domingo, 20 de junho de 2021

Lugre bacalhoeiro "Cruz de Malta"

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A propósito da biografia do meu Avô, procurava uma imagem do “Cruz de Malta”, que também consta dos navios que comandou.

Como ainda tenho uma ideia, se bem que vaga, do belo lugre e, perante as várias imagens que tinha e as que alguns amigos me foram cedendo, “fez-se luz” e alto lá!... podia juntar os dados que tenho do navio, pesquisar outros e tornar a sua história mais aliciante e apetecível.

É obrigatório começar pelo lugre “Laura”. Este navio, de três mastros, sem motor auxiliar, foi construído em 1921 na Gafanha da Nazaré por José Maria Mónica, sob risco de José Soares; propriedade da Empresa de Navegação e Exploração de Pesca, Lda., participou nas campanhas de 1921 a 1926. Imobilizou em 1927, para reconstrução, a cargo de Manuel Maria Bolais Mónica e toma o nome de “Cruz de Malta” na campanha de 1928, então, propriedade da Empresa Testa & Cunhas, Lda.

Lá que a reconstrução fez milagres, pelo menos, a nível estético, fez. O “Laura” não devia muito à elegância, na sua roda de proa direita e rombuda, enquanto o “Cruz de Malta” primava pela beleza e elegância, no lançamento da roda de proa. Passou a ter um motor Guldner, com potência de 150 cavalos.

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Cruz de Malta” frente à seca
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Na primeira campanha ao serviço da nova empresa, com 47 tripulantes e 42 dóris, a captura limitou-se a 1597 quintais de peixe e 2 toneladas de óleo de fígado de bacalhau, que renderam 195.600$00, dos 5500 quintais possíveis. Foi, talvez, a grande escassez de peixe, neste período, que levaria os navios nos anos seguintes até à Groenlândia, revelando-se, desde aí, local obrigatório de pesca.

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“Cruz de Malta” encalhado
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Encalhado frente a S. Jacinto (não havia, ainda o actual Triângulo), ferro a pique, vê-se bem, é aliviado. Três mercantéis, um por bombordo e dois, por estibordo, trasfegam o que é possível, incluindo dóris empilhados, atravessados, a bordo. Original!!!

Coexistiram na Empresa Testa & Cunhas, o “Cruz de Malta”, o “Inácio Cunha”, o “Novos Mares” e o “São Jorge”.

Foi, por uns anos, sempre muito cuidado, o navio mais velhinho e de menor capacidade de Empresa, mas, talvez porque tivesse sorte, era considerado a mascote, uma espécie de talismã, para a mesma.

Passaram pelo pequeno, mas garboso lugre, como capitães, tantos ilhavenses conhecidos como o Avô Pisco (1928 a 37), Capitão Quim da Graça (1938), Capitão Júlio Paião (1943 e 44), Capitão José S. Bixirão (Ponche) (1947 a 49), Capitão Manuel da Silva (1950 a 55) e tantos outros! Tantas e tantas safras, tantas e tantas campanhas, tantos e tantos sacrifícios, tantos e tantos perigos!

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A navegar a todo o pano
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A sua vida já era longa, quando por alquebramento (água aberta), se afundou, em 7 de Agosto de 1958, sob o comando do conterrâneo António Fernandes Matias, tendo sido recolhida toda a tripulação, a bordo do “Gil Eanes”.

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Em vias de naufragar…
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Assim o relata o jornal “O Ilhavense” de 10 de Agosto de 1958, na notícia “Afundou-se o navio bacalhoeiro Cruz de Malta”.

E assim viveu, soberano, o “Cruz de Malta”, levando e trazendo tantas vidas, tantas saudades e tantas esperanças! Destes pedaços de tábuas e de almas foi feita a Faina Maior!

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Ílhavo, 20 de Junho de 2021

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Ana Maria Lopes

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