Começar
é fácil…e depois? Como transmitir tanta emoção?
Em
conversa com a amiga Etelvina, no facebook,
a propósito do bota-abaixo da antiga, mas reconstruída lancha da carreira (Forte/S. Jacinto), PRAIA
DA COSTA NOVA, palavra puxa
palavra, e a Etelvina puxou pelas oportunidades, que, certamente, terei
tido na vida de assistir ao bota-abaixo de «grandes» navios. E acertou! Não
teria sido de nenhum Titanic, mas de
vários navios-motor, sobretudo nos Estaleiros Mónica e, de outros, mais tarde,
nos Estaleiros de São Jacinto. Hoje desactivados, estropiados e abandonados.
O
facto de estarmos em conversa perante o feliz acontecimento da tentativa de dar
nova vida à lancha histórica, fez-me ocorrer à memória, precisamente, uma travessia
efectuada numa outra lancha, algo
idêntica à PRAIA DA COSTA
NOVA com
a intenção de irmos, eu e Família, a S. Jacinto, assistir ao bota-abaixo do Inácio Cunha. Dia zarro, em que a ria estava encabritada,
toldada pela mareta, que batida pela surriada vinha respingar nas vidraças
das janelas da lancha. Nas caras de alguns convidados o balanço da embarcação
quando entrou no canal, com a maré a bater-lhe pela amura e a sulada a
bater-lhe pela amura de popa,
registei algum empalidecer e até alguns gritinhos logo abafados, por vergonha
dos restantes. Desembarcados no cais do Labareda,
lá foram os convivas, de procissão até à carreira,
onde majestoso, pousado no seu berço
de construção, o Inácio Cunha
esperava a benzedura, o partir da garrafa na roda de proa para então deslizar,
majestoso e apressado ao encontro da água por que há muito ansiava. Na sua
construção gastaram-se mais de 365 dias (a quilha tinha sido assente em 6 de Novembro de 1968), até que as suas
formas elegantes, lançadas, esguias e harmoniosas, ficassem, por fim, acabadas.
Bota-abaixo
é sempre sinónimo de nascença, dia festivo a recordar na vida da embarcação, data
que ficará para sempre gravada na sua ponte de comando. Essa satisfação ajudava
os presentes, a suportar o dia invernoso de fins de outono, de fortes bátegas
tocadas pelo vento.
O
meu pequenote, o Pedro, com 3 aninhos, ficou em casa, dado o temporal. Prontos
para o evento, seguiam na lancha eu e o Jorge, meus Pais e a minha Avó, que,
embora sendo a menos jovem, estava sempre pronta para participar em festejos do
género.
Na carreira…
Dia 22 de Novembro de 1969. Pelas 15 horas,
a maré não esperava. O navio, cuja mostra das
obras vivas tornava ainda mais imponente mostrando o arcaboiço apropriado
para o desempenho da exigente tarefa que lhe estava destinada – o arrostar com
as tempestades nos mares do Norte, quando não o abrir gelo num campo branco que
teria de ser quebrado para sua passagem e libertação – não deixava de
impressionar.
Em
dia festivo não faltava o mariato, código
sinalético expressamente colorido, vistoso, próprio para chamar a atenção ao
receptor da mensagem, esvoaçando ao vento, que conferia um colorido proa à popa.
O
INÁCIO CUNHA, de seu nome,
era uma moderna unidade, arrastão de arrasto pela popa, construído em aço, destinado à pesca longínqua.
Foi
a construção nº 83 do Estaleiro, tendo uma arqueação bruta de 1547 toneladas,
comprimento FF de 80,32 metros, boca
de 12,50 e pontal de 8, 09 metros.
Dois motores Diesel concediam-lhe a apreciável velocidade de 15 nós. O custo
foi de cerca de 50 000 000$00.
Recordo-me
de três dos seus comandantes – José Ângelo Ramalheira, António Manuel São
Marcos e José Alberto Senos Ramalheira. Muitos outros ilhavenses e, não só, aí desempenharam
variadas tarefas, com proveito assinalável, já que o Inácio Cunha iria ser um campeão da pesca ao longo da sua
vida.
Fornecidas
as principais características técnicas, retomemos a que pretende ser uma emocionante
narrativa.
Convidados na tribuna
Junto
à popa, montava o estaleiro uma
espécie de tribuna ornamentada, onde recebia os convidados. No caso presente não
eram muitos, dado o recente falecimento do Sr. Silvério Amador, sócio da
Empresa proprietária, Testa & Cunhas, Lda.
Como
era hábito, a bênção foi dada pelo Pároco da Gafanha da Nazaré, Sr. Padre
Domingos Rebelo dos Santos, aspergindo-o e pedindo, para o navio e tripulação,
os bons ofícios do divino.
–
Que Deus o acompanhe!!! e o traga de volta com todos os seus tripulantes. De
boa saúde e fartas pescas, terminaria o Padre Domingues a sua prédica.
Bênção…
A
D. Adília Marques da Cunha Miranda, que já amadrinhara,
em 1945, o navio-motor do mesmo nome,
cortou então a fita que arremessava a tradicional garrafa de espumante contra a
imponente roda da proa da nova
unidade, fazendo-a em bocados, esguichando champanhe por todos os lados. Era o
sinal para deixar correr o navio para a água.
Momento alto!...
(Cont).
-
Ílhavo,
27 de Março de 2013
Ana Maria Lopes