Quando acordei já todos
tinham almoçado. A pescaria já ia longa e produtiva. A certa altura, alguém
anuncia que viu um tubarão! Todos se aproximam para ver de que se tratava e, de
facto, era sem dúvida um animal com cerca de um metro de comprimento, que
nadava no seu vagar. Começou a comer tudo o que lhe aparecia pela frente e o
pessoal queixava-se que o animal não deixava ninguém pescar. Passados uns
minutos, apareceu outro idêntico. A tripulação chamava-lhes
"canejas". São ligeiramente maiores que os cações e a sua aparição é
frequente por estas paragens, normalmente longe da costa.
– Quem se atreve a ir
agora para a água? – Alguém perguntou.
A mim, os animais
pareciam ser inofensivos e até me apetecia ir tomar banho, mas o desconhecido
falou mais alto, porque podiam aparecer mais e a situação descontrolar-se-ia.
E, na altura, não se conseguia perceber se estas não seriam os tubarões-bebé
brincalhões e se não estariam o pai, a mãe, os tios ou os primos a tomar conta,
mais abaixo.
Mais tarde, confirmei que
a espécie é, de facto, inofensiva e que não há registo de algum animal destes
alguma vez ter atacado uma pessoa na água. Os animais querem mais é que os
deixem em paz.
Mas a tripulação não lhes
estava a achar graça. Já tinham partido algumas linhas e comido iscos, chumbos
e tudo o que lhes aparecesse no caminho. Então decidiram tentar pescar um.
Arranjaram um cordel mais grosso que as linhas de pesca normais e também um
anzol mais forte, a que prenderam uma cabeça cortada de uma das muitas cavalas
que tinham sido pescadas.
À primeira tentativa
falharam – o peixe comeu o isco mas não ficou preso. A segunda tentativa foi
ensaiada pelo mestre, que supostamente tinha mais experiência. E, comprovou-se,
porque foram bem-sucedidos, com um pequeno contratempo – o animal foi içado
para bordo e esperneava, barbataneava, rabeava e dava cabeçadas por todo o
lado. Filmei tudo e já revi. O mestre, entendido no assunto, tentou pegar-lhe
pela cauda, mas o animal foi mais esperto – num golpe de rins muito contorcionista,
conseguiu morder-lhe o braço de tal forma, que ainda hoje lá deve ter os dentes
marcados, apesar de serem relativamente pequenos. Mas antes de ir à enfermaria,
o mestre ainda teve tempo e força para o apanhar definitivamente e dar o golpe
fatal.
A pesca desportiva a que
a maioria dos instruendos e da tripulação se tinha dedicado resultou em quatro
caixas de peixe fresco. Para além da caneja que, já arranjada e pronta para
consumo por especialista, ocupava exclusivamente uma das caixas, havia (salvo
erro) por ordem decrescente de quantidade, cavalas, salmonetes, fanecas,
besugos, sargos e ruivos.
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A tripulação
encarregou-se de distribuir irmãmente o peixe pelos instruendos que quiseram
levar alguns exemplares para cozinhar em casa. A maioria dos colegas não quis
levar nada, pelo que ainda sobrou bastante. Bom destino teve, certamente.
Por volta das 5 da tarde,
o navio levantou o ferro e fez-se à barra de Aveiro. Parecendo que não, ainda
teríamos que percorrer cerca de 14 milhas, o que, à velocidade de 7 ou 8 nós dá
cerca de 2 horas.
Estava calor e soprava
uma leve brisa. À medida que o sol baixava, ficava mais frio, mas a vista
ficava mais regalada, com aquela cor alaranjada a ser reflectida pelos objectos
mais claros.
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O navio entrou a barra devagarinho,
sem a confusão que tinha havido no dia anterior de manhã, com os pescadores
desportivos e seus barquinhos. A maré estava baixa. À medida que nos
aproximávamos do cais do navio, onde já esperavam familiares e amigos,
começámos a perguntar-nos como iria atracar. Para surpresa nossa, ainda
conseguiu arranjar espaço para dar a volta, atracando por bombordo, para ficar
pronto a sair novamente.
A manobra de atracação
não é fácil, sobretudo tendo em conta que a maré estava vazia e que havia
alguma corrente e vento a dificultarem as operações.
No entanto, tudo correu
sem percalços. Tive oportunidade de verificar, com agrado, como funciona a
hierarquia a bordo, sobretudo em situações mais delicadas, como esta atracação.
Só se ouvia uma voz – a do Comandante. Por acaso, a tripulação não pareceu
estar muito treinada nestas manobras. A hierarquia intermédia parecia estar um
pouco desorientada e os marinheiros ficavam a aguardar ordens que demoraram a
chegar.
O Argus assistia impávido e sereno a todo o processo. Certamente
pensaria que algum dia pode voltar a ser a sua vez de lavar a cara e ser o
suporte para uma tal experiência, ou outras viagens mais importantes.
Toda a manobra demorou
mais de meia hora. Nós já estávamos com alguma vontade de sair, porque o dia
seguinte era de trabalho normal. Fomos buscar o peixe a que tivemos direito e,
depois de instalada a escada de portaló, lá abandonámos o navio com aquela
lágrima de saudade no canto do olho, mas cheios de tanta emoção e aventura.
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Informo que publiquei mais fotografias desta viagem no meu site de imagens, que se podem consultar através do link http://picasaweb.google.com/paulo.miguel.godinho/IdaAsBerlengasNoSantaMariaManuela
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