Hoje,
enquanto conduzia de Aveiro para a Costa Nova, fui parar a outro comprimento de
onda do pensamento e vieram-me à ideia – e com que saudades! – outros tempos.
As
minhas memórias não vão recordar a frente lagunar, desde o sul, no bairro dos
pescadores com seus armazéns de salga, a antiga «Marisqueira» (ex-Pensão
Astória e ex-Casa Alberto Pinto Basto), o velho mercado, a Pensão Zé das
Hortas, o largo com a estátua do ícone Arrais Ançã, as «motas»
(cais), seu posicionamento, a ria a beijar a estrada ensaibrada, a datação dos
primeiros eucaliptos ali junto à «Vivenda Quinhas», os furos da Regina, o Chiadinho,
onde tanta vez fui buscar fotos que iam a revelar, a Rádio Faneca, os passeios
na Esplanada até ao recolher (11
horas), os palheiros, primeiro a
ocre, mais tarde listados e coloridos, o Bico… Chega…Disto já toda a gente sabe.
Hoje,
vieram-me ao rol das memórias, as minhas lembranças marítimas – o nosso mar. O meu
banho de mar. Não me chegava molhar os pés. Também não era nenhuma Maaia,
mas convivia muito bem com o mar. Uma autêntica molhadura de liberdade. Conhecia-lhe as correntes, os eventuais
lagos, os redemoinhos, a força na rebentação.
Mas
todos os cuidados eram poucos. Com o mar
não se brinca – assim fui transmitindo aos meus filhos que lá obedeceram,
apesar de saberem nadar bem.
Em
dias três B – bom tempo, bom mar, boa temperatura da água, passava o dia
na praia, a ler, a bordar ou a crochetear, mais tarde a trabalhar para o bronze, mas com as cautelas solares aconselhadas.
A
temperatura do mar tinha duas medidas – ou gelava o osso, ou não o gelava.
Raro, amornada por alguma corrente quente, parecia o Algarve. Isto, uma ou duas
vezes por ano.
Mas,
apesar de franzina, friorenta, suportava tudo. Mais ou menos tempo, mais
avanço, mais recuo, coragem! E, em mergulho gostoso, ultrapassava a rebentação
– parecia um meia-lua, sem muleta, sem bois, sem remos. Só o
prazer da ondulação.
Noutras
situações, em que o mar não permitia ultrapassar a rebentação, mergulhava na
espuma alta, cambalhoteando-me, – tal e qual um banho em champanhe.
Não
havia nada que se lhe igualasse. Banha, seca,
aquece, ...banha, seca e aquece... era esta a girândola.
A propósito de banhos no
mar, quem não se lembra dos banhos do Dr. Ferreida da Costa?
A praia suspendia a
respiração para o ver mergulhar, afastar-se, nadar, boiar e varar sei lá onde… Era divinal e nunca
teve nenhum azar. Era um ritual.
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Voltando ao meu banho, só as
pontas dos dedos engelhados e arroxeados me faziam mesmo sair da
água.
Adorava
vir por aí fora em fato de banho, de bicicleta, enrolada num dito trapinho adequado, já seca,
salgada, ou a pingar de água marinha, conforme as condições atmosféricas.
Radiante,
ofegante, consolada, entrava e dizia a quem estava, por vezes, a minha Mãe com
a minha Tia Fernanda: quando este prazer findar,
estou feita e a praia, o mar, a areia,
para mim, acabaram.
O
prazer e a intensidade dos banhos foram diminuindo… até que terminaram –
parece-me. Tomei o último banho de mar, com as netas, para aí há dois anos. Por
isso, sinto tanto a falta de uma praia lagunar… Aí, ainda me tentava, em dias quentes,
soalheiros, a umas braçadas ou a boiar, relaxada.
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E
hoje? As gerações repetem-se. E sinto-me no papel que dantes conheci à minha
Avó.
Da minha varanda,,,
Uma
praia de «avó», em que o maior prazer é estar numa quietude, olhos bebendo a
beleza do espraiado manso da ria, que aprecio da varanda. Paisagem tão
inebriante como inconstante, mudando de hora a hora, despertando-nos
constantemente o gozo pleno da sua apreciação.
Vida de varanda
já se usou mais que agora, mas mesmo assim, dá para bronzear, sem queimar. E
ainda para ler, escrever, fazer serviço de «manicure», para entreter com quem
passa, com os que «arribam» à praia, com os que levantam ferro e com os que partem em nova emposta.
Passeios
de moliceiro, não tem havido, nem à
ilha, nem à Bruxa. Poderá ser que o vento mude.
Até
a vela de «O Marnoto» me faz falta ali na mota,
e ainda mais quando embelezava a ria, em maré cheia, nas suas cores vistosas,
com vela iluminada pelo reflexo do pôr-do-sol.
«O Marnoto»
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Ai
Costa Nova! … Ou ela ou eu.
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Imagens
– Etelvina Almeida e Paulo Godinho
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Costa
Nova, 17 de Julho de 2015
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Ana Maria Lopes
Que saudades de ir à Bruxa...
ResponderEliminarComo a compreendo. Estou a teclar exactamente em frente a ela, vejo-a, pela janela, com um sol e maré bem razoáveis, e não há uma emabarcação, barco, barca, o que seja, que faça a travessia. Nesses tempos, estávamos muito bem servidas de «carreiras de barcas». Obrigada. Abraço
ResponderEliminarUm belo texto sobre uma Costa Nova que já só existe na memória de alguns. Sente-se a ernura da subjectividade que a Ana Maria não pretende disfarçar. E ainda bem!
ResponderEliminarNo lugar onde se vê estacionado um carro,com duas figuras,"estacionava",primeiro a "bateira" "NAMY e,depois a "sucessora" ANA MARIA.Na "mota" da JARBA,episodicamente,os barcos de rodas laterais AUSENDA CONDE e ROSA BRANCA,mais tarde reconvertidos,e depois abandonados junto à "fábrica da chicória"
ResponderEliminarCumprimentos,"kyaskyas"
"Mudam-se os tempos,mudam-se as vontades"... Mas não muda o amor pelo mar,pela ria,pela Costa Nova.A ria,agora nua de moliceiros,vai-se vestindo das cores alegres das bateiras dos pescadores e das velas brancas de veleiros... Mas não é a mesma coisa! O Marnoto e o Pardilhoense abalaram para a cidade e deixaram-nos saudades. Fica a esperança no S.Salvador... Trazendo-nos promessas de "moliceirarmos" alegremente pelos canais. E talvez os banhos regressem nas calmas e mornas águas da ria... Faça figas,Ana Maria!!!
ResponderEliminarCaros Amigos/as, obrigada pelos comentários. Abraço.
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