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Cap. Alexandre Simões Ré
À
laia de introito:
Circula
por aí, entre a família Ré, a foto seguinte extremamente curiosa, que ainda não
tinha conseguido.
Pessoa
amiga, bisneta de um dos fotografados, ofereceu-ma, há dias bem como a sua
identificação. Preciosa!!!Um rico folar de Páscoa!...
Trata-se
de uma foto de estúdio, creio, à época, do jovem curso de pilotagem, em 1900.
O
trajar dos rapazes seduziu-me – fatinho de calça, paletó e colete, camisa de colarinhos
gomados e levantados, gravata, botim ou sapato fino, lencinho no bolso do
casaco, à janota.
A
maioria, de bigodinho a preceito, todos de cabeça coberta por chapéu de feltro
escuro ou panamá, de palhinha, tipo galã. Que pose!... Fazendo parte de um
curso de pilotagem de 1900, em Lisboa, viriam a ser futuros homens do mar –
pilotos, imediatos e, mais tarde, capitães. Imagino…
Por
grande curiosidade, estão todos identificados, bem como denominada a terra de
onde são provenientes.
Dos
dezassete fotografados, 9 são naturais de Ílhavo e dois, de Aveiro.
Constituem
um belo quadro do nosso passado ílhavo!
Mais uma prova de que Ílhavo forneceu grande quantidade de oficiais para o mar!
Dos
de Ílhavo, em terceiro plano, chamo a atenção para o primeiro à nossa direita,
também todo ajanotado – Alexandre Simões Ré (patriarca da família Ré, nascido
em 1880), – o biografado de hoje.
Curso de pilotagem de 1900
Ora a origem do nosso
Alexandre Ré começa logo com uma curiosidade – ele não é natural de Ílhavo, mas
sim de Lisboa, freguesia de Belém, filho de João Simões Ré Júnior e de Ana
Maria S. José, nascido a 19 de Agosto de 1880. Lembrei-me imediatamente dos ílhavos que iam para Lisboa, por esses
tempos, e logo namoriscavam, acabando por casar com alguma das bonitas e
elegantes varinas da capital. Teria sido um desses casos? Nada que não pudesse
ter acontecido
Do
casamento, em Ílhavo, a 22 de Fevereiro de 1902, com Maria Nunes Vidal,
conhecida pela avó Ramízia, nasceu uma prole de oito irmãos – seis pequenos
(João, José, Armindo, Manuel, Armando e Alexandre) e duas pequenas, Célia e
Maria. Dos seis varões, quatro foram oficiais da Marinha Mercante e outro, Alexandre,
foi também marítimo – motorista, tendo exercido funções de oficial maquinista.
Depois de já me ter ocupado dos capitães Armindo e João Ré e do Sr. Alexandre
Vidal Simões, nasceu-me uma vontade gradual de escodrilhar o percurso marítimo do velho Alexandre Ré, como, por
vezes, era apelidado, que deveria, pelo menos, nos primeiros tempos, ter sido difícil
e variado.
Era
portador da cédula marítima nº 6845, passada na Capitania do Porto de Lisboa,
em 6 de Maio de 1916, tendo exercido a profissão de pescador do bacalhau desde
1907.
Claro,
tive de aceitar um percurso com algumas lacunas, que não consegui ultrapassar,
mas também dei de caras com uma
panóplia de lugres, cujo nome não me
era nada familiar.
Surgiu-me
pela primeira vez o seu nome como capitão, na escuna Loanda (1908-1917),
no ano de 1912, pertença da Sociedade Africana da Pesca do Bacalhau, com praça
na Figueira da Foz.
Nos
anos de 1913 e 14, «saltou» para capitão do lugre-patacho
Mindello (1902 a 1921), da mesma
empresa armadora e da mesma praça, de que, curiosamente, obtive, há uns anos,
um postal, num alfarrabista, em Vila do Conde.
Lugre-patacho,
ao centro, na Figueira da Foz, num postal datado de 1905
Entre
1915 e 19, fiz os impossíveis, mas perdi-lhe o rasto. Tempos de guerra…, quem
sabe?, mas socorrendo-me do livro Sete Séculos
no Mar (XIV a XX), A Construção de Embarcações, de José
Eduardo de Sousa Felgueiras, Volume III, pp. 224 a 226, edição do Centro
Marítimo de Esposende, Fórum Esposendense, 2010, de que respigo umas
frases-chave, relativas ao nosso capitão, encontrei-lhe o rasto.
