O meu blogue, além de muito mais, não deixa de fixar as minhas
explanações, aquando da apresentação de livros. E esta, não sei bem porquê, não
tinha sido registada. Ainda vai a tempo, agora a propósito da 3ª edição do livro Faina Maior – A Pesca do
Bacalhau nos Mares da Terra Nova. Faina Maior, um título forte, belo,
feliz e sugestivo, que sai uma vez na vida, muito mais forte que a «Grande
Pêche» dos franceses. Alimentou muitíssimos conteúdos expositivos e continua a
ser um entretém de muito mais estudiosos e evocadores. Ainda bem. A semente
deitada à terra germinou com fervor. Quem, antes de 1992, ouvira falar da Faina Maior?
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Caros Amigos/Amigas,
porque de um encontro de Amigos se trata…
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Não
venho propriamente apresentar a Faina
Maior. Foi mais que apresentada, há 15 anos.
Em
primeiro lugar, o meu agradecimento à Associação
dos Amigos do Museu, da qual faço parte, por ter levado a bom porto a reedição do livro Faina
Maior – A Pesca do Bacalhau nos Mares da Terra Nova, publicado pela
primeira vez em 1996. O tempo foi passando e…
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…a
minha história de «vida em comum» com o saudoso Francisco Marques, associação irrepetível, é, ou deveria ser sobejamente conhecida. Já tem sido contada. Mas
nunca será demais.
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Foi
o gosto pela pesca do bacalhau que nos uniu. Encontrámo-nos na antiga Escola
Preparatória
em actividades culturais e por aí começou a nossa cavaqueira.
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Primeira
realização: o documentário À Glória desta Faina, que foi visionado
neste Auditório do Museu, nos dias 4 e 11 de Novembro de 1989 – duas enchentes a que se não estava habituado. Os nossos
homens do mar mereciam essa «homenagem», se assim lhe quisermos chamar.
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Entre
mim e o Francisco surgiu a ideia de construir uma cozinha de bordo no Museu, se eu viesse a ser Directora…como constava. E atrás da
cozinha, vieram a escala, o porão, o convés, o convés da popa, o beliche e
rancho e o salão de oficiais, a começar pelo dóri, o pequeno/grande herói da pesca à linha, com o seu único
ocupante, o homem do dóri.
Conferência de imprensa de apresentação da exposição
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Abriu
em Outubro de 1992 a grande
exposição A Faina Maior – Pesca
do bacalhau à linha,
que, de temporária, após um ano, passou a permanente.
De
certo modo, marcou a evolução cultural da nossa terra, activando os sectores
que com ela tinham ligações. Tem estado na base de muitos discursos expositivos,
em volta do mesmo tema – basta recordar algum tipo de eventos…ou instituições –
A Confraria Gastronómica do Bacalhau, As
Tasquinhas do bacalhau, os vários livros da mesma temática que,
posteriormente, têm vindo a lume, sob a chancela de diversas editoras…
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E o livro Faina
Maior? Sim, este livro? Tendo uma equipa da Quetzal visitado a exposição em
Maio de 93, havia-nos feito uma
proposta de «pôr» a Faina Maior em
livro.
Recebemos a proposta de braços abertos – foi o
selar, por escrito, de uma grande Exposição, que, ainda hoje se mantém
com melhoramentos.
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Assumimos ambos o compromisso, com os dissabores dos atrasos e as alegrias do sucesso. O texto veio
a lume no Verão de 93, mas o lançamento, com as demoras
habituais, teve lugar a 22 de
Junho de 1996. Dividimos irmãmente
os louvores, tanto que recebemos o Leme
do Ano (ex-aequo), de reportagem,
a 28 de Junho do ano seguinte.
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Ao recebermos o Leme do Ano, 1997
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O livro, entretanto, esgotara e era
um firme desejo da Associação dos Amigos
do Museu concretizar a sua reedição.
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Por
razões de vária ordem, ainda não tinha sido possível, mas, este Verão, ao
arquitectarmos alguns posts do Marintimidades sobre «Creoula – 1973, através da objectiva de
António São Marcos», conseguimos ultrapassar, através de um procedimento levado
a efeito há vinte anos um problema técnico que existia com essas fotografias.
Enfim, foi superado.
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Por
outro lado, durante uns tempos, achei alguma piada a que dois dos livros em que
mais me tinha empenhado estivessem esgotados, mas, com o andar dos tempos,
passei a não achar tão curioso assim. Se, na realidade, não pudéssemos pôr as
mãos à obra, não seria muito fácil reerguê-la. Gostava de deixar a Faina Maior, à venda
E
esperancei os Amigos do Museu.
Muitas voltas foi preciso dar para se alcançar o intento.
É
que …
Entre
as duas edições, decorreram 15 anos,
o suficiente para que a técnica de «fabricar» um livro tivesse mudado como do
dia para a noite. O texto, de dactilografado passou a digitado (processado), as
imagens, de suporte em papel, passaram a ser digitalizadas, melhoradas,
tratadas, photoshopadas q. b.
Sem
esquecer, o principal – reencontrá-las,
entre tantas mãos por que passaram. O nosso muito obrigada a quem no-las cedeu e
ao meu filho Miguel, estou grata
pelo apoio técnico dado, mesmo à distância.
Ganhámos
uma ansiedade e uma paixão com a re-pesquisa
Era
nosso desígnio, pela falta do saudoso co-autor Francisco Marques, manter o livro inalterável. E com perseverança,
conseguimo-lo.
