domingo, 29 de abril de 2018

Naufrágio do lugre «Islândia»

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Quer saber algo mais sobre o lugre Islândia? Aproveite, pois notícias de navios do comércio, antigos e pequenos, aparecem muito poucas. Nem sempre encontro o que busco, mas, por vezes, encontro o que não busco.
Islândia, nome de lugre? Pois então.
Em O Ilhavense de 20 de Março de 1945, dei com notícia, de título idêntico.
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A Cruz Vermelha Internacional fretou há dias o lugre-motor Islândia para transportar cerca de 200 toneladas de víveres destinados à população belga. A preciosa carga seria descarregada no porto espanhol Pasajes, donde sairia em camião e caminho de ferro para a Bélgica.
O Islândia saiu do Tejo a 9 do corrente para aquele porto espanhol, sob o comando do Sr. Amândio Fernandes Matias.
O navio, ao navegar no golfo da Biscaia, foi assolado por um vendaval, de que conseguiu safar-se à custa de denodados esforços da tripulação e da mão firme do seu capitão, que passou a manobrar o leme, durante as horas de perigo. Na madrugada do dia 14, quando seguia rumo próximo da costa asturiana, um denso nevoeiro caiu sobre o mar. Navegando com as maiores precauções, o Islândia foi sulcando as águas, mas daí a pouco tempo, encalhava ao largo do Cabo Peñas.
Naufragado o lugre, a tripulação, de dez homens, foi salva e recolhida a bordo do vapor espanhol Hita, que a desembarcou no porto espanhol de El Musel.
Até aqui, desconhecia.

O Islândia, na barra de Aveiro
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O que sabia era que o Islândia, lugre de madeira, de três mastros, era o ex-Rosita, o ex-Edith M. Cavell, construído em Melburne, Nova Escócia, em 1916. Propriedade de Armadores do Norte, gerência de ilhavenses, entre eles, Copérnico da Conceição da Rocha, participou nas campanhas de bacalhau de 1936 a 38. Em 1939, foi destinado ao comércio.
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Foto - Espólio de F. Marques
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Ílhavo, 29 de Abril de 2018
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Ana Maria Lopes
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domingo, 22 de abril de 2018

Curiosidades - O Mar de Sines


Na última sexta-feira, assisti no MMI, integrado no Mar Film Festival, a um documentário extraordinário sobre o Mar de Sines – A resiliência das gentes do mar. Confesso que gostei. Relevava as «artes» de pesca tradicionais de que eu tinha conhecimento existirem em Sines. Sempre as observei do lado de terra, enquanto que, no documentário também me era dado observá-las, em acção, no interior da embarcação, o que completava a minha visão. Algumas delas:  caixote do aparelho de anzóis e a sua preparação, a rede do tresmalho, a rede de cerco, o alcatruz para o polvo, a penosa arte de mariscador, a descarga de peixe, sobre os antigos chapéus de lata, a venda em lota, no areal, a toneira para a lula, o chinchorro, os covos já de plástico, e outras, que não memorizei. Todas me eram familiares, tendo gostado de as ver ao vivo, bem como o amor ao mar, manifestado em entrevista, por quem as praticava.
Curioso é que, há uns três anos, recebera um pedido, por e-mail, de um realizador de Sines, Diogo Vilhena, para utilização do livro de que sou co-autora, Faina Maior – A Pescado Bacalhau nos Mares da Terra Nova, encontrado nas mãos de pessoa ainda entre nós, que se identificara numa fotografia, neste livro, que, em primeira edição (Quetzal, 1996) lhe havia sido oferecido por pessoa amiga. Claro que autorizei. Além de outras imagens que tive o prazer de rever no filme, esta era a principal, o dono do livro e protagonista na imagem.
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Imagem 76, do espólio de Francisco Marques

