domingo, 28 de abril de 2013

O triste fim do RAINHA SANTA

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O Rainha Santa, um dos últimos navios-motores a ser construído nos estaleiros do Mestre Benjamim Bolais Mónica, na Gafanha da Nazaré, para a firma Pascoal & Filhos, Lda., foi lançado à água no dia 15 de Março de 1961.
O navio, construído em madeira, tinha capacidade para 14 000 quintais de peixe.
O bota-abaixo aconteceu segundo os procedimentos habituais, mas já com bastante menos fulgor.

Embandeirado em arco…

Características – Comprimento, entre perpendiculares, 48, 91 metros, 10,47 de boca e 5, 35 de pontal. A arqueação bruta era de 829, 61 toneladas e a líquida, de 435, 33.
Albergava 21 tripulantes e 59 pescadores.
Foram seus comandantes, João Fernandes Parracho (o Capitão Vitorino), de 1961 a 1965, João José da Silva Costa (o Capitão Costinha), de 1966 a 1972  e António Tomé da Rocha Santos (o Capitão Tomèzinho), de 1973 até à data do incêndio.
Naquele período, a vida era bastante intensa no porto bacalhoeiro da Gafanha da Nazaré e, sempre que tocava a sirene, em Ílhavo, e constava que o incêndio era a bordo ou em alguma seca, uma tal correria despontava para lá, com interesse na observação do acidente.
 
Foi o que aconteceu no dia 25 de Fevereiro de 1974. Sireeeeene…toque de fogo!!!!!!!!!!! Incêndio no Rainha Santa! E numa debandada, muita gente acudia, num misto de curiosidade e pavor.


Incêndio a bordo…

Um grande incêndio deflagrou a bordo, devido a curto-circuito na casa das máquinas – era notório. Colossal azáfama – bombeiros das corporações de Aveiro e de Ílhavo, assistentes, curiosos – um corrupio.
Segundo informação colhida no momento, o navio, dificilmente poderia ser recuperado para a pesca e, sobretudo, para a campanha próxima, para a qual se preparava. Milhares de contos de prejuízo.
 
À época, não foi muito badalado o destino do navio. Abandonado no cais durante uns tempos, esteve perto de ser desmantelado, mas acabou por ser procurado por um empresário de Avanca, segundo informação colhida na zona, Sr. José Resende, que o adquiriu à empresa proprietária com a intenção de o preservar. Projectos destes nunca foram acessíveis.
 Acabou por ter sido recuperado parcialmente e ter feito, a reboque, as últimas milhas, através do Canal de Ovar da Ria de Aveiro, em inícios dos anos 80, tendo acostado junto ao chamado Monte Branco (Torreira), transformado em restaurante/bar.
 

Ei-lo, na Torreira…
 
Nos primeiros tempos, muitos milhares de pessoas acorriam para o visitar e o negócio lá se ia mantendo. No entanto, não teve a melhor sorte, o navio – foi adornando, a procura dos seus serviços foi diminuindo, os lucros também não teriam coberto as avultadas despesas, até que, em 1989, um pequeno incêndio na cozinha do restaurante quase ditara o seu fim.
O proprietário decidiu recuperá-lo, mas perdeu o fascínio que, outrora, tivera.
Uns meses mais tarde, cerca de 1990, um intenso clarão iluminou num fulgor as resplandecentes e calmas águas da ria e acabou por fazer desparecer o navio branco, no lugar do Monte Branco.
Ainda hoje, uns resquícios de estacaria carcomida e carunchosa foram falados e serviram de referência à colocação das bóias, por ocasião da última regata de moliceiros, nas festas do S. Paio.

Entre uma clareira, ao longe, o Rainha Santa

Na última imagem, em 1985, quando, à época, observava e fotografava o concurso de painéis de moliceiros, na festa do S. Paio, lá se avistava entre uma clareira de barcos, o Rainha Santa. Saltou-me de novo aos olhos, quando, mais uma vez, folheava Moliceiros – A Memória da Ria (2ª edição), p. 201, foto 157.
 
Imagens do arquivo pessoal da autora do blogue.
 
Costa Nova, 25 de Abril de 2013
 
Ana Maria Lopes
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domingo, 21 de abril de 2013

Quando o moliço era REI (anos 50)

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Sempre que me vêm à mão imagens desta qualidade, não desperdiço a oportunidade de as observar atenta e minuciosamente, e logo que surgida uma oportunidade, de as divulgar. Nunca são demais, dado o seu encanto. Imagens destas, vi-as vezes sem conta nas lonjuras do Canal de Mira, frente à Costa Nova.
 
A sedução da ria com as suas esbeltas embarcações moliceiras fazia-nos largar de supetão o que quer que houvesse a fazer. E logo os olhos e o espírito vogavam para perto delas.

