sábado, 6 de março de 2021

Ângelo Mendes, pescador do bacalhau

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Ângelo Mendes, em primeiro plano, à direita
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Esta foto atraiu-me, seduziu-me, encantou-me! Vida dura! Gente dura e heróica, estes homens dos “dóris”! Meia dúzia de pescadores entretêem-se no “rancho”, conversam, bebem em canecas de esmalte, fazem-se à fotografia, mostram as suas vestimentas – camisas típicas axadrezadas e outras, lisas; na cabeça, as características boinas negras ou boné de pala. Ao fundo, avista-se o amontoado de roupas de linhas e de estralhos. Jogam as damas. E é essencialmente este pescador em que o axadrezado das damas se confunde com o quadriculado da camiseta, que me interessa, especialmente. Não é porque os outros não me interessem. A imagem é um todo. Era aqui o “rancho”. Seria um regresso para Portugal, com a alma cheia de saudades acumuladas, com a esperança de quem vai abraçar a família? Talvez.

Esta foto já a conhecia, mas nunca me tinha chegado às mãos – fotos no “rancho”, na cozinha, à época, no salão dos oficiais, entre “hinos” do porão, são muito raras pela deficiente luz dos espaços e raridade de bom material fotográfico.

Foi o amigo António Bizarro, que me identificou o sogro, o tal pescador que jogava as damas, com camisa axadrezada e que me contou o resto. A ficha do Grémio ajudou.

Ângelo dos Santos Mendes, conhecido por Pote, nasceu em Ílhavo, filho de pai incógnito e de Maria Rosa de Jesus, em 8 de Novembro de 1905.

Casou em 22 de Novembro de 1930 com Laurinda de Oliveira, de quem teve três filhos e uma filha, a mais velha, que bem conheço, Maria Ângela de Oliveira Mendes, esposa de António Bizarro.

Era possuidor da cédula marítima nº 16.388, passada pela Capitania do porto de Aveiro, em 1920. Na ficha do Grémio, declara que exerceu a profissão de moço, desde 1921 e de pescador do bacalhau desde 1927.

 

Só a partir de 1936, sabemos em que lugres andou. Entre 1936 e 1939, passou pelo “Santa Mafalda”, “Groenlândia” (2 viagens) e “Milena”, na categoria, respectivamente de pescador/especial e 1ª linha.

 

Em 1940, assentou arraiais no bonito lugre de quatro mastros, “Novos Mares”, construído em 1938, por Manuel Maria Bolais Mónica, até 1945, tendo-se cruzado com o meu avô, Manuel Simões da Barbeira, conhecido por capitão Pisco, nos anos de 1940 a 42, ano em que deixou o mar.

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“Novos Mares” na Groenlândia. 1938

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De saco de lona às costas, em 1946, estreou o “Maria das Flores”, depois de um conturbado desencalhe no Bico da Murtosa e muitas peripécias na viagem do Bico até ao ancoradoiro da Gafanha da Nazaré. De 1946 até 1954, 9 viagens, oscilando entre as categorias de 1ª e 2ª linhas e especial. Conviveu com os capitães, seus conterrâneos, Manuel Pereira Teles e Manuel de Oliveira Vidal Júnior.

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“Maria das Flores”
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Na safra de 1955, ano em que deixou o bacalhau, mudou as tralhas para o convés do n/m “Vila do Conde”, inaugurado pelo capitão José Augusto Machado dos Santos, onde foi 2ª linha e salgador, tarefa duríssima.

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Em dia de bota-abaixo
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Passou por diversos navios, mas aquele de que era verdadeiramente o capitão, era o seu bote – meio de vida ou local de morte. Meio de vida, porque era ali que ganhava o seu sustento e de sua família, numa viagem cheia de perigos, incertezas e medos, ao longo de seis meses. Local de morte, muitas vezes, porque os perigos que o espreitavam eram muitos: o nevoeiro cerrado, que, por vezes se fechava sobre o bote, impedindo-o de localizar o navio-mãe; um vento ciclónico que se levantava de modo a afastá-lo demais no seu bote; a ganância de ganhar mais uns escudos, que o fazia carregar o bote demasiado, levando-o ao fundo; sendo assim, as pesadonas botas de cabedal enchiam de água gelada e o pescador jamais voltaria à superfície, mesmo pertinho do navio a que pertencia. Mas “no seu bote era livre, porque era ele o capitão”, para o mal e para o bem.

Deixou-nos cedo. Faleceu a 29 de Dezembro, de 1956 com 51 anos de idade.

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Ílhavo, 06 de Março de 2021

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Ana Maria Lopes

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