Embora a mesma fotografia
(aqui já fotografia), tivesse sido usada por Rocha Madahil in Alguns Aspectos do Traje Popular na Beira
Litoral e pelo padre João V. Rezende na sua Monografia da Gafanha (1944), os autores não dão nenhum realce à
embarcação, mas sim aos trajes dos pescadores que a usaram, sobretudo ao gabão,
barrete, calça, camisa axadrezada e faixa.
E, à época,
mais ninguém despertara para a ílhava, que
eu tivesse tido conhecimento.
-
Eis senão
quando D. Manuel de Castello Branco, in Embarcações
e Artes de Pesca, livro publicado pela Lisnave, em 1981, fala destas embarcações oriundas
do litoral de Aveiro, em que os ílhavos se deslocavam durante o Outono e parte
do Inverno, temporariamente, para as águas de Cascais, atraídos por melhores
condições de trabalho, preços, mercados e mar mais calmo.
-
Castello Branco
faz uma descrição muito minuciosa da ílhava:
as características principais, a
construção, as dimensões e tonelagem, a cor, o leme, o velame, os aprestos e acessórios, meios de propulsão (remos e
vela), tripulação, actividade, artes de pesca (tarrafa) e porto de armamento.
Era sem dúvida a «nossa ílhava» (imagem seguinte).
Luiz de
Magalhães, in Barcos da Ria de Aveiro,
1905-1908, fez-lhe uma referência muito fugaz, que, de certa maneira, me confundiu.
O próprio Museu de Ílhavo, criado oficialmente em 1937, não tinha no seu conjunto de miniaturas à escala, feitas
habilmente por Porfírio Maia Romão em 1934,
uma verdadeira ílhava.
-
Há pormenores
curiosos que me vão engrossando o interesse pela bateira ílhava.
Como nunca
deixei de fazer recortes de jornais, de assuntos marítimos relativos ao mar e à
ria, ao organizá-los, há cerca de três anos, veio-me à mão um, do Diário de Aveiro de 6 de Junho de 1999, em que a SIMRIA e o Clube de Vela da
Costa Nova tinham assinado um protocolo em que uma das suas intenções era
trazer de volta a ria antiga. Outro objectivo seria apoiar o projecto de
recuperação da ílhava, embarcação que andou na ria de Aveiro, que
deu origem a todas as outras, referiu Senos da Fonseca, acrescentando que «o próprio moliceiro é
fruto de uma evolução natural da ílhava».
-
DA de 6 de Junho de 1999
Achei que essa
predilecção pela ílhava já era uma vocação
mais antiga de Senos da Fonseca, tanto mais que um tempito antes (meados dos
anos 90) tinha aparecido no Museu, para trocar umas impressões com a directora
de então, sobre a bateira ílhava,
munido de uns projectos da embarcação, em computador. Eu não sabia muito mais e
confesso que os computadores, nessa altura, me intimidavam um pouco.
-
Revelou-me mais
tarde que devido a maleitas de que as informáticas às vezes padecem, perdera,
com pena, os referidos projectos. Talvez a razão por que ainda hoje não tivéssemos
tido uma bateira ílhava em tamanho real.
-
Entretanto,
tive conhecimento que na Colecção Seixas
do Museu de Marinha existia uma miniatura à escala 1/25, em exibição, de um
barco ílhavo.
-
Também me
apercebi de que o precioso Catálogo Seixas
(publicado em 1988, pelo MM), abundante em fartas e seguras informações, nos
apresenta, uma fotografia de um barco ilho,
assim o apelida, a navegar na ria de Aveiro.
Barco ilho navega
na ria de Aveiro… (Foto cedida pelo Museu de Marinha. Colecção Seixas)
E mais umas tantas
preciosas imagens da bateira ílhava,
na pesca da tarrafa, na baía de
Cascais e imediações.