O jovem moço que sustentava o gigantesco bacalhau é João da Silva Faria, nascido em 19 de Novembro de 1931, em Sines, moço, nas campanhas de 1951 1952, no lugre Labrador – assim testemunha a ficha do Grémio. Que coincidência e como o mundo é pequeno. Tudo batia certo.
Cerca de três dias, antes da exibição do documentário em Ílhavo, recebi o gentil convite do produtor António Campos, para estar presente, se possível, à sua exibição. E estive.
No final, entabulou-se entre nós uma agradável conversa sobre as artes tradicionais, que conhecera na minha estadia em Sines, nos anos sessenta, em pesquisa para a minha tese de licenciatura, O Vocabulário Marítimo Português e o Problema dos Mediterrarreísmos, que tiveram o prazer de folhear e levar. As imagens desse tempo manifestaram-se, para eles, uma raridade. Outro projecto teriam em vista, para as quais poderiam ser muito úteis. Possivelmente, a seu tempo, conversaremos, de novo. E assim foi o encontro de gentes de Sines, em Ílhavo.
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Botes em Sines. Anos 60
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Sines. Lota no areal.
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Ílhavo, 22 de Abril de 2018
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Ana Maria Lopes
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sexta-feira, 20 de abril de 2018

Dois pauzinhos para o «Marintimidades»

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Colecção Capitão Marques da Silva
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onze anos, andava em ensaios para criar um blogue, exactamente, quando estava em exposição no Museu Marítimo de Ílhavo (MMI), a Colecção Capitão Marques da Silva, na Sala de Exposições Temporárias, até 27 do corrente mês. Mesmo depois desse prazo, seria integrada, pelo menos o seu núcleo principal, na Sala dos Mares do referido Museu.
O protocolo do depósito desta colecção foi assinado no museu, a 5 desse mês de Abril, bem como lançado um pormenorizado Catálogo da mesma. Como co-autora e coordenadora de edição, não me compete a mim avaliá-lo. Direi apenas que, quem o adquirir, levará a exposição para casa, pois é ilustrado por 30 boas fotografias de Carlos Pelicas das 30 peças expostas.

Capa do Catálogo

Para mim, foi muito gratificante trabalhar com Marques da Silva, consolidando uma amizade já com alguns anos, aquando do seu empréstimo ao museu de algumas peças que figuraram na 1ª exposição Faina Maior, em 1992. Não há palavras que qualifiquem as suas mãos nem a sua paciência, que fazem dele um modelista pedagógico de primeira água. Só mesmo as peças falam por si.

Modelo do lugre-motor Creoula
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Curioso ainda o facto de termos em comum um gosto forte pela Faina Maior e pelas embarcações tradicionais portuguesas.

Louvável, a todos os níveis, o seu acto de depósito da maravilhosa Colecção, dando possibilidade a todos os visitantes do Museu de a observarem de perto.

O barco moliceiro

E assim foi criado o Marintimidades, que hoje festeja 11 anos, para falar das coisas do mar, da ria, de embarcações, de artes, de museologia marítima e de eventos que surjam dentro desta área, publicitando-os, e sobre eles detendo um olhar…

Uma recordação desse dia… e nestes onze anos, muita água passou por baixo das pontes…



 Ílhavo, 20 de Abril de 2019
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Ana Maria Lopes
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segunda-feira, 16 de abril de 2018

Homens do Mar - Alexandre Simões Ré - 45

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Cap. Alexandre Simões Ré

À laia de introito:

Circula por aí, entre a família Ré, a foto seguinte extremamente curiosa, que ainda não tinha conseguido.
Pessoa amiga, bisneta de um dos fotografados, ofereceu-ma, há dias bem como a sua identificação. Preciosa!!!Um rico folar de Páscoa!...
Trata-se de uma foto de estúdio, creio, à época, do jovem curso de pilotagem, em 1900.
O trajar dos rapazes seduziu-me – fatinho de calça, paletó e colete, camisa de colarinhos gomados e levantados, gravata, botim ou sapato fino, lencinho no bolso do casaco, à janota.
A maioria, de bigodinho a preceito, todos de cabeça coberta por chapéu de feltro escuro ou panamá, de palhinha, tipo galã. Que pose!... Fazendo parte de um curso de pilotagem de 1900, em Lisboa, viriam a ser futuros homens do mar – pilotos, imediatos e, mais tarde, capitães. Imagino…
Por grande curiosidade, estão todos identificados, bem como denominada a terra de onde são provenientes.
Dos dezassete fotografados, 9 são naturais de Ílhavo e dois, de Aveiro.
Constituem um belo quadro do nosso passado ílhavo! Mais uma prova de que Ílhavo forneceu grande quantidade de oficiais para o mar!
Dos de Ílhavo, em terceiro plano, chamo a atenção para o primeiro à nossa direita, também todo ajanotado – Alexandre Simões Ré (patriarca da família Ré, nascido em 1880), – o biografado de hoje.

