Há
um bom par de meses que não estava uma tardada, agradável e profícua, com o
Amigo Marques da Silva, «naquelas» suas visitas à Gafanha.
O
mês de Agosto com a família e, sobretudo, as crianças, pela Costa Nova, não
facilita estes encontros. São férias de Verão da avó e da criançada.
Mas,
ontem, aconteceu, e de lá vim quase às oito horas da tarde. Pôr as conversas e
os conhecimentos em dia e, principalmente, observar, apreciar, fotografar a
bela miniatura com que o meu amigo se
presenteou – A barca da Junta. Melhor do que tudo, é ler o texto que também
escrevinhou.
Estando certo
dia no Jardim Oudinot, junto ao canal do mesmo nome, recordei uma embarcação
que também navegava nas águas desta ria e que entendo deve ter direito a ser recordada.
Como é do
conhecimento das pessoas da nossa região, dava-se o nome de barca aos
mercantéis, às mercantelas e até às bateiras, utilizadas no transporte de
pessoas e bagagens, entre povoações próximas das margens da ria.
Eram as “barcas
de passage” que ainda no meu tempo trabalhavam da Bestida para a Torreira, da
Gafanha da Encarnação para a Costa Nova, da Boavista para a Vista Alegre e do
Forte da Barra para S. Jacinto.
Nesta última
algumas vezes remei. Era uma bateira, que me levava a mim, à minha bicicleta e
à senhora que vinha buscar a saca do correio, transportada pela camionete da
carreira que ligava Aveiro à Costa Nova.
Além destas
“barcas de passage” ainda havia outras embarcações a que se dava o nome de
barcas. Eram as “barcas da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro” – JARBA –, que amarravam a moirões ao
longo da margem deste canal, que eu agora estava a atravessar pela nova ponte,
aqui construída.
Aos meus olhos
apareciam hoje como eu as recordava. Grandes, de proa igual à popa, com
pequenas cobertas a vante e a ré, onde os dois tripulantes as governavam a
reboque das lanchas, ou à vara, porque não tinham qualquer mastro ou vela.
Eram pretas por
fora e normalmente também por dentro, quando transportavam as lamas que as
dragas iam retirando dos vários canais da ria.
Tendo em vista a
preparação de formas para construir um modelo de uma destas barcas, procurei
junto de alguns amigos o maior número possível de informações. Felizmente reuni
um apreciável número de boas fotografias que não só as mostravam amoiradas no
canal, mas ainda nas mais variadas tarefas, sempre relacionadas com as obras
das margens, das pontes e dos canais da ria.
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Esteiro do Oudinot, antigamente
Até apareceu
uma que nos mostrava a estrutura de um bate-estacas, montado numa destas
barcas, em trabalhos na praia da Cambeia.*
Zona da Cambeia – Canal de Mira
Porque não
tentar a sua reprodução?
O mestre José
Vareta, com quem também conversei, recordava-se que as medidas muito
aproximadas seriam: comprimento quinze metros, boca, três metros e pontal,
oitenta ou noventa centímetros. Dizia ainda que eram de fundo plano, de
cavernas alternadas como os outros barcos, com fortes cinta e draga, mas pouco
tosado.
Considerando que
com estes elementos, com as fotografias e a ajuda da memória, já era capaz de
fazer o plano de formas, pus então mãos à obra.
Pronto o
desenho, comecei a construção da barca que logo começava a mostrar a forma que
se pretendia e que eu recordava.
Como de costume
utilizei na construção deste modelo madeira de limoeiro no cavername e nas
rodas e de choupo nos costados.
Resolvi construir
e montar-lhe um bate-estacas como se via na fotografia e mais uma vez a memória
e o saber do mestre Vareta foram de vital importância.
Vista lateral da barca
Pintei o casco
de preto, da cor do breu e o bate-estacas acastanhado, da cor do breu louro.
O tirador e os
oito tirantes de levantar o peso, fi-los de algodão castanho.
Outra perspectiva
Preparei ainda
uma estaca como as que se utilizavam nos trabalhos da ria com o bico de metal.
Como é meu
hábito utilizei também para este modelo a escala de 1/25.
As medidas desta
barca são:
Comprimento
……………15.00 m
Boca…………………………….3.30
m
Pontal
…………………………0.95 metros
Nº
de cavernas …………19
Lisboa, 1 de Setembro de 2012
António Marques
da Silva
*Vide Exposição Histórico-Documental do Porto de
Aveiro – Um imperativo histórico. Aveiro,
1998.
Claro,
como também me lembro de barca idêntica, na travessia da Vista Alegre para a
Boavista! Anualmente, na Costa Nova, quando aquelas singelas dragas negras, de
alcatruzes, dragavam o canal da «barca da passage», lá vinham em fieira umas
tantas barcas de diversos comprimentos, para transportar, à vara, a lama para
as margens.
Hoje,
já não há esses cuidados retrógrados, nem outros mais progressistas e o canal
da barca vai assoreando.
Para
animar a conversa e avivar as memórias, por lá passou também, acidentalmente, o
mestre José Vareta, obreiro de grandes peças de construção naval, para ver esta
pequena maravilha, para a qual também deu o seu precioso contributo.
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Ílhavo,
27 de Outubro de 2012
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Ana Maria Lopes
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