sábado, 10 de agosto de 2013

Ida às Berlengas no Santa Maria Manuela - I

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Foi no fim de semana dos passados dias 20 e 21 do mês de Julho que, juntamente com a minha família, embarquei no navio Santa Maria Manuela, para uma viagem pequena e quase insignificante, mas inesquecível. Iniciou-se no porto de pesca da Gafanha da Nazaré, de onde saímos em direcção ao arquipélago das Berlengas. Passámos entre a Berlenga e os Farilhões e regressámos durante a noite, em direcção ao pontal da Galega, pesqueiro que fica a cerca de 14 milhas da barra de Aveiro e a 19 milhas da barra de Leixões, para um dia dedicado a actividades marítimas diversas.
Este relato será escrito mais como repositório de memórias, já que apesar de a viagem ser pequena em distância e tempo, foi muito grande em emoção e oportunidade.
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Chegámos ao porto de pesca da Gafanha da Nazaré ainda na noite de sexta-feira, com intenção de dormir a bordo, para não chegarmos atrasados para a partida, no dia seguinte, de manhã cedo. Aquele recanto em frente à empresa Pascoal parecia ter saído de um filme dos anos 50, com dois lugres reflectidos nas águas espelhadas da ria. Via-se que o Santa Maria Manuela estava à espera de qualquer coisa. Talvez soubesse que no dia seguinte iria partir para uma pequena aventura. O Argus ainda espera melhores dias.
Tivemos oportunidade de observar o navio com alguma atenção, sobretudo por dentro e, em particular, o camarote de "instruendos" que nos estava destinado. Não era propriamente um quarto de hotel de 5 estrelas. Mas, comparando com muitas fotografias antigas que em tempos me passaram pelas mãos, estará a grande distância do "rancho" que possuía quando era novo, sobretudo no que a espaço e a conforto diz respeito. Agora, a mesa de refeições já não fica junto ao beliche... Mas também não somos propriamente pescadores nem moços de convés. Temos o privilégio de embarcar como turistas de luxo.
Não me refiro propriamente ao tipo de luxo de massas dos grandes paquetes, quais Titanic modernos. É difícil de explicar. Talvez no fim deste relato se perceba a que me refiro.
Para alegria e gáudio nossos, era a primeira vez que iriamos navegar neste belíssimo navio e também a primeira vez que sairíamos a barra de Aveiro mais de 5 milhas mar adentro. Claro que havia o medo de passarmos enjoados toda a viagem, mas as previsões meteorológicas eram favoráveis. O tempo previa-se bom e o mar previa-se calmo. As condições seriam ideais para quem fazia uma primeira viagem deste género num veleiro desta dimensão.
A manhã estava calma e nublada, típica dos meses de Verão nesta região, com a sorte de não termos sido visitados por nenhum nevoeiro traiçoeiro, que normalmente impede a vista de alcançar o horizonte.
Ao chegarmos ao canal de saída da barra, sente-se alguma emoção. As pessoas que se encontram na margem acenam e tiram fotografias. O navio retribui com um apito estridente da sua ronca, apito esse que também serve para espantar as dezenas de barcos apinhados na boca da barra, local muito apetecível para a pesca desportiva.
A maioria dos pescadores que aí se encontrava também saudava o navio, mas algumas ovelhas negras, armadas em piratas das Caraíbas, que ocupavam ostensivamente o canal de navegação, desdenhavam da sua passagem. Alguns até chamavam nomes feios, porque eram obrigados a sair do supostamente fantástico local em que se encontravam. Em particular, um deles quase era abalroado pelo navio, se não tivesse conseguido manobrar o seu barquinho depois de ter levado um berro do mestre que vigiava a proa... Depois de se ver o seu pequeno barquinho a salvo, o seu pequeno comandante só teve tempo de dizer qualquer barbaridade, que na minha cabeça ficou registada como "para a próxima desvia-te, ó sua... sua... sua baleia branca sem dentes". E eu acrescento... Mas com mastros.
 
 

Bem, 10 minutos passados, já estávamos em mar aberto, numa calma absoluta, que contrastava bastante com as pequenas zaragatas da boca da barra, que mais pareciam saídas de um bando de gaivotas nervosas, em permanente discussão à volta do seu cardume. Tudo isso ficou rapidamente arquivado nas nossas memórias mais longínquas, sobretudo depois de tudo o que se ia seguir.
O curioso da navegação marítima é que tanto faz navegarmos num pequeno barquinho a motor, como num grande veleiro ou no maior dos petroleiros. Todos eles são obrigados a ter uma bússola tradicional e a carta de navegação da zona em que navegam, por mais sofisticados que sejam os instrumentos de navegação que tenham ao seu dispor. E em todos eles se calcula a posição, se define um rumo e se repete este binómio (calcular posição, corrigir rumo) vezes sem conta, sempre corrigindo o rumo que é alterado pelo vento e pela corrente, até chegarmos ao destino pretendido.
Claro que, no caso do Santa Maria Manuela, não só estão lá a bússola tradicional e a carta de navegação, mas também equipamentos de topo, como o GPS incorporado num sofisticado programa de navegação, onde aparece a derrota real do navio marcada sobre uma carta de navegação electrónica, dois potentes radares, uma girobússola, equipamentos de comunicações e o piloto automático, entre outros que não consegui fixar. Todos estes equipamentos fazem com que já não seja necessário marcar na carta linhas de posição (como por exemplo, azimutes ou enfiamentos). Basta olhar para o GPS e sabemos onde estamos. Mas mesmo assim, a posição era marcada na vulgar carta de navegação em papel, o que certamente será muito útil, na eventualidade de avaria de algum desses equipamentos.
Alguns colegas de viagem referiram que esta era mesmo a viagem ideal. A título de comparação, explicaram que, no ano anterior, em Setembro, fizeram uma viagem diabólica. O navio atingia inclinações de 45º – diziam. Não sei se seria assim tanto, mas não deve ter sido fácil. Descreveram que não se conseguia comer porque tudo andava de um lado para o outro. Era muito difícil dormir, porque mal se conseguiam segurar para se manter em cima do beliche, quanto mais dormir...
No fim da viagem, o saldo foram muitos enjoos, uma vela rasgada, copos e pratos partidos, mas com vontade de repetir, se possível um bocadinho mais calma. Era, sem qualquer dúvida, o caso desta viagem que relato.
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Foi com grande prazer que “abri” o Marintimidades à colaboração do meu filho Paulo Miguel Godinho, dono de uma grande sensibilidade perante as “coisas do mar e da ria”.
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Costa Nova, 10 de Agosto de 2013
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