Entre os Amigos
do Museu havia uma vontade não divulgada, mas intrínseca, de que o Museu viesse
a ter uma bateira ílhava, mas tal
desejo também nunca se cumpriu. Era capaz de ser um bocadinho arriscado, em
vários domínios, assumir a sua construção.
E o tempo foi
passando…
Com a mudança
de século e já em Junho de 2007, SF., após uma pesquisa aturada e entusiasta,
lançou o Ílhavo – Ensaio Monográfico do
Século X ao Século XX, em que informa, a propósito da ílhava que, com base nas informações de Castello Branco, encomendara
a Manuel Rufo, de Pardilhó, um modelo à escala de 1/27.
-
Conclui (pp.
225 e 226) que havendo referências deste
barco ter sido utilizado na apanha de moliço, não será estulto admitir ter sido
a ílhava a precursora do barco moliceiro, tantas similitudes são patentes na
forma e no conceito das duas embarcações…
-
Nesse mesmo ano
de 2007, o MMI exibira a exposição A
Diáspora dos Ílhavos, no seu 70º Aniversário, de 8 de Agosto a 31 de
Outubro, em que um modelo da bateira
ílhava executado pelo hábil Marques da Silva fora vedeta. O plano, à escala
1/25, do Museu de Marinha, pertence ao desenhador e modelista, Luís António
Marques, investigador da equipa H. M. Seixas, entre 1926 e 1948.
Modelo de barco
ílhavo, em exibição, no MM
E com a força do Verão de 2011, o
livro Embarcações que Tiveram Berço na
Laguna, de Senos da Fonseca foi dado à estampa pela Papiro Editora. O autor
revelou mais pormenores sobre a embarcação e teceu as suas considerações, algo
discutíveis, mas admissíveis, pela sua viabilidade.
Já agora, seria realizável, hoje
em dia, com os associados da AMI, em causa, e os meios de que dispomos (ou não
dispomos) levar a efeito a recriação de uma ílhava
em tamanho real? – pergunta-se. A nossa embarcação identitária? E para abicar onde? Não numa rotunda…exposta às
intempéries. Na água, não duraria muito tempo – é sabido. O nosso museu,
concordemos, à parte algumas limitações, temos consciência, seria mesmo o local
de eleição.
Fica o desafio….
-
Ílhavo,
20 de Outubro de 2011
-
PS.
Este blogue está em banho-maria desde o inverno de 2010. Parece-me o momento
oportuno de ele vir a lume.
Como nas novelas…dois anos mais tarde…
A ílhava é um desejo concretizado. Chegou, no passado dia 30, ao
Museu Marítimo de Ílhavo, graças ao saber e empenhamento de uma comissão da AMI,
com a participação entusiasta e sabedora do construtor António Esteves, de
Pardilhó, de Marco Silva (que se encarregou da vela) com cobertura fotográfica
completa de Etelvina Almeida. No Verão passado, já com a ílhava em construção, Paulo Horta Carinha, reconhecendo o meu
interesse pelo assunto, teve a gentileza de me oferecer um postal antigo de
Aveiro, de que é grande coleccionador. Mostra nada mais nada menos que uma ílhava, já de menor dimensão, junto às
Pirâmides, numa fase de vida já mais tardia, eventualmente pelo segundo ou
terceiro decénio do século XX.
-
A ílhava vai ser apresentada aos ílhavos,
a 11 de Janeiro 2014, como nossa
embarcação identitária, que levou muitos
conterrâneos de antanho, por essa borda
fora, que se transformaram em colónias mais ou menos fechadas de pescadores
oriundos da zona, dando até origem a várias localidades litorâneas. Rogamos aos
ilhavenses que estejam presentes.
Ria de Aveiro, junto
às Pirâmides
-
Imagens – Do arquivo pessoal da
autora do blogue (livros, postais e jornal)
-
Ílhavo,
3 de Janeiro de 2014
-
Ana Maria Lopes
-