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O
tema escolhido – a reportagem ou o relato – de uma campanha de barra a barra (neste caso, da de
Aveiro), de um lugre da pesca do bacalhau à linha, dos anos 30/40, com toda a
azáfama, dureza, angústia, saudade, sacrifício e empenho, era imutável.
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Quase
ninguém andou lá, porque tivesse querido. A Faina Maior, com toda a sua austeridade, era um modo de vida…E
estas memórias fazem parte de quem teve familiares ao bacalhau e quase todas as
pessoas de Ílhavo os tiveram.
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Dentre
os cerca de 13 capítulos que reescrevi, voltou a deliciar-me o depoimento ao
jornal «Beira-Mar», de 30.11.1930,
em que o Capitão Cajeira relata a sua primeira tentativa de chegar à Groenlândia.
No
ano seguinte, 1931, três navios da Empresa de Pesca de Aveiro – o Santa Izabel, o seu «gémeo» Santa Mafalda e o Santa Joana – por ordem explícita do seu gerente, demandaram a
Groenlândia.
Tendo
oportunidade de ler atentamente algumas actas, da mesma época, de Testa &
Cunhas, criada em Dezembro de 1927, a partir da aquisição dos bens da Empresa de Navegação e
Exploração de Pesca de Aveiro (todos os aprestos, extenso secadouro e os lugres
Hernâni, Silvina e Cruz de Malta), constatei que os tempos
de crise, escassez de peixe, dureza de vida, dificuldades financeiras, eram
comuns às empresas do sector. E o meu Avô, o Capitão Pisco, por lá andava.
Em
acta de 7 de Dezembro de 1932, os
sócios resolveram quais os navios que
deviam ir à pesca do bacalhau nas futuras safras de 1933 e 34, tendo assentado
apenas na ida do Ernani e Cruz de Malta.
Decidiram
ainda anunciar a venda do navio Silvina, entendendo que o podiam dispensar. Mas…
Depois de elaborada a acta
de 11 de Agosto de 1934, (sic)
chega-nos a notícia infeliz do desaparecimento do nosso lugre Ernani nos bancos. Ignoramos pormenores –
causas e paradeiro dos tripulantes. Só mais tarde se soube que a causa tinha
sido incêndio e que os tripulantes haviam sido distribuídos por navios dos
pesqueiros próximos, onde se revelaram muito úteis no auxílio das penosas
tarefas.
Toda
esta falta de notícias, em 1934 é um
testemunho da rudeza desta vida.
Para
suprir a baixa daquela unidade, resolveu-se
reparar o lugre Silvina, de modo a estar pronto para a futura
safra, para o que foram gastos cerca
de 50 contos.
Acentuava-se na empresa, a necessidade de procurar uma nova unidade. Segundo acta de 28.11.1936, deram-se início a todas as diligências para a aquisição de um novo lugre. A proposta foi construir um, segundo o modelo do Brites (1936), com a introdução (sic) de algumas alterações, com empreitada de lavôr e materiais com o construtôr, Mestre Manuel Maria Mónica, pelo preço de 640 contos.
Encomendado
em fins de 1936, o Novos Mares, de quatro mastros, beijou as calmas águas da ria, para
satisfação de todos, a 16 de Abril de 1938,
na Gafanha da Nazaré. O meu Avô capitaneara-o na primeira viagem, só à vela, à
Groenlândia, já que o motor não havia chegado a tempo da viagem.
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O Silvina foi prosseguindo a sua difícil missão, até que viu o fim em trágico incêndio, no Grande Banco da Terra Nova, a 25 de Maio de 1941, narrado por Jorge Simões em Os Grandes Trabalhadores do Mar.
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Deixemos as actas da Empresa e voltemos à «produção» do livro.
O Silvina foi prosseguindo a sua difícil missão, até que viu o fim em trágico incêndio, no Grande Banco da Terra Nova, a 25 de Maio de 1941, narrado por Jorge Simões em Os Grandes Trabalhadores do Mar.
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Deixemos as actas da Empresa e voltemos à «produção» do livro.
Teclámos
o próprio texto, porque sabíamos parágrafos de cor e dominávamos com facilidade
o tecnicismo dos termos, que nos eram familiares.
E
a imagem? Como, no meio de tantas mais que foram achadas, repescar aquelas 142 fotos e aquelas mesmas, que, por
tantas mãos andaram e tanto se dispersaram?
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Aos
poucos fomo-lo conseguindo. Conhecíamos-lhe o tacto, o odor, o aspecto, o
tamanho, as marcas do tempo, a grandiosidade.
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Preparativos do lançamento, à noite, no Museu
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Consumou-se
o acto. A Faina Maior, livro, está
de novo à venda, – era o nosso objectivo –, para uma outra geração, ou para
aqueles que por descuido, o não tenham ainda adquirido.
Vamos
tentar divulgá-lo, com fervor, por algumas das terras que forneceram homens
para esta heróica labuta. Assim tenhamos apoios e algumas facilidades nessas presumíveis
andanças.
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Caros
amigos e amigas. Muito obrigada, sobretudo, pela vossa presença!
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Fotos
– As duas primeiras de Carlos Duarte e a terceira de Fernando José Morgado
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Ílhavo,
19 de Fevereiro de 2011
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Ana Maria Lopes
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É todo este trabalho e toda a sensibilidade que nos tem sabido transmitir que nos vai deixando este sabor a mar que algumas vezes confundimos com o salgado das lágrimas que nem sempre conseguimos conter. É por isso que quando se fala da "Faina Maior" ninguém pode ignorar a força e a ternura com que a Ana Maria Lopes se tem dedicado à História das mulheres e dos homens que tiveram a coragem de viver entre as angústias e os perigos transformados em alegria nos dias de regresso a casa.
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