 
Ora, aquelas agora chegadas à mão têm como paleta de fundo a água espelhada do Canal do Boco, mais concretamente entre a Ponte de Água Fria (Vagos) e a antiga Ponte de Fareja. As mesmas mostram os amanhadores da ria a encaminharem-se para montante, para o Cais das Folsas Novas, no Boco.


Em procissão, os moliceiros, de vela enfunada, com vento de popa, à ida, contrastam com o pano bamboleante, no regresso.

 
Da imagem e da quantidade das preciosas ervagens, ressalta a quantidade de tráfego lagunar, à época. Tanta embarcação carregada faz-nos perceber o número de malhadas necessárias para o seu comércio, sitas ao longo das margens lagunares, de norte a sul.


Em cortejo, os amanhadores da ria


Efeito em contraluz

 
Os dois belos cisnes norteiros, na sua elegância e graciosidade, de velas ao vento, vogam sobre as águas calmas e brilhantes da ria, já mais leves, de regresso ao Norte.


De regresso ao Norte
 

Um matola menos esbelto no seu breado negro, de regresso a casa, mira-se atrevido entre os seus pares, nas águas lagunares que correm sedutoras, entre margens verdejantes, enfeitadas de ervagens e arvoredo, reflectidas no espelho lagunar. O céu, salteado de novelos de algodão, completa a sublime paisagem.
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Matola solitário voga nas águas, para sul


Fotos da autoria do Dr. Armando Vieira Teles, cedidas por Jorge Manuel de Moura Vieira Teles.
 
Ílhavo, 21 de Abril de 2013
 
Ana Maria Lopes
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sábado, 13 de abril de 2013

Modelo da bateira labrega

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Pela Páscoa, o Amigo Marques da Silva trouxe o modelo da bateira labrega, texto e tudo. Veio a papinha toda feita – só fui fotografar, lanchar e cavaquear. Assunto, nunca falta.
Refere MS:
 
Quando pela primeira vez consultei a obra de D. José de Castro, Aveiro – Estudos Etnográficos, foi com alguma surpresa que vi aplicado o nome de bateira labrega a uma determinada embarcação da ria de Aveiro.
Não quero dizer que tenha pretensões de conhecer todos os tipos de bateiras, mas conhecia alguns e fiquei deveras curioso por nunca ter ouvido falar desta.
Será que tinha desaparecido por completo?
Fui à Torreira e procurei, perguntei, fotografei, mas não consegui encontrar o que procurava, nem alguém que me desse dela alguma informação.
Verifiquei posteriormente que tinha seguido o rumo errado, pois se tivesse procurado pela Costa Nova, teria aí encontrado o esclarecimento para a minha ignorância.
A Dra. Ana Maria Lopes não só sabia bem da sua existência, como tinha na sua colecção muitas e boas fotografias de A PRETA, bateira do Ti Tainha, pescador murtoseiro, que trabalhava com a armação da rede do salto.
Como é notável a descrição desta arte, feita pela nossa cara amiga, que embarcou nesta bateira e fotografou todo o trabalho de uma maré desta pesca.
 

A labrega do Ti Tainha

 
Surgiu então a lembrança de procurar arranjar elementos fiáveis para construir o modelo desta antiga embarcação.
A oportunidade despontou através da Dra. Etelvina Almeida que nessa ocasião trabalhava na elaboração da sua tese de Mestrado, em Design, que versava este assunto.
Havia um plano de construção muito detalhado, da autoria do Sr. Arquitecto Fernando Simões Dias, resultado do levantamento por ele efectuado a uma destas bateiras, talvez a última ainda existente, encontrada na Murtosa, na praia da Bestida, de nome ROSINHA, com algumas adulterações.

 
Rosinha na Bestida

 
Foi assim que, com o seu amável consentimento, comecei a construção da minha labrega, baseado neste detalhado plano de formas.

Modelo de MS, em andamento

 
A bateirinha que agora construí, que na verdade ainda faltava à minha colecção, vai chamar-se A PRETA e terá o número de registo A1440L.
É uma pequena homenagem não só a quem soube conservar esta relíquia, como também a quem, com o seu gosto e saber, soube preservar dela tão boas memórias.


Proa do modelo

 
Construí este modelo tal como os anteriores na escala de 1/25 e utilizei madeira de limoeiro nas cavernas e nas rodas, e choupo nos costados. Preparei os remos de tola, o mastro, a verga e as varas de ramos de ameixieira, a vela de algodão, a rede de gaze e a fateixa de arame de cobre.
O casco, o leme e as dragas foram pintados de preto, por ser essa a cor usada pelo Ti Tainha.
 

