A
minha mente está recheada de belas cenas litorâneas – algumas, muitas, dei-as
ao prelo em livros, e, mais tarde, no blogue Marintimidades. Outras há
que não tiveram essa sorte e ainda não foram contadas, narradas, exibidas,
retratadas por palavras ou imagens.
É
o caso desta, passada em Buarcos, pelos anos oitenta que sempre me deixa
saudades, pela vida que ornamentava o nosso litoral. Menos meios, vida mais
precária, mas mais riqueza e beleza antropológica e etnológica.
Chegada
a Buarcos, à procura do dito bote de Buarcos, à volta do primeiro decénio deste
século, o desânimo invadiu-me. O que é feito dos botes que daqui saíam para o mar de uma forma encantadora? Seduziu-me
este recanto, pelos anos oitenta, noutra investida remota de inquirições.
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Areia
deserta, mar deserto, ninguém na praia, sequer, a quem perguntar.
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Nos anos sessenta em Buarcos, o bote tinha «grosso modo» a silhueta dos botes do bacalhau. E não é por acaso que
isto acontece. Desaparecidos gradualmente os navios de pesca à linha do
bacalhau, os dóris ou botes, construídos nas carpintarias das
empresas por hábeis carpinteiros, foram perdendo a razão de existir. Construção
simples permitia que em alguns pormenores não fossem totalmente iguais, mas as
suas dimensões principais geralmente eram respeitadas: 5,30 metros de
comprimento, 1,50 m .
de boca e 0,60 m . de pontal. Alguns museus marítimos
exibem-nos com orgulho, como o da Póvoa de Varzim, o de Ílhavo e o Museu de
Marinha, em Lisboa.
Em algumas das localidades que
forneceram homens para a pesca do bacalhau (Costa Nova, Gafanhas, Cova/Gala e
outras), foram transferidos alguns para a pesca local, sofrendo algumas
modificações.
Na
Costa Nova, na apanha do crico. Anos
80
Aos poucos, foram abandonando o tabuado trincado, recebendo à popa um banco em U, e passaram a ter
bancos fixos, ganhando castelo de
proa fechado por portinhola e popa,
mais larga, com um pequeno motor.
Pelos anos 80, a silhueta do bote foi abrindo, pois as águas a que se
destinava não eram as mesmas e o comprimento também excedeu os 5 metros .
À
espera e à conversa, na praia…Anos 80
Em Buarcos, assistimos ao encalhe
do último bote daquele dia, puxado
por uma junta de bois que todos os dias se dirigia à praia com aquela
finalidade. A dona da junta fazia este trabalho há 40 anos, desde que se casara
em Buarcos e recordou a existência de grandes bateiras (maiores que os botes)
e de lanchas poveiras (ainda muito
maiores).
Junta
de bois a varar o bote, em Buarcos. Anos 80
O bote era utilizado para a rede
de um pano para a faneca, para o tresmalho
(rede de três panos) para o linguado, sargo, robalo, etc., para o aparelho a que chamavam troles com muito inzóis, para a linha de mão
para o safio e para os cofos.
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Que encanto! Como vemos, a venda
do peixe era feita na praia directamente aos banhistas, colaborando a mulher
com o marido na separação do peixe e sua pesagem.
O
peixeiro a pesar… Anos 80
Em 2005, a visita ao local foi
desmotivante. Apenas um bote para
amostra, de 6 metros
de comprimento, 2 m .
de boca e 0,60 m .
de pontal, em madeira, anódino, e mesmo assim, protegido e coberto, fora de uso, porque pertencera a um
ex-pescador de 84 anos, já bastante doente.
Este local tornou-se muito
perigoso e «tudo desistiu, não há autorização» – informaram-me.
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– A Senhora encontrará alguns botes no porto de abrigo da Cova-Gala –
e lá fui, meia murcha, observá-los, com saudades da algazarra, movimento e
alarido do areal, pelo menos dos anos 80.
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Vi bastantes, de cores alegres,
quase todos de madeira e muito poucos revestidos a fibra. Actualmente, são
usados na pesca, no rio.
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Botes usados no rio. Porto de abrigo da
Cova-Gala. 2006
Por estas e por outras, tenho a
mente cheia de belas cenas litorâneas, que passaram ao lado da maioria das
gentes.
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Imagens – Da autora do blogue
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Ílhavo,11 de Outubro de 2015
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Ana Maria Lopes
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Bela reportagem que um tão triste domingo proporcionou.
ResponderEliminarPensei que fosse a Vista Alegre, hoje em festa, o mote para o blog, mas
a festa ainda não acabou e o barco da passagem fica à espera.
Desejo-lhe muita coragem ( e dias chuvosos )para continuar embarcada...
João Reinaldo:
ResponderEliminarObrigada pelo comentário e pelos seus votos. Coragem, sim, para me manter ao serviço! Bem preciso.
Abraço.
Boa tarde!
ResponderEliminarUma surpresa!
Desta feita a viagem foi até Buarcos.
Botes ao mar, pois para o mar foram feitos.
É bem-vinda toda esta informação, imagem e texto, retratando uma outra época, de gentes, barcos e artes de pesca ao longo deste litoral...
Obrigada por este documento, Ana Maria.
Beijinho.
Olá Etel, obrigada.
ResponderEliminarSe bem que gostemos muito da ria, o nosso litoral foi uma grande fonte de informação para mim. Cenas fantásticas e de uma vida e beleza ímpares!... Às vezes, vou ao «baú», ando em arrumações. Foi o caso. Beijinho.
ResponderEliminarMais uma vez, parabéns à Drª Ana Maria pela beleza e ilustração de seus textos, que jamais nos cansaremos de admirar.
No que aos doris diz respeito, poder-lhe-ei adiantar que para além dos citados, em Vila do Conde possuímos um dori em depósito, pertencente ao «moribundo» Museu do Mar - Caxinas, e um outro, no chamado Museu Marítimo de Vila Chã.
Caso um dia venha para estas bandas, teria muito gosto em a conduzir até tão ridentes locais.
Com admiração, creia-me às ordens,
Al bino Gomes
Sr. Albino Gomes:
ResponderEliminarMuito grata pelo seu comentário, bem como pelo convite à visita dos dóris.
Abraço amigo.
Como a compreendo...esse último bote era do meu pai José Barreto - o bote tem o nome da minha filha, Carla Crstina -,...nessa altura, doente, sim. O meu irmão, que adora o mar e a pesca do coberto, recuperou-o e quis voltar a metê-lo na praia, para ir ao mar quando está cá (é Oficial Náutico). A Capitania da Figueira da Foz, não deixou!disseram-lhe que Buarcos já não é porto de pesca! Os burocratas da Figueira da Foz e da Capitania não entendem esse fascínio. A população mantém-se indiferente!
ResponderEliminarSe me permite, publicarei no meu blogue e mural uns trechos da sua crónica e fotos, com indicação dos correspondentes créditos e link.
Boa noite:
ResponderEliminarObrigada pelo seu comentário. É agradável receber a apreciação de alguém que nos entende e que «navegámos» entre sensibilidades e afectos.
Autorizo, sim, o que me sugere, desde que me dê conhecimento do que vai usar, para eu ter o prazer de ver. Pois, não tenho o prazer de o conhecer. Nem sei qual é o seu blogue.
Cumprimentos.
http://zaratustranaoeradobenfica.blogspot.pt/
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