Tenho, pois,
de me reportar, ao lugre (?) Fãozense, construído para a Sociedade
Marítima Progresso, Lda., de Fão, nos estaleiros locais por Domingos Carlos
Ferreira & Filho, entre os anos 1919 e 1920. O primeiro capitão deste navio
foi Alexandre Simões Ré, de Ílhavo, de quem a imprensa local dá conta da sua
estadia em Fão, para acompanhar a construção.
Em 1921, o
navio foi vendido à Parceria de Pesca Patriota, do Porto, que lhe deu o nome de
Patriota 2º.
O Fãozense, já
baptizado de Patriota 2º, aparelhado
como lugre.
Entre 1921 e
1924 (inclusive), foi comandado por Alexandre Simões Ré. E mais uma vez se unem
os chicotes. O jornal O Ilhavense de 21 de Maio de 1922 e o de
13 de Maio de 1923, assim o confirmam. Na viagem de 1922 (e
possivelmente, também em 23), foi seu piloto, o filho, João Simões Ré.
Na
safra de 1925, surge como capitão do lugre
Paços de Brandão, também da
praça do Porto. O Paços de Brandão
era um lugre de madeira construído em
1920 em Marystom, Terra Nova, que veio a ser reconstruído em 1923 em Vila Nova
de Gaia, para participar na campanha de 1924, sob a propriedade da firma
Veloso, Pinheiro & Cª., Lda.
O lugre Paços de Brandão
E na safra de 1926? O
nosso jornal de 9 de Maio de 1926, dá-o como capitão do lugre Silva Rios, sendo
seu piloto, o filho José Simões Ré. Faltava-me mais este lugre. E não ficaremos por aqui.
Recorrendo a blogues
credíveis, que no final citarei, o lugre Silva Rios foi o ex-Rio Minho, construído para o armador de Caminha, Francisco Odorico
Dantas Carneiro, pelo construtor, também de Caminha, Manuel F. Rodrigues, em
1921. No final da década de 20, o navio foi vendido a Silva Rios, Lda., do
Porto, que lhe alterou o registo para o Porto, lhe fez uma reconstrução e lhe
mudou o nome para Silva Rios.
E as safras de 1927 e 28?
Às vezes, não se encontram duas pecinhas de um puzzle, mas não há que desanimar. Alexandre Ré reapareceu.
Na
safra de 1929, foi capitão do lugre de
madeira Maria Carlota – o ex- Estrela I construído em 1918, em
Dayspring, Canadá. Tomou o nome de Maria
Carlota na campanha de 1927, propriedade de Nuno Freire Temudo de Viana do
Castelo.
E de lugre em lugre, lá
foi andando, num vaivém, de barra a barra.
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Lugre
Maria Carlota.
Foto de autor desconhecido.
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Segundo o jornal Beira-Mar
de 27 de Abril de 1930, Alexandre Ré surge como capitão do lugre Adamastor, da praça do Porto, levando o seu filho José Ré, como
piloto.O Adamastor, longe de ser o Adamastor cantado por Camões, foi um lugre construído em 1916, em Vila do
Conde, por Jeremias Martins Novais, para o armador Estêvão Soares, do Porto, tendo
sido vendido, em inícios de 1918, à Empreza de Navegação Portugal e Américas,
Lda., também do Porto. Ao longo da sua existência, sofreu algumas
transformações a bordo e novas classificações, tendo o armador, a partir de
1922, mudado a designação comercial para Empreza de Pesca e Navegação Portugal
e Américas, Lda. Segundo o jornal Beira-Mar
de 26 de Abril de 1931, Alexandre Ré surge como capitão do lugre América, da praça do Porto, levando o seu filho Armindo, como
piloto. Este lugre de madeira, também sob encomenda de Francisco E. Soares,
armador do Porto, saiu dos estaleiros de Vila do Conde, das mãos do construtor
Jeremias Martins Novais, em 1915.
Em anos de crise, no ano
de 1930 revelou um resultado catastrófico, tendo no ano de 1931, o produto da pesca melhorado consideravelmente, ao que se
juntou o rendimento do óleo de fígado de bacalhau. O lugre foi colocado à venda
em 1934, tendo sido adquirido pela Companhia de Pesca Transatlântica, Lda.,
igualmente com sede no Porto. O novo proprietário renovou a matrícula na
capitania do Douro, rebaptizando-o com o nome de Infante, continuando a integrar a frota de navios da pesca
longínqua.
E o «nosso» Alexandre Ré,
de quem nos ocupamos, presentemente?
