No próximo dia 2 de Abril, sábado, pelas 17
horas, comemora-se, no Museu, o 4º Aniversário do Ciemar.
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Programa:
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Lançamento do Boletim n.º 4 do Ciemar-Ílhavo
(edição digital)
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Inauguração da exposição «Bernardo Santareno, um médico na frota bacalhoeira»
> Apresentação da
reedição de Nos Mares do Fim do Mundo,
de Bernardo Santareno (co-edição E-Primatur)
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«Nos Mares do Fim do Mundo com Bernardo Santareno» – Palestra de Ana Paula
Medeiros
Quem não tenha a velhinha edição da
Ática, há muito esgotada, de Nos Mares do Fim do Mundo,
de Bernardo Santareno, ou mesmo quem tenha, desfrutará da oportunidade de
adquirir uma reedição da mesma obra, com algumas novidades.
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Para quem não
sabe ou não se lembra recordo o acidente que teve, numa mão, o nosso bom amigo,
que já não está entre nós, Sr. Samuel Corujo, mais conhecido pelo Sr. Samuel
dos barquinhos em garrafas.
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Recordou-me, várias vezes, nas nossas conversas, o acidente que sofrera, a
bordo do Santa Mafalda, em 1958,
enquanto 3º motorista. Episódio esse, imortalizado pela pena de Bernardo
Santareno, ao tempo, médico no Gil Eannes,
em Nos Mares do Fim do Mundo, pp. 135 a 138, capítulo, O
Vento, o Mar e O Sangue, que me abalanço a respigar:
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Alô! Alô! O
«Santa Mafalda» chama urgentemente o médico! Alô! Alô! Médico! Médico!...
Eu estava no
«Bissaia Barreto» (…). Foi então, à hora do jantar, que, aflitivamente, este
S.O.S. rasgou os ares: o terceiro maquinista do «Mafalda» tinha uma mão
esmagada, por acidente de trabalho! Era preciso intervir e quanto antes. E os
dois navios navegaram ao encontro um do outro.
O
enfermeiro, o Lourenço, a voz trémula de emoção, deu-me pela fonia mais
pormenores: um dos dedos, preso à mão por escasso retalho de pele, estava sem
dúvida condenado; e além deste, dois dos outros dedos desta mesma mão, com
fracturas múltiplas e expostas, teriam provavelmente a mesma sorte.
Era preciso
ver as lesões, mas como chegar ao «Mafalda»? O mar, agora, estava bravo como eu
ainda não o vira: vagas apocalípticas cruzavam o «Bissaia» em todos os
sentidos, o vento levava pelos ares madeiras e cordame, a névoa tornara-se
impenetrável. Como? Como passar?! (…)
… Era
impossível tentar a minha passagem. Ai, o alívio que eu nesse momento senti!
(…)
Em todo o caso
e sempre pela telefonia, lá fui dando instruções de que me lembrei ao pobre
Lourenço.
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Era
desesperante.
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O mar
atingira o auge da fúria: rasgava tudo; vencia, com o seu clamor monstruoso, os
pobres gritos humanos; lavava, com a espuma claríssima das suas ondas, a
sangrenta nuvem daquela hora.
(…) Mas
aquele ferido, tão novo, um rapaz… ai, aquela mão! E se fosse possível
salvar-lhe os dedos lacerados? Bem bastava o outro, o que já tinha sido
amputado (…).
E mandei
seguir o «Santa Mafalda» para terra.
(…)
Recebi hoje
– oito dias sobre este acidente – uma notícia admirável: o terceiro maquinista,
apesar da brutalidade das lesões, ficará com os seus dedos!
Tudo valeu a
pena: a angústia daquela hora, a raiva humilhante da minha impotência, o suor
de sangue e fel do Lourenço, o desespero dinâmico do comandante do «Mafalda».
Valeu a pena, valeu a pena!
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Com a forte
e bela narrativa de Santareno, ficou Samuel Corujo imortalizado na nossa
literatura marítima e com os “seus barquinhos”, lembrado nas colecções de
miniaturas de veleiros em garrafas, espalhadas por todo o mundo.
Nos anos 80,
em sua casa
Ílhavo, 29
de Março de 2016
Ana Maria Lopes