segunda-feira, 11 de março de 2024

O meu homónimo - o lugre "ANA MARIA"

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Sempre tive uma predilecção muito especial pelo lugre "Ana Maria", porque, de facto, tem o mesmo nome que eu, porque foi dos mais antigos da nossa frota pesqueira, porque era muito elegante e porque a ele associo um oficial de cá de Ílhavo, de quem era conhecida, aparentada e amiga – o Capitão José Fernandes Pereira Júnior, mais conhecido por Capitão Zé Lau (1879-1971) muito sui generis.

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Em bom andamento…

O “Ana Maria” – o “ex-Argus”, construído em Dundee, em 1873, era um veleiro elegantíssimo. Adquirido à Parceria Geral de Pescarias pela Firma Veloso, Pinheiro & Companhia, da Praça do Porto, participou na campanha de 1939 e seguintes.

De exíguas dimensões, cerca de 40 metros de comprimento, de 8 de boca e 4 de pontal, tinha uma capacidade de pesca de apenas 5.000 quintais.

Curioso, as rectas finais de vida do “Ana Maria” e do Capitão Zé Lau confundiram-se.

No Jornal do Pescador de Outubro de 1955, foi dada a grande notícia de que, num belo dia do anterior mês de Setembro, o primeiro navio da pesca do bacalhau à linha a entrar no Douro, foi o lugre “Ana Maria”.

“Em viagem directa da Terra Nova, chegou ao Douro o navio "Ana Maria", tendo fundeado junto do cais do Bicalho”.

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O “Ana Maria” entra no porto de Leixões…pelos anos 50
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Foi com grande júbilo que a gente ribeirinha da capital do norte aguardou a chegada do veleiro. As famílias dos pescadores mostravam a sua impaciência, enquanto se procedia à manobra da atracação.

Logo foram beijos, risos, abraços, recordações evocadas e notícias trocadas, numa demonstração de ternura entre pessoas queridas que não se viam há seis meses.

Entretanto, o capitão do barco, também de Ílhavo, Sr. José André Alão deu as boas notícias de que o seu barco se portara maravilhosamente e estava apto para continuar na faina do bacalhau. A viagem fora óptima e os porões vinham completamente carregados. Foi também do Ana Maria que se lançou o alarme à navegação sobre o fogo do Ilhavense Segundo, quando se encontrava a 60 milhas do lugre incendiado.

O Capitão Lau nasceu em Ílhavo a 5 de Dezembro de 1879, tendo ido para o mar aos catorze anos, como era normal, à época.

Deixou o mar em 1958, com a provecta idade de 79 anos.

Quem, de idade á madura, não se lembra da sua figura física? Baixote, velhinho, de cabelos muito alvos, rapioqueiro e sempre bem aperaltado, mas de feitio difícil, com quem era preciso saber lidar. No meu casamento, em 1965, para que fora convidado, com uma vetusta idade, fartou-se de dançar. Gravei-o na memóris…

Entre os postos de moço, piloto, imediato a capitão, lá foi sulcando os mares, no meio de muitas peripécias e alguns naufrágios, em tempos bastante difíceis, passando pelo Lusitânia III (futuro Terra Nova), Maria Preciosa, Paços de Brandão, Alcíon, Silvina, Delães (torpedeado e afundado por submarino desconhecido, em 1942), Labrador, Oliveirense, Infante de Sagres III e Paços de Brandão. De 1952 até 1958, ocupou o cargo de imediato no “Ana Maria”, ano em que o velho lugre do Porto naufragou, com água aberta, a 7 de Setembro.

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O lugre “Delães”, em alto mar, cerca de 1940
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O Capitão, Sr. Joaquim Agonia Vieira, de Vila do Conde, e o “nosso imediato”, entre os seus quarenta tripulantes, foram salvos pela escuna costeira norte-americana “Spencer”, que os entregou posteriormente a um navio espanhol. O velhinho Zé Lau, pelos seus 79 anos e pernas enfraquecidas, já teve de ser auxiliado, nestas andanças e mudanças de embarcação para embarcação. Abandonou, então, a vida do mar.

O lugre cumprira o seu destino com 85 anos e o imediato contava menos seis.

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Em primeiro plano, o lugre “Paços de Brandão” e o “Ana Maria”; pela popa, o “Aviz” e, semi-encoberto, o lugre de quatro mastros, que sabemos ser o “Senhora da Saúde” (in A Campanha do Argus, de A. Villiers)

Em terra, ainda duraria até aos 91 anos (até 1971), a saborear o aconchego do lar e seus familiares, com invejável memória e vivacidade inusitada.

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Capitão Zé Lau, já de idade avançada
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O seu temperamento prejudicou-o, por vezes na sua vida profissional, mas era amigo do seu amigo e por ele os colegas tinham grande estima.

Na última viagem que efectuou, numa entrevista que deu a um repórter do “Primeiro de Janeiro”, em 14 de Abril de 58, contou as suas histórias de mar, revelando: – o veleiro mais antigo da frota portuguesa é o Ana Maria e eu o tripulante mais antigo.

E assim o “Ana Maria” e Capitão Zé Lau ficaram na memória dos illhavenses.

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Ílhavo, 11 de Março de 2024

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Ana Maria Lopes

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