Curso de pilotagem de 1900

Ora a origem do nosso Alexandre Ré começa logo com uma curiosidade – ele não é natural de Ílhavo, mas sim de Lisboa, freguesia de Belém, filho de João Simões Ré Júnior e de Ana Maria S. José, nascido a 19 de Agosto de 1880. Lembrei-me imediatamente dos ílhavos que iam para Lisboa, por esses tempos, e logo namoriscavam, acabando por casar com alguma das bonitas e elegantes varinas da capital. Teria sido um desses casos? Nada que não pudesse ter acontecido
Do casamento, em Ílhavo, a 22 de Fevereiro de 1902, com Maria Nunes Vidal, conhecida pela avó Ramízia, nasceu uma prole de oito irmãos – seis pequenos (João, José, Armindo, Manuel, Armando e Alexandre) e duas pequenas, Célia e Maria. Dos seis varões, quatro foram oficiais da Marinha Mercante e outro, Alexandre, foi também marítimo – motorista, tendo exercido funções de oficial maquinista. Depois de já me ter ocupado dos capitães Armindo e João Ré e do Sr. Alexandre Vidal Simões, nasceu-me uma vontade gradual de escodrilhar o percurso marítimo do velho Alexandre Ré, como, por vezes, era apelidado, que deveria, pelo menos, nos primeiros tempos, ter sido difícil e variado.
Era portador da cédula marítima nº 6845, passada na Capitania do Porto de Lisboa, em 6 de Maio de 1916, tendo exercido a profissão de pescador do bacalhau desde 1907.
Claro, tive de aceitar um percurso com algumas lacunas, que não consegui ultrapassar, mas também dei de caras com uma panóplia de lugres, cujo nome não me era nada familiar.
Surgiu-me pela primeira vez o seu nome como capitão, na escuna Loanda (1908-1917), no ano de 1912, pertença da Sociedade Africana da Pesca do Bacalhau, com praça na Figueira da Foz.
Nos anos de 1913 e 14, «saltou» para capitão do lugre-patacho Mindello (1902 a 1921), da mesma empresa armadora e da mesma praça, de que, curiosamente, obtive, há uns anos, um postal, num alfarrabista, em Vila do Conde.

Lugre-patacho, ao centro, na Figueira da Foz, num postal datado de 1905

Entre 1915 e 19, fiz os impossíveis, mas perdi-lhe o rasto. Tempos de guerra…, quem sabe?, mas socorrendo-me do livro Sete Séculos no Mar (XIV a XX), A Construção de Embarcações, de José Eduardo de Sousa Felgueiras, Volume III, pp. 224 a 226, edição do Centro Marítimo de Esposende, Fórum Esposendense, 2010, de que respigo umas frases-chave, relativas ao nosso capitão, encontrei-lhe o rasto.
Tenho, pois, de me reportar, ao lugre (?) Fãozense, construído para a Sociedade Marítima Progresso, Lda., de Fão, nos estaleiros locais por Domingos Carlos Ferreira & Filho, entre os anos 1919 e 1920. O primeiro capitão deste navio foi Alexandre Simões Ré, de Ílhavo, de quem a imprensa local dá conta da sua estadia em Fão, para acompanhar a construção.
Em 1921, o navio foi vendido à Parceria de Pesca Patriota, do Porto, que lhe deu o nome de Patriota 2º.

O Fãozense, já baptizado de Patriota 2º, aparelhado como lugre.

