz do Mondego. Fora, então, considerado o melhor e maior navio do seu tempo.
O seu bota-abaixo tivera lugar a 3 de Março de 1912; porém, quando começou a deslizar, saiu da carreira e enterrou o cadaste no lodo. Só depois de porfiados esforços e aproveitando outras marés vivas, foi possível pô-lo a flutuar. A terceira viagem, tendo saído de Lisboa a 6 de Maio de 1914, fora de um adeus sem fim…

Londres, 30 de Maio de 1914. Um radiograma do paquete Corinthian dizia que o Corinthian teria salvo o capitão e a tripulação em número de 45 homens, pertencentes ao navio de pesca Golfish da Figueira da Foz. O Golfish bateu contra uma montanha de gelo devido ao denso nevoeiro que caiu às 3 horas da madrugada, sendo abandonado em chamas.

Quadro num restaurante da Gafanha da Nazaré



Não fora outra coincidência, e nada mais saberia, para lá do que ouvira do meu Avô.


Em meados dos anos 80, fizeram-me chegar às mãos cópia do Boletim Mensal da Liga dos Oficiais de Marinha Mercante, ano I, nº 5 de Agosto, de 1914, intitulada Naufrágio do “Golfinho” que expunha o Protesto e relatório do naufrágio e abandono do lugre português “Golphinho”, feitos a bordo do vapor inglez “Corinthian”, de cinco páginas.

É evidente que não vou editar todo o relato, mas apenas respigar o seu texto, recuperando algumas passagens que me parecem dignas de nota, respeitando a ortografia da época.


Por amável deferência de nosso presado consocio Ex.mo Sr. Manoel Simões da Barbeira publicamos o singelo e bem elaborado relatório de mar relativo á perda do seu belo navio que… abalroou com um iceberg na noite de 29 de Maio p.p. O “Golphinho” que pertencia á praça da Figueira era propriedade da Sociedade de Pesca da Foz do Mondego e era talvez o melhor navio português que ia á Terra Nova.
O capitão Barbeira e piloto sr. Arthur Oliveira da Velha são oficiais distintos da especialidade a que se dedicam e foi devido á sua muita perícia que, habilmente obstaram a que o navio sossobrásse, dando tempo a que conseguissem passar para bordo do “Corinthian”, que tomou todos os tripulantes, entre os quais José Pedro Martins em estado grave e que infelizmente foi morrer ao hospital de Havre.
Só quem anda nesta vida do mar, vida de constante combate contra inimigos traiçoeiros e poderosos, pode avaliar o que seja pelo meio duma noite escura sentir de repente o navio abalroar contra um obstáculo invisível e inesperado, ouvir o ranger do cavername, o esfacelar do costado, o estalar dos mastros partindo-se e a derrocada dos mastaréus, das enxárcias, dos cadernais, dos estais, por entre o bater de pano, os gemidos dos feridos e os grito de todos! Quanto animo e sangue frio precisa então ter o capitão para, pensando por todos, os serenar e lhes salvar as vidas em perigo! Aí então sobressai a grandesa da sua missão e a nobresa desta vida feita toda de dedicações obscuras e de brilhantíssimos feitos quasi sempre ignorados!
Foi de noite e com nevoeiro que o “Golphinho” bateu na ilha de gelo que por ali vinha no seu deslisar funesto, sem que nada a denunciasse. (…)
Serenados os animos o capitão, que modestamente no seu relatório nunca fala em si, fez tudo por salvar o navio, mas reconhecida a impossibilidade pelo péssimo estado em que ficou após o abalroamento, tratou então de salvar as vidas confiadas à sua guarda.
Felizmente quando ia tomar a resolução de mandar abandonar o navio entregando-se e aos outros a uma sorte incerta em pequenos botes, apareceu o paquete inglez “Corinthian” da Allan Line, em viagem de Montreal para o Havre, que prontamente se aproximou e os recebeu a bordo. O seu Comandante fora de uma bondade extrema, deixando os náufragos no porto de Havre e d’aí vieram num paquete para Lisboa.


Segue-se um excerto do protesto em si, documento com o grafismo e o estilo formais da época:


Era assim a vida do mar em 1914.


Manuel Simões da Barbeira – Avô Pisco


Mas as coincidências não ficam por aqui. Entre este naufrágio, suas causas e condições de salvamento, há muitas semelhanças com o desastre do famoso e mítico Titanic, a que um dia hei-de voltar.

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 3 de Outubro de 2008

Ana Maria Lopes