O modelo, à vela

 
Verificando agora com o é notória a semelhança desta embarcação com as bateiras da Afurada e as dos Avieiros, sou levado a acreditar ter sido esta a que, no passado, foi levada pelos emigrantes murtoseiros e ílhavos, na sua diáspora.

 
Pormenor do interior, à ré

 
As medidas reais encontradas são:
Comprimento………. 8,30 metros
Boca…………………1,70
Pontal………………. 0,50 metros
Nº de cavernas……….12


Caxias, 18 de Março de 2013

António Marques da Silva

 
Fotografias – Arquivo pessoal da autora do blogue


Ílhavo, 13 de Abril de 2013

AML
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sábado, 6 de abril de 2013

Travessia na Vista-Alegre nos anos 50

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Uma paisagem que sempre me encantou – a travessia do Canal do Boco, entre as traseiras da quase bicentenária Fábrica da Vista-Alegre e a Gafanha da Boavista – com a sua luminosidade, a água espelhante, a barca de negro embreada, timonada pelo barqueiro (Ó, da barca!...), a simplicidade tosca do trapiche… Hoje, figura humana enriquece a paisagem. Mulher das Gafanhas…
 
Mulher de trabalho, de pés descalços, veste com grande simplicidade: saia lisa, ajustada e avental florido pelo meio da perna anafada. Blusa garrida e estampada, de manga comprida. Carregada, quereria passar para a outra banda.
 
O xaile típico, supostamente amarelado, de lã, com cadilhos torcidos, caindo pelas costas, dobrado em diagonal, sustido no braço esquerdo, envolve a afadigada mulher. Segura à cabeça, em equilíbrio, um cesto de vime, pejado de lenha que acarreta para casa. Para atear a fogueira onde as crianças se aquecerão enquanto cozinha, durante o inverno?


De perfil…
Ó da barca!...
De frente, com rodilha a proteger-lhe a cabeça, de cabelo apanhado, faz prova de esforço, com os braços em asas de ânfora, que sustêm e equilibram o peso da lenha.
 
Poderia ter inspirado algum escultor da VA? Existe uma figura de mulher – tricana –, policromada, de cantarinha à cabeça, que, de algum modo, me lembra esta mulher.


De frente, para a fotografia


 
Ó da barca!...

E a grande e negra barcaça aproxima-se lentamente, para transportar a esforçada passageira. Vidas e destinos!..............
Ó da barca!...
Fotografias - Gentil cedência de familiar de Cândido Ançã
Ílhavo,  6 de Abril de 2013

Ana Maria Lopes
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segunda-feira, 1 de abril de 2013

INÁCIO CUNHA - grande dia! - 2

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(Cont).

 
Cortado o cabo a que fixa o berço onde pousa o navio, pela multidão dos presentes paira um sussurro de expectativa: o saber se o berço desliza pela carreira. Há momentos, breves segundos, em que o navio parece soluçar e ganhar forças para se atrever a deslizar no plano inclinado.
 
Ganha a impulsão suficiente, capaz de ultrapassar o atrito das forças em questão; o navio arranca, primeiro hesitante, logo depois num movimento redobrado. E lá vai…
Todo o mundo fica suspenso: – a sua entrada na água.
 

Entrada na água

 
A popa mergulha na ria, momento crucial que testa a sua estabilidade.
Tomba? Não tomba? E eis que com uma ou outra ligeira inclinação, o navio desliza soberbo, leve, parecendo apressado, afastando-se da carreira.
 

Começa a flutuar… 

Momento de azáfama em que os rebocadores FOZ DO VOUGA proa) e CORONEL GASPAR FERREIRA popa),  se apressam a lançar cabos para o agarrar e trazer de volta. 
 

Rebocadores, ao serviço…

 
O navio suspende, «ferro a pique», não vá o diabo tecê-las e ser necessário uma manobra de emergência para o fundear de imediato. Agarrado de proa e de popa em manobra conjunta, o INÁCIO CUNHA aproxima-se do cais que lhe está destinado para os trabalhos de acabamento.

 
Majestoso e flutuante

Satisfiz, suponho, a curiosidade da amiga Etelvina. E de tantos outros, que, até pela mais tenra idade, não tiveram oportunidade de assistir a estes acontecimentos.
 
Quando hoje abordamos, em passeios lagunares, os Estaleiros de S. Jacinto, quem ousará dizer que naquelas carreiras deslizaram centenas de navios saídos das mãos daqueles que tão sabiamente lhe sabiam dar forma e vida.
 
Quando, em 1997, já quase com trinta anos, foi vendido ao Grupo Silva Vieira, tendo sido registado com o nome de JOANA PRINCESA, lá se foi, com mágoa, «um pedacinho» de mim.
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Fotografias – Arquivo pessoal da autora
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Ílhavo, 1 de Abril de 2013
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Ana Maria Lopes
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