Entre 1921 e 1924 (inclusive), foi comandado por Alexandre Simões Ré. E mais uma vez se unem os chicotes. O jornal O Ilhavense de 21 de Maio de 1922 e o de 13 de Maio de 1923, assim o confirmam. Na viagem de 1922 (e possivelmente, também em 23), foi seu piloto, o filho, João Simões Ré.
Na safra de 1925, surge como capitão do lugre Paços de Brandão, também da praça do Porto. O Paços de Brandão era um lugre de madeira construído em 1920 em Marystom, Terra Nova, que veio a ser reconstruído em 1923 em Vila Nova de Gaia, para participar na campanha de 1924, sob a propriedade da firma Veloso, Pinheiro & Cª., Lda.

O lugre Paços de Brandão

E na safra de 1926? O nosso jornal de 9 de Maio de 1926, dá-o como capitão do lugre Silva Rios, sendo seu piloto, o filho José Simões Ré. Faltava-me mais este lugre. E não ficaremos por aqui.
Recorrendo a blogues credíveis, que no final citarei, o lugre Silva Rios foi o ex-Rio Minho, construído para o armador de Caminha, Francisco Odorico Dantas Carneiro, pelo construtor, também de Caminha, Manuel F. Rodrigues, em 1921. No final da década de 20, o navio foi vendido a Silva Rios, Lda., do Porto, que lhe alterou o registo para o Porto, lhe fez uma reconstrução e lhe mudou o nome para Silva Rios.
E as safras de 1927 e 28? Às vezes, não se encontram duas pecinhas de um puzzle, mas não há que desanimar. Alexandre Ré reapareceu.
Na safra de 1929, foi capitão do lugre de madeira Maria Carlota – o ex- Estrela I construído em 1918, em Dayspring, Canadá. Tomou o nome de Maria Carlota na campanha de 1927, propriedade de Nuno Freire Temudo de Viana do Castelo.
E de lugre em lugre, lá foi andando, num vaivém, de barra a barra.
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Lugre Maria Carlota. Foto de autor desconhecido.
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Segundo o jornal Beira-Mar de 27 de Abril de 1930, Alexandre Ré surge como capitão do lugre Adamastor, da praça do Porto, levando o seu filho José Ré, como piloto.O Adamastor, longe de ser o Adamastor cantado por Camões, foi um lugre construído em 1916, em Vila do Conde, por Jeremias Martins Novais, para o armador Estêvão Soares, do Porto, tendo sido vendido, em inícios de 1918, à Empreza de Navegação Portugal e Américas, Lda., também do Porto. Ao longo da sua existência, sofreu algumas transformações a bordo e novas classificações, tendo o armador, a partir de 1922, mudado a designação comercial para Empreza de Pesca e Navegação Portugal e Américas, Lda. Segundo o jornal Beira-Mar de 26 de Abril de 1931, Alexandre Ré surge como capitão do lugre América, da praça do Porto, levando o seu filho Armindo, como piloto. Este lugre de madeira, também sob encomenda de Francisco E. Soares, armador do Porto, saiu dos estaleiros de Vila do Conde, das mãos do construtor Jeremias Martins Novais, em 1915.
Em anos de crise, no ano de 1930 revelou um resultado catastrófico, tendo no ano de 1931, o produto da pesca melhorado consideravelmente, ao que se juntou o rendimento do óleo de fígado de bacalhau. O lugre foi colocado à venda em 1934, tendo sido adquirido pela Companhia de Pesca Transatlântica, Lda., igualmente com sede no Porto. O novo proprietário renovou a matrícula na capitania do Douro, rebaptizando-o com o nome de Infante, continuando a integrar a frota de navios da pesca longínqua.
E o «nosso» Alexandre Ré, de quem nos ocupamos, presentemente?
Nos anos de 1932 a 36, por lacunas de informação, e, provavelmente, por tempos de crise, perdi-lhe a esteira, mas, na safra de 1937, encontrei-o de novo, como capitão do velhinho Argus, pertença da PGP., com o filho Armindo, como piloto. Jamais as suas vidas profissionais se separaram. Na safra seguinte, de 1938, os papéis inverteram-se, tendo matriculado como capitão, o Armindo Ré, que, desta vez, levou como piloto, o seu pai, Alexandre. E a partir daqui, foi sempre assim.
E passemos ao lugre-motor, de aço, Creoula, de 1937, também pertença da PGP., o actual NTM, que é bem conhecido de todos nós.
Nas campanhas de 1939 e 40, Alexandre Ré foi o piloto, Armindo Ré o imediato, sob o comando de João Pereira Ramalheira (o Vitorino).
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À nossa direita, Alexandre Ré, no Creoula, em 39/40

