domingo, 15 de novembro de 2020

A dureza da profissão de "sargaceira"

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Criei o “Marintimidades” em Abril de 2008, e, como adolescente que é, gosto de o revisitar. Mais que acabadas as pesquisas “in loco” para mim, gosto de as lembrar, da recordação com que fiquei delas e dos registos gravados, então. Vivo de memórias…

Passo a explicar. Por ocasião de várias visitas sistemáticas ao litoral português, tive oportunidade de observar algo da actividade do sargaço, embora nunca tenha constituído objecto de meu estudo. Mas, os registos fixaram momentos… E, agora, quase 40 anos passados, vieram ao de cima…

Por outro lado, também existe uma semelhança entre o (s)argaço do mar nortenho e o moliço da laguna de Aveiro. Ambos extintos, tiveram finalidades idênticas.

Não vou sacrificar os leitores amigos aos muitos pormenores que a apanha do sargaço envolvia, em diversas praias nortenhas, até meados do século XX.

O tipo de recolha que ainda me foi dado analisar e que me seduziu e marcou até hoje, foi a apanha feita a pé, normalmente por mulheres, que, com grande esforço, entravam na água, vestidas, até à cinta ou ao peito, arrastando as algas que boiavam, junto à praia, com o auxílio da graveta (ancinho mais pequeno e de cabo mais curto) e do ganha-pão, uma espécie de saco de rede entralhado num arco de madeira, munido de um cabo para o manejar.

De madrugada, com a roupa molhada, fria, colada ao corpo, estas corajosas e esforçadas mulheres subiam areal acima, com o ganha-pão carregado, às costas, quantas vezes ainda sob algum nevoeiro, como cheguei a ver.

Para lhes facilitar o trabalho, duas mulheres serviam-se, com frequência, de uma espécie de padiola com dois braços de cada lado, a carrela, sobre a qual transportavam as algas colhidas até ao cimo do areal.

Idêntico à carrela, mas com duas pegas apenas e uma roda, uma espécie de carro, manejado por uma só mulher, usava-se, para o mesmo efeito, o carrelo, que facilitava muito o trabalho, a uma só pessoa.

Não quero deixar de citar o galricho do sargaço, usado só em Vila Chã, e num ou noutro local, a título excepcional, que não tem nada com o «nosso» galricho.

Registos de outros tempos, de práticas extintas, que foram deixando um eco de memória na praia de Vila Chã.

Chamo a atenção, isso acontece com frequência no nosso litoral – há diferenças terminológicas na designação de alguns instrumentos de trabalho, de praia para praia, entre curtas distâncias. São os diversos falares ou linguajares que nos enriqueceram a língua, que estão em risco de serem também perdidos com os novos tempos.

Vidas difíceis de gerações de mulheres e de mães, no nosso mar…

Estas imagens testemunham-nos algumas das descrições que acabei de reconstruir.

 


À beira do mar, liso, espelhado, brilhante e esquartejado entre penedos, uma sargaceira, de roupa molhada até ao peito, retira do ganha-pão para o areal, as algas arrastadas na praia. Aver-o-Mar.

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Duas gerações de sargaceiras – uma, de preto vestida, quem sabe, viúva de homem do mar, de costas voltadas para nós; outra, jovem e bonita, orgulha-se do seu trabalho, deixa-se fotografar, ao acarretar as fitas, a bodelha e os limos do argaço, num carrelo, pelo areal acima. Aver-o-Mar.



Duas gerações de sargaceiras, talvez mãe e filha, acarretam sargaço com as típicas padiolas, as carrelas, plasmadas num ambiente marítimo de barcos tipo poveiro, aprestos, trouxas de redes, montes de algas, que salpicam o areal da Apúlia.



Sargaceira, em Labruge, de graveto ao ombro, acabou de apanhar sargaço, trazido até à praia, para uma zorra que um jumento arrasta. Cena inédita.

 


Sargaceira idosa, entre rochedos, curvada pelo peso do ganha-pão, esconde o rosto, de vergonha, perante os fotógrafos, que, ainda revoltada, trata mal, por divulgarem o seu grande sacrifício. Apúlia.

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Vidas pesadas e difíceis, que, entretanto, acabaram, mas foram deixando alguns preciosos testemunhos.

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Fotos de Paulo Godinho. Anos 80

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Ílhavo, 15 de Novembro de 2020

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Ana Maria Lopes

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