Os
minuciosos trabalhos de miniaturas do amigo Marques da Silva andam um pouco
atrasados no Marintimidades. Com a estadia dele, agora, pela Gafanha, vamos
ver se lhe damos um avanço.
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Quando pensei dedicar
algum tempo à construção de uma embarcação do Tejo, que na realidade já estava
a fazer falta na minha vitrina, passei com calma no Museu de Marinha, para
olhar com atenção aqueles lindíssimos modelos da Colecção Seixas, na sala da
Marinha do Tejo.
Em anteriores visitas,
já tinha observado o bote de meia
quilha, mas agora com mais atenção, concluí que era este o eleito para me
ajudar a passar algumas horas.
Além da notória beleza
de formas, esta embarcação apresenta uma riqueza de decoração muito atractiva e
variada, que logo me mostrou dificuldade, pois a pintura é para mim a fase mais
difícil do modelismo.
Conversei com o Cmt.
Ferdinando Simões acerca desta minha escolha, que logo aprovou, pois, para ele,
esta embarcação era sem dúvida a mais representativa da bacia do Tejo. Como
tinha em sua casa uma cópia dos respectivos planos de construção do Museu de
Marinha, de imediato os colocou à minha disposição, o que foi muito bom.
Assim, só me faltava
procurar o livro das «Embarcações do Tejo» do nosso saudoso Dr. Manuel Leitão,
para começar a estudar e a delinear o início deste novo trabalho.
Fazer vegetais para
retirar formas, traçar em cartolina as principais balizas, a roda de proa, o
coral, o cadaste e o painel de popa, foi o meu trabalho, enquanto escolhia uma
tábua boa para servir de base ao estaleiro.
Agora, era necessário
preparar os picadeiros para assentar a quilha e os suportes que fixariam no seu
lugar a roda de proa e o painel, quando estivessem prontos.
Madeira de limoeiro com
curvas e ângulos apropriados a estas peças não me faltavam, porque sempre que
faço a poda desta árvore, separo os ramos que entendo apropriados, que guardo a
secar à sombra, para não abrirem fendas. Os mais direitos e lisos ficaram para
as cintas, escoas, dormentes e tabuado principal. Os mais arredondados, para as
cavernas e braços. Os mais fortes e de bom ângulo, deram para a roda e para os
corais e cadaste.
Escolhida e desempenada
uma boa peça para a quilha, cavei-lhe o alefriz e talhei a escarva para a roda
de proa na extremidade de vante. Depois, preparei a roda de proa onde continuei
o alefriz e talhei a escarva que a iria adaptar à quilha. Faltava agora armar o
painel de popa e os seus respectivos cadaste e coral.
Posto isto, chegou a
altura de fixar todas estas peças no estaleiro, bem alinhadas e desempenadas
para começar a ter a noção da embarcação que estava a nascer.
Eu gosto de fazer assim
os meus modelos e poder então recordar as horas que passava no estaleiro do
Mestre Manuel Maria Mónica, vendo nascer os navios, que acompanhava até ao dia
que iam para a água.
No «Dom Denis» fui eu a
bordo, na companhia do falecido engenheiro Pascoal, o Manuelzinho, meu
companheiro de brincadeira. Deixaram-nos estar no bico da proa a ver partir a garrafa
e a cortar os cabos das bimbarras que seguravam o navio, que logo estremeceu e
começou a descer pela sua carreira bem ensebada. Como é bom recordar estes
momentos que ficaram tão bem guardados na minha memória.
Mas a construção do meu
bote continuou e tal como era devido, primeiro foi para o lugar a caverna
mestra com os seus quatro braços, seguida das que eram necessárias para fixar
as armadouras.
Completadas as
restantes cavernas, foram assentes os dormentes, a buçarda, as curvas do painel,
as escoas, o banco do mastro e as quatro cintas. Assim, a estrutura ficou
consolidada e pronta a receber o tabuado exterior e o convés, que, depois de
assentes, esconderam todo o emaranhado da ossada, que aos meus olhos, me
parecia ser a parte do modelo mais digna de observação.
Bote de meia quilha
Mas o meu bote de meia quilha tinha de ficar
pronto, pintado e aparelhado e com todas as velas bem talhadas e entralhadas
para poder assim, mostrar todos os seus direitos de linhagem.
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Era um parente próximo da
rainha, a tão falada fragata do Tejo, e como ela, mostrava no bojo do seu fundo
côncavo, o amassamento que caracteriza estes barcos e, nos costados, as
resistentes quatro cintas. Contudo, esquecia o macarrão das amuras, que não lhe
fazia falta, mas erguia e embelezava o capelo da roda e a cachola do leme. Afilava
os delgados de vante e da popa e acrescentava um gurupés e uma giba que lhe
davam um ar muito mais alegre, mais vistoso e mais ligeiro.
Bote de meia quilha, aproximado
Continuando a receber o
carinho dos seus construtores, podia mostrar uma florida cara branca, com o
nome bem visível, fachas de cores ao longo dos costados e uma antepara da popa
decorada e alindada com gosto e a preceito.
Pormenor da cara de proa
Era
sem dúvida uma boa embarcação para carga, mas que poderia com dignidade,
transportar passageiros entre os portos das margens do Tejo.
Tal
como nos meus anteriores modelos, apliquei nesta construção madeira de limoeiro
na ossada e nas peças estruturais e de choupo no tabuado dos costados e do
convés. Nas ferragens apliquei arame de cobre, no mastro e na verga madeira de
tola e nos cabos e velas o algodão. Para as pinturas apliquei tintas normais e
para os arranjos florais utilizei colagens.
Pormenor da antepara de ré e do bote auxiliar
Nesta construção segui
os planos do Museu de Marinha:
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«II. C. b. T. 9.» BOTE DE MEIA QUILHA
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Escala 1/ 25
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Março de 1941
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Caxias, 19.6.2015
António
Marques da Silva
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