Nas campanhas de 1941 a 43, seguiu-se o Argus, o novo/velho Argus, de aço, construído na Holanda, em 1939, imortalizado pela obra A Campanha do Argus de Alan Villiers. O trio da oficialidade manteve-se, já que em equipa ganhadora não se mexe.
Mas o lugre-patacho Gazela Primeiro meteu-se de permeio e tendo-se tornado Armindo Ré capitão deste mítico navio, o pai exerceu o cargo de imediato.
E assim foi entre as safras de 1944 a 48, inclusive. 
Constava tratar-se de pessoa sarcástica, de língua afiada, cáustico, má língua e com espírito de humor. Mas, toda a companha nutria por ele um certo respeito e carinho e tratava-o também por capitão pelo hábito de tantos anos que comandou. Já com avançada idade, embarcado no Gazela I em que, depois de tantos anos de capitão, exercia agora as funções de imediato sob o comando do filho Armindo, já descontraído e sem grandes preocupações, certo dia, enquanto os botes andavam fora a pescar, desceu do convés ao rancho e, cheio de frio dirige-se ao cozinheiro: – Eh Gestas, está um frio levado dum raio, arranjas-me aí uma canequinha de café, pá? Ao que o cozinheiro prontamente respondeu: – É para já, sô capitão. E o Gestas trata de encher uma caneca de café, da cafeteira sempre pronta em cima do fogão, e satisfez assim a vontade do velho Alexandre que, depois de se aquecer interiormente e exultar a boa qualidade do café, agradece e acrescenta: –  Ah rapaz, não há café como o teu. E sobe a escada de volta ao convés onde encontra o contramestre e comenta com ar de maldisposto: – Eh contramestre, o Gestas deu-me agora uma zurrapa dum café que até estou agoniado...
Estamos perante um caso de doze anos de fidelidade à Parceria Geral de Pescarias, de filho e pai, até ao momento em que Armindo Ré se estreou como capitão do navio-motor Vaz, da empresa Brites, Vaz & Irmãos, Lda., da praça de Aveiro. De saco de lona às costas, numa «nova emposta», lá ficaram mais perto de casa, pai e filho.
Durante as safras de 1949 a 51, Alexandre Ré aí foi imediato do filho Armindo, que, no seu navio, prolongou a carreira até 1969.
Aposentou-se em Novembro de 1957, depois de cerca de 50 anos de mar, servindo uma panóplia de veleiros de madeira e de aço, tão diversificados, de praças desde o Porto a Lisboa, passando por Figueira da Foz e Aveiro, onde finalizou o seu labor de mar, sem esquecer uma estadia em Fão para acompanhar uma referida construção.
Ainda lhe restaram alguns anos, para saborear a sua reforma, entre a família numerosa, que era.
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Saboreando o solzinho, no seu jardim.

