Deparei com o anúncio de uma exposição na Comur, Museu Municipal da Murtosa, a partir de 13 de Setembro até 4 de Outubro. Até lá ia, mas evito sair, se não for estritamente necessário. Homenageio o Joaquim Ruivo, com quem simpatizo muito, através deste singelo post, no Marintimidades.
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Joaquim Ruivo, nascido em 1944, no Bunheiro, homem da borda de água, com uma casa modesta de lavoura, com farta horta, saudáveis produtos, trata do gado e apanha junco para lhe renovar a cama. Num esteiro próximo de casa, abrigava o seu barco, pelos anos 80/90, que reconstruía, quando necessitava, participando também em amanhações de barcos de amigos. Ia ao moliço para uso próprio, quando o havia e decorava barcos, estando o dele sempre muito aprimorado. Além do mais, constrói cangas vareiras nas horas vagas… Um modus vivendi…
Teria dado um belíssimo pintor de moliceiros, se a luta pela vida lhe permitisse e houvesse número de embarcações que justificasse. Os motivos florais e as ramagens são em tudo idênticas às gravadas nas cangas.
Começou o ofício aos catorze anos, sob
a aprendizagem do seu pai, tendo feito já cangas
para Cortegaça, Furadouro, Ovar, Murtosa, Torreira, Avança, Válega, Estarreja,
Salreu, Canelas, Angeja, Vilarinho, Póvoa do Paço, Sarrazola, Oliveirinha,
Frossos e S. João de Loure.
Genericamente, executa sempre o mesmo
tipo de canga, gravada, esculpida,
alta no centro, abatendo-se abruptamente, dos lados, para aí terminar em forma
de disco. No entanto, tem algumas diferenças conforme as localidades e as
funções a que se destina: mais ou menos baixa, mais ou menos larga, mais ou
menos esculpida, mais ou menos forte, pintada ou envernizada.
Para a alagem das redes no mar, aí todos a queriam pintada, bem esculpida, a mais bonita de todas, se possível.
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Utiliza normalmente o eucalipto,
embora já tenha usado o carvalho, amoreira e “langomeiro” (lamegueiro). Vai
directamente aos pinhais, escolhe as árvores adequadas, trata com os donos,
negoceia, põe abaixo, leva a madeira à serração e armazena a necessária, em
casa.
Do mesmo “pranchão” (tábua em bruto) pode tirar duas ou três cangas, desde que pratique um bom aproveitamento da madeira, aproveitando as reentrâncias e convexidades de ambas.
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Tive, agradavelmente, contacto com ele, em sua casa, em Março de 2012, e ainda mantinha esta ocupação.
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Em primeiro lugar, a canga é cortada – explicou-me –, sendo constituída pela parte inferior,
direita, o braço, que termina lateralmente em dois círculos, as maçãs ou romãs
e pela parte superior, recortada em forma de castelo – o pente.
Para aperfeiçoamento de todas as
partes direitas, é metida a garlopa
(plaina grande), para desempenar, aplainar e desengrossar, pois a canga é mais
grossa no braço que no pente.
Rectificadas todas as medidas, feitas as quininhas em volta do pente e das maçãs, entra em desenho. Após uma marcação central e longitudinal com régua, o artista grava a compasso o que pode, para então riscar a lápis os desenhos.
Estes – refere
– vai-os armazenando na cabeça, para
serem usados, consoante a inspiração do momento. Dentre os motivos centrais
mais frequentes, sobressaem a sagrada custódia, o vaso de flores, a cruz de
Cristo, a flor-de-lis, o escudo português e o sino-saimão.
Os elementos decorativos menores são linhas e flores picadas, ramagens
dispostas ou não em friso.
Marcadas as furações (furos necessário às piaças, tamoeiro e coleiras),
toda a superfície da face frontal da canga é recoberta de motivos entalhados e
pouco vazados.
A face posterior também é gravada e pintada, embora menos ricamente; é no verso que surgem normalmente as iniciais do jugueiro e a data da conclusão da obra.
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Após o risco, segue-se a talha, que o artista designa pelo nome de moldura. Utiliza formões, goivas de vários tamanhos e ferrinhos de fundo, também de diversas dimensões, para os diferentes gravados. Em movimentos rítmicos de martelo, o desenho ganha relevo, a cada batedela.
Chegou o momento da aplicação das tintas. Depois de um aparelho ou subcapa, à semelhança dos painéis dos barcos, seguem-se as outras tintas bem garridas, vivas, pitorescas nos fundos e meios fundos, terminando na pintura mais superficial.
São cores alegres, porque a vida do
campo também o era. Esta ligação entre as cores e a labuta na terra imprime a
este tipo de trabalho artesanal uma carga antropológica muito forte, bem como
sentimentos religiosos muito enraizados nas vivências de um povo.
As cores mais usadas são o amarelo
(para fundo) o rosa vivo, o encarnado, o azul, o laranja e o verde. As tintas,
hoje industriais, eram, primitivamente, preparadas com anilinas em pó a que se
juntava óleo de linhaça e secante líquido.
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Chegou o momento final do encabelamento, que se traduz na aplicação de maçanetas ou touças de pelo de cauda de cavalo, no rebordo superior do pente (cinco a sete tufos), e no das maçãs (cinco tufos), pretas e brancas, alternadamente.
Quanto à antiguidade deste tipo de
peça, referem Ernesto Veiga de Oliveira e os seus colaboradores, in “Sistemas de atrelagem dos bois em Portugal”,
Lisboa, 1973, que todos os exemplares de
jugos que conhecem, quando datados, são-no sempre e unicamente a partir da
segunda metade do século XIX, sendo o exemplar datado mais antigo, de 1868.
Este período corresponde a uma melhoria de vida campesina, reflectida
nomeadamente na decoração de outras alfaias agrícolas e no engrandecimento da
vida e casa rurais.
Na sua opinião, os grandes jugos lavrados representarão, provavelmente, o desenvolvimento de uma dessas anteriores cangas de tábuas, modestas e sem grande valor.
Será que a decoração do barco moliceiro também testemunha um processo idêntico? Terá ele enriquecido as suas roupagens, pela mesma época, para denotar, como alfaia agrícola que era, a pujança do seu dono? De barco indiferenciado, ter-se-á transformado num exemplar exuberantemente decorado, até por influência, também, da vinda de algumas gentes nortenhas para a região?
É uma hipótese perfeitamente aceitável, até porque os primeiros barcos eram quase despojados de decoração e a própria decoração, de que há documentos fotográficos (princípios do século XX), era extremamente modesta, moderada e simplista.
Fotografias – Cedência de Paulo Miguel Godinho
Costa Nova, 08 de Setembro de 2020
Ana Maria Lopes
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Gostei de saber quais os passos para realizar a peça. Aliás gostava de ter uma em casa, todo o tipo de artesanato eu gosto, grande arte saber combinar os tons tão berrantes, mas tao bonitos no seu todo. Homens com esse talento e saber devem ser conhecidos. O meu agradecimento sra Dra
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