Nos anos de 1932 a 36,
por lacunas de informação, e, provavelmente, por tempos de crise, perdi-lhe a esteira, mas, na safra de 1937, encontrei-o de novo, como capitão
do velhinho Argus, pertença da PGP.,
com o filho Armindo, como piloto. Jamais as suas vidas profissionais se
separaram. Na safra seguinte, de 1938,
os papéis inverteram-se, tendo matriculado como capitão, o Armindo Ré, que,
desta vez, levou como piloto, o seu pai, Alexandre. E a partir daqui, foi
sempre assim.
E
passemos ao lugre-motor, de aço, Creoula, de 1937, também pertença da PGP., o actual NTM, que é bem
conhecido de todos nós.
Nas
campanhas de 1939 e 40, Alexandre Ré foi o piloto, Armindo Ré o imediato, sob o
comando de João Pereira Ramalheira (o Vitorino).
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À nossa direita, Alexandre Ré, no Creoula, em 39/40
Nas
campanhas de 1941 a 43, seguiu-se o Argus,
o novo/velho Argus, de aço,
construído na Holanda, em 1939, imortalizado pela obra A Campanha do Argus de Alan Villiers. O trio da oficialidade
manteve-se, já que em equipa ganhadora não se mexe.
Mas
o lugre-patacho Gazela Primeiro meteu-se de permeio e tendo-se tornado Armindo Ré
capitão deste mítico navio, o pai exerceu o cargo de imediato.
E
assim foi entre as safras de 1944 a 48, inclusive.
Constava
tratar-se de pessoa sarcástica, de língua afiada, cáustico, má língua e com
espírito de humor. Mas, toda a companha nutria por ele um certo respeito e
carinho e tratava-o também por capitão pelo hábito de tantos anos que comandou.
Já com avançada idade, embarcado no Gazela
I em que, depois de tantos anos de capitão, exercia agora as funções de
imediato sob o comando do filho Armindo, já descontraído e sem grandes
preocupações, certo dia, enquanto os botes andavam fora a pescar, desceu do
convés ao rancho e, cheio de frio dirige-se ao cozinheiro: – Eh Gestas, está um frio levado dum raio,
arranjas-me aí uma canequinha de café, pá? Ao que o cozinheiro prontamente
respondeu: – É para já, sô capitão. E
o Gestas trata de encher uma caneca de café, da cafeteira sempre pronta em cima
do fogão, e satisfez assim a vontade do velho Alexandre que, depois de se aquecer
interiormente e exultar a boa qualidade do café, agradece e acrescenta: – Ah rapaz, não há café como o teu. E sobe
a escada de volta ao convés onde encontra o contramestre e comenta com ar de maldisposto:
– Eh contramestre, o Gestas deu-me agora
uma zurrapa dum café que até estou agoniado...
…
Estamos
perante um caso de doze anos de fidelidade à Parceria Geral de Pescarias, de
filho e pai, até ao momento em que Armindo Ré se estreou como capitão do navio-motor Vaz, da empresa Brites, Vaz & Irmãos, Lda., da praça de Aveiro.
De saco de lona às costas, numa «nova
emposta», lá ficaram mais perto de casa, pai e filho.
Durante as
safras de 1949 a 51, Alexandre Ré aí foi imediato do filho Armindo, que, no seu navio, prolongou a carreira até 1969.
Aposentou-se
em Novembro de 1957, depois de cerca de 50 anos de mar, servindo uma panóplia
de veleiros de madeira e de aço, tão diversificados, de praças desde o Porto a
Lisboa, passando por Figueira da Foz e Aveiro, onde finalizou o seu labor de mar,
sem esquecer uma estadia em Fão para acompanhar uma referida construção.
Ainda lhe
restaram alguns anos, para saborear a sua reforma, entre a família numerosa,
que era.
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Saboreando o solzinho, no seu
jardim.
Chamava malagueta à bengalita, com que se
equilibrava na última etapa da vida. E não só, outros objectos da vida comum
eram chamados como se de objectos marítimos se tratasse – de tal modo a vida
marítima lhe estava interiorizada.
Deixou-nos a
2 de Fevereiro de 1967, vítima de uma trombose, com 86 anos.
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Ílhavo, 12
de Março de 2018
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NB. Consultados
os blogues Navios e Navegadores, Navios à
Vista e Piloto Prático do Douro e
Leixões.
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Fotos –
Amavelmente cedidas pela família e arquivo pessoal
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Ana Maria Lopes
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