Chamava malagueta à bengalita, com que se equilibrava na última etapa da vida. E não só, outros objectos da vida comum eram chamados como se de objectos marítimos se tratasse – de tal modo a vida marítima lhe estava interiorizada.
Deixou-nos a 2 de Fevereiro de 1967, vítima de uma trombose, com 86 anos.
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Ílhavo, 12 de Março de 2018
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NB. Consultados os blogues Navios e Navegadores, Navios à Vista e Piloto Prático do Douro e Leixões.
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Fotos – Amavelmente cedidas pela família e arquivo pessoal
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Ana Maria Lopes
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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Homens do Mar - Manuel da Silva - 44

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Cap. Manuel da Silva

Entre as pessoas com quem me socializo, ia perguntando quem era ou se se lembravam de um capitão Manuel da Silva. Acrescentava eu – que tinha morado na chamada Avenida dos Capitães, em casa que havia fixado bem, que tinha trabalhado em Testa & Cunhas e que tinha perecido, relativamente novo, num acidente de motorizada. Há meses que trazia esta, fisgada, mas também parece que algo me entorpecia para ir bater à porta, a ver se havia descendentes, ou, se porventura, a casa tinha sido vendida.
E assim ia eu, passando vezes e vezes na Avenida, sem parar.
Mas, há sempre um mas… um dia.
Em dia de almoço do XIX Capítulo da Confraria Gastronómica do Bacalhau, dia 20 de Janeiro, parei o carro junto ao Hotel de Ílhavo. Ali, tive um «baque», atravessei a rua, toquei no nº 30 e eis que fui atendida por uma senhora simpática, agradável, muito arranjada e equilibrada pela sua bengalinha. Não nos conhecendo de lado nenhum, exclamei – gente de paz! Apresentei-me ou melhor, expliquei ao que vinha e sabendo tantas informações acertadas, só podia ser gente de paz.
Chama-se Ermelinda Moreira, de vetustos, mas conservados 92 anos e era nora do Capitão Manuel da Silva, viúva do filho mais velho, Manuel. A meu pedido cedeu-me o nº de telefone fixo e fiquei de aparecer uma tarde próxima, com pré-aviso, para que calmamente me contasse tudo quanto sabia do sogro, de quem eu, há tanto tempo, procurava descendentes e informações. Umas, eu tinha-as como certas. E eram. Por pouco, por muito pouco, ou teria sido por muito, «ganhei o dia». O «bacalhau» estava do meu lado.
Decorridos uns dias, poucos, e depois de me informar o máximo possível, em jornais de outros tempos e arquivos marítimos, lá marquei a tardada. Cordialmente recebida e com um chazinho de permeio, para descanso e afago da garganta, palrámos quanto sabíamos, ajudadas por um álbum fotográfico familiar de fotos muito pequeninas, próprias da época, mas sempre elucidativas.
Acerca da morte do senhor, estávamos bem lembradas de que tinha sido por acidente fatal, num daqueles malditos «cuciolos» (motorizadas), assim lhes chamavam ao tempo.
Consultadas as listas de tripulação, deixara o navio-motor Inácio Cunha na safra de 1960 e já não aparecia inscrito na tripulação de 1961. Tinha sido sem dó nem piedade.
Simpaticamente, gabei-lhe a decoração da sua sala, com muita prataria, num misto do nobre metal e peças da Vista Alegre. Sem dúvida, estávamos em Ílhavo. E curioso, ao perguntar-lhe por fotos identificadoras do sogro, respondeu-me – não será fácil. Mas logo me ripostou: olhe, tem ali, um prato do meu sogro, com o seu retrato pintado, por um irmão da avó, um tio Carlos, que tinha negócios de porcelana, no Brasil. Estávamos perante um quadro curioso, na nossa terra, em que dois dos destinos frequentes dos jovens de Ílhavo, nessa época, eram a fábrica da Vista Alegre ou o mar, ou ambos, na sequência um do outro.
Pessoa do mar com quem muito convivi, em determinada altura da vida, lembrava-me, frequentemente, dito curioso da mãe – Ó filho, não vais tirar o curso de piloto? Então queres ir para a fábrica da VA e com tantos anos…, ainda andares a pintar asas a penicos? Vai para o mar! E o dito filho assim fez.
Manuel da Silva, de alcunha Lavado, nasceu em Ílhavo a 21 de Agosto de 1898, na Chousa Velha, sendo filho de Francisco da Silva e de Maria Emília da Conceição, conhecida por Maria Emília Lavada (daí a alcunha por que era conhecido o capitão).
Do casamento em 21 de Agosto de 1923 com Maria da Silva Branca, nasceram dois filhos – o Manuel, marido da D. Ermelinda, que, amavelmente me recebeu, e o Carlos, ambos funcionários da Vista Alegre, que, por lá fizeram a sua vida.
Manuel da Silva era portador da cédula marítima nº 10407, passada na Capitania do Porto de Aveiro, em 19 de Fevereiro de 1913. Na ficha do Grémio, apenas aparece como piloto, em 1944, sob o comando de José Simões Ré, do lugre-motor de madeira Navegante II, construído em Fão em 1912, por António Dias dos Santos, propriedade a partir de 1934 da firma Ribaus & Vilarinho, Lda., da praça de Aveiro. Piloto muito tarde. Porquê? Pôs-se-me essa questão e não tive quem me esclarecesse tanto quanto eu queria. Mas, a própria ficha do Grémio referia que, tendo cédula marítima desde 1913, deixou de exercer a profissão, o que sua nora confirmou, por crise da navegação, ocupando-se em comércio próprio.
Numa segunda visita à casa que fora do capitão, fui amavelmente recebida também pela outra nora, D. Maria Ângela, pela neta mais velha, a Elisabeth, e pelo neto João Nelson, que havia seguido a mesma profissão do avô, pela admiração profunda que tinha por ele. Depois de muito activarem os neurónios, as duas senhoras referiram-me que o sogro tinha sofrido um naufrágio, uma vez, em navio, para elas, desconhecido, em viagens de cabotagem (?), com tal perigo que o levou a afastar-se da vida do mar. Além disso, confirmaram-me que o casal tinha montado um negócio de mercearia, na Chousa Velha, casa onde habitavam, em frente à antiga escola primária local.
Manuel da Silva, passou, então, a ser, funcionário, durante alguns anos na fábrica da Vista Alegre, como chefe das pilhas de lenha para os fornos, que chegavam do norte, pela ria, em mercantéis. Após o horário fabriqueiro, ajudava a mulher na mercearia. Logo recordámos a venda de produtos domésticos habituais – arroz, açúcar, farinha e quejandos – em sacos improvisados de papel pardo, ao quilo, rebuçados e vinho, ao litro, em garrafa ou garrafão. Mas, certamente, não era a vida que Manuel da Silva desejava para ele – o mar chamava-o...
E uma possível explicação, para esta mudança de vida??? Tendo ido, um dia, à Vista Alegre, um dos Vilarinhos, com quem se dava, opinou-lhe – deixa a fábrica, isto não é lugar para ti, vai mas é para o mar, tendo-lhe facilitado o tal lugar de piloto, no Navegante II, em 1944, que já referimos.
Imagino que tenha unido os chicotes.
Nos anos de 1945 e 46, passou a imediato do conhecido, belo, mas desditoso Hortense, lugre-motor de madeira, construído para a Parceria Geral de Pescarias, por Manuel Maria Bolais Mónica, em 1930. Foi seu capitão, Augusto dos Santos Labrincha, de alcunha Laruncho, também de Ílhavo.

