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As
palavras são como as cerejas e, quando o Sr. João José Senos me veio entregar
as fotos do pai que fez o favor de me ceder, perguntou-me se eu sabia o que
tinha acontecido com o pai dele, seu avô, Joaquim André Senos.
De
repente, não sabia, tendo-me dito que tinha morrido no torpedeamento do “Santa
Irene”. Farta de ter conhecimento do sucedido, deu-me a vontade de reler o
artigo que constava do jornal “O Ilhavense” de 22 de Abril de 1943.
Ei-lo,
o acontecimento que deixou Ílhavo de luto:
“De
novo a gente da nossa terra veste luto carregado pela perda de mais alguns dos
seus filhos, homens do mar de um país neutro a quem um inexplicável
bombardeamento, a tiros de canhão, durante a noite, sepultou quiçá, para
sempre, no fundo das águas.
Ainda
sangrava a ferida causada pelo desaparecimento dos nossos conterrâneos,
tripulantes do “Catalina” e do “Maria da Glória” e já outro golpe cruel vem
despedaçar os corações e enlutar as almas.
O
vapor “Santa Irene” de 1.200 toneladas, pertencente à Companhia Industrial Portuguesa,
de Lisboa, partira em 23 de Março para a Itália, com carregamento de trigo para
a Suíça, por conta da Cruz Vermelha. Levara pão para os refugiados naquêle pais,
neutro como o nosso, e que agasalha nos seus muros homens de todas as nações
beligerantes, mulheres e crianças que ali procuravam escapar aos horrores da
guerra.
No
retorno devia trazer carga consignada ao govêrno português. Saíra, poer isso,
de Génova para outro pôrto italiano, mas, ao passar, na noite de 12 para 13 de
Abril, entre as ilhas de Córsega e Elba, que distam uma da outra cêrca de 4
milhas, surgiu-lhe um submarino fantasma que o meteu no fundo.
Da
tripulação salvou-se a nado o nosso conterrâneo António Menício Tróia, da Rua
da Fontoura, que se encontra actualmente hospitalizado em Livorno. Dos
restantes nada se sabe, sendo provável – visto até agora não terem chegado
notícias do seu salvamento – m que para sempre tenham encontrado o fim do seu
infeliz destino.
E
então teremos êste saldo macabro e terrível: 5 viúvas, 13 órfãos, e
desaparecidos do nosso convívio e da existência, os seguintes ilhavenses:
Manuel
dos Santos Marnoto, capitão; Paulo Francisco do Bem, imediato; Henrique
Gonçalves Vilão, motorista: Joaquim André Senos, marinheiro; e Manuel
Pereira da Silva, fogueiro.
A
restante tripulação do “Santa Irene” era constituída por:
Pedro
Henrique de Meneses Alarcão, 2º piloto; Manuel dos Santos Belfo, 1º maquinista;
Manuel Lopes de Almeida, 2º maquinista; Francisco M. Cominho, 3º maquinista,
Flávio da C. Castro telegrafista; José Simões, contramestre; José Joaquim e
João da Luz, fogueiros; António Tavares Chegador; António Ferreira Dias,
cozinheiro; e João Durte, criado; de várias terras do país, quási todos casados
e chefes de família.
E
aqui está o resultado de mais um acto de barbarismo de que a Marinha Mercante
Portuguesa é vítima, sem nada que o justifique, a não ser a maldade e a
cegueira.
É fácil calcular as horas de pavor que se teem vivido em Ílhavo. E fácil é, também, adivinhar o estado de espírito de todos os homens do mar, aqui residentes, que estão prestes a largar para as suas fainas sobre os oceanos em guerra, onde já se não respeita a bandeira dos países neutros”.
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E neste relato de “O Ilhavense», se encontra o nome de Joaquim André Senos, marinheiro, tal como o seu neto tinha relatado, no torpedeamento do "Santa Irene". Ílhavo, mais uma página de sangue, suor e lágrimas…. Sobre as ondas do mar e em terra, para os que esperaram os seus entes queridos, que nunca mais voltaram.
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Ílhavo,
8 de Fevereiro de 2021
Ana
Maria Lopes
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