A bordo, o primeiro, à nossa direita

Trabalhador e interessado, «saltou» no ano seguinte, 1947, para o navio Elisabeth, como imediato, sendo capitão José André Senos, e piloto, Elmano Pio Maia Ramos, ambos conterrâneos. O Elisabelh, navio-motor de madeira, tinha sido construído para a empresa João Norberto Gonçalves Guerra, por Manuel Maria Gonçalves Mónica, em 1945, tendo feito a primeira viagem em 1946.

Navio-motor Elisabeth

Recordou-me a D. Ermelinda, que no ano em que se casara, 1946, o sogro era imediato do Hortense. O nome da primeira neta, Elisabeth, nascida em 25 de Julho de 1947, teria sido influenciado pelo nome do navio Elisabeth, em que fora de imediato, na viagem de 47? – pensei. Mesmo antes que o confirmasse, a Elisabeth revelou-mo. Não deixa de ser curioso.
Mas, a convite de Testa & Cunhas, Manuel da Silva (de alcunha Lavado), deu o salto para esta empresa, que serviu com competência e gosto, até ao fim dos seus dias. Foi imediato no navio-motor Inácio Cunha, nos anos de 1948 e 1949, sob o comando do figueirense Elias Andrade Bilhau,
E eis que, por ordem natural dos hábitos empresariais, ascendeu a capitão do bonito lugre-motor, de três mastros, o Cruz de Malta, mais pequeno, mas, sempre muito cuidado, considerado a mascote da empresa armadora. 

No Cruz de Malta, primeiro da direita.

O Capitão Lavado aí perfez seis viagens no comando, de 1950 a 55, tendo tido como imediatos, os ilhavenses Benjamim dos Santos Marcela (1951, 53 e 54) e José Simões Amaro, de alcunha o Forneiro, em 1952 e em 1955, Manuel Ferreira da Silva, da Gafanha da Nazaré.
Com grande vontade de construir uma casa em Ílhavo, na antiga Avenida Marechal Carmona, comprou o local onde ainda hoje mora a sua nora, por influência do vizinho e amigo Sr. Alexandre Gravato. Foi uma das primeiras casas da Avenida, do início dos anos 50. A esposa sentia-me muito só e isolada, enquanto o marido se ausentava para o mar, fazendo-lhe companhia a sua netinha. Dois a três anos mais tarde, resolveram passar a morar naquela mesma casa, onde um dia destes fui bater, o filho mais velho, nora e neta.
No navio-motor Inácio Cunha, o último navio que comandou, teve como imediatos, o seu conterrâneo Weber Manuel Marques Bela, em 1956 e 57,
Armando Correia de Carvalho, de Alvaiázere (1958) e Manuel Caçoilo Serafim, da Gafanha da Nazaré, em 1959 e 60.
Referiu-me a D. Ermelinda, com orgulho que os Testas & Cunhas gostavam muito dele. Trazia sempre o navio carregadinho, até com bacalhau em sítios impróprios para o carregar.
Infelizmente, deixou-nos relativamente cedo, o que constituiu um grande choque para familiares, colegas, amigos e armadores, ao deslocar-se do seu navio, o Inácio Cunha, para vir almoçar a sua casa na Avenida. Em acidente de motorizada, a 31 de Dezembro de 1960, com 62 anos de idade.
Nos jornais O Ilhavensede 1 e 10 de Janeiro de 1961, refere-se que meteu à travessa do Caleiro e, ao entrar na estrada de Ílhavo, quando passava um camião da Sacor, foi chocar com ele, tendo sido por ele arrastado, chegando já sem vida ao Hospital. Foi com enorme consternação que o funeral se realizou no dia seguinte. E assim partiu um Homem do Mar, desta vez, em violento acidente em terra.
A propósito do carácter do avô, a neta Elisabeth revelou-me ser muito seu amigo, lutador e alegre, frequentando, à época, com a família, os bailaricos do Texas. A propósito dos bailaricos, veio à baila a música, referindo que tocava viola, com muito jeito, a que, por vezes, chamava de violão. Haveria, por certo, alguma tendência musical, na família, pois, já em 1944, tinha ido ao Porto comprar um bom violino, ao filho mais novo, o Carlos, de que se apresentava um bom tocador. Memória atrás de memória, acabaram por se lembrar que, no sótão da casa da Chousa Velha, havia uma grafonola das antigas, com os respectivos discos.
E quando se mexe e remexe no passado, a neta Elisabeth acabou por me referir que o avô era do mesmo ano de nascimento (1898) de Manuel Trindade Salgueiro, de quem fora companheiro de escola e que viria a ser o «nosso Bispo do Mar».
Esta visita a Évora comprova o encontro afectuoso, entre ambos, entre os anos 55 e 60.
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Em Évora, entre os anos 55 e 60

E eis o que conseguimos apurar, recolher, com esforço, ajudas e muito boa vontade, sobre o Capitão Manuel da Silva.
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Ílhavo, 2 de Março de 2018
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Fotos gentilmente cedidas pela Família

Ana Maria Lopes
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