segunda-feira, 2 de maio de 2011

O lugre Maria das Flores - 1

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A construção do lugre Maria das Flores, no Bico da Murtosa, sempre me despertou bastante interesse. Havia, porém, pormenores, que me escapavam. Que procurei esclarecer antes de fazer a abordagem do acontecimento, apesar do empenhamento posto na acção.

Acreditava que, mais tarde ou mais cedo, viesse a descobrir a «chave» que me faltava. Assim foi. Veio-me praticamente parar às mãos. Partilhá-la com os interessados talvez não seja má ideia.

Segundo notícias do jornal da época, O Ilhavense, no dia 18 de Fevereiro de 1946, pelas 16 horas, num estaleiro do Bico da Murtosa, ter-se-á consumado o bota-abaixo do lugre de três mastros, com motor, construído em madeira, Maria das Flores.

Foi construído por José Maria Lopes de Almeida, construtor de Pardilhó, proprietário do referido estaleiro, para João Carlos Tavares, (de alcunha, João da Albina), residente em Estarreja.

O novo lugre tinha cerca de 50 metros de comprimento, por 10,30 m. de boca e 4, 85 m. de pontal. Deslocava cerca de 700 toneladas. A capacidade dos seus porões permitir-lhe-ia armazenar 10 000 quintais de bacalhau. Alojava 50 pescadores, servidos por 57 dóris, mais 11 tripulantes. Estava equipado com um motor de propulsão de 340 H. P. e mais dois motores auxiliares: um para a câmara frigorífica, e um outro para a produção de energia eléctrica.

Há muito tempo que no Bico não acontecia nenhum bota-abaixo de construção com envergadura. O último teria sido o lugre Maria da Conceição, em 1922, obra de mesmo Mestre Lopes de Almeida, e igualmente destinado à pesca do bacalhau (irá naufragar com água aberta, em 1929).

Por isso, segundo a mesma fonte, o acontecimento revestiu-se da maior solenidade.

A esposa do Sr. João Carlos Tavares deu-lhe o nome, e a filha mais velha partiu a simbólica garrafa de espumante, no costado do barco, após a bênção dada pelo Padre Miguel Henriques.

Tudo parecia decorrer dentro da normalidade.



O Maria das Flores na carreira


Mas, cortado o cabo da bimbarra, o navio, porém, não deslizou imediatamente, procedendo-se então aos trabalhos próprios de emergência, até que 45 minutos depois, o Maria das Flores deslizou na carreira para ir encalhar no lodo da ria.
A multidão, cerca de 2000 pessoas, aplaudiu, entusiasmada, acenando com lenços e batendo palmas de regozijo.
Mestre e proprietário foram muito felicitados; seguiu-se o habitual porto de honra servido aos convidados.

Foi primeiro comandante do Maria das Flores o Sr. Manuel Pereira Teles, imediato o Sr. Francisco Soares de Melo, contra-mestre, o Sr. Manuel Pires Júnior, motorista o Sr. José Pereira e cozinheiro, o Sr. Manuel José Rodrigues da Preta, todos de Ílhavo.

Houve grande cobertura jornalística relativamente ao evento, apresentando os principais jornais nacionais algumas disparidades no seu relato.

(Cont.)

Ílhavo, 2 de Maio de 2011

Ana Maria Lopes
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4 comentários:

  1. Lindo prefácio para uma descrição e ilustração que se nos afigura de enorme valor e pormenor técnico.
    Agora não nos faça esperar muito mais tempo...
    Parabéns
    JR

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  2. Viva,
    Obrigado por este lindo momento de partilha.
    O motorista José Pereira, era o meu falecido Pai. O imediato Sr. Melo, foi mais tarde Piloto da Barra Douro-Leixões e chegou a ser meu colega.
    O Capitão Manuel Teles, e a Esposa (D. Deolinda) foram Pais dos oficiais da Marinha Mercante (João e António).
    Mais uma vez, o meu sincero obrigado por esta homenagem a estes grandes seres.
    Cumprimentos,

    José Ramos Pereira

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  3. Fico à espera da continuação.
    Obrigada por nos contar todos estes acontecimentos com grande entusiasmo. Isso pega-se Sabe?

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  4. Uma bastante pormenorizada e ilustrada descrição do lugre MARIA DAS FLORES, que na minha infância nas idas à Murtosa com meus pais de visita a familiares vi o evoluir da sua construção. Já mais tarde também no Bico da Murtosa encontrei um outro lugre, cuja construção ficou parada e como tal foi-se degradando até um dia ter desaparecido.
    Como é sabido, na parte norte da ria, através dos tempos, foram lançados à água alguns navios, e até em Ovar construíam-se típicas fragatas do Tejo, que apesar do seu pequeno porte, era uma dificuldade enorme para as levar para a barra, mas tudo se resolvia.
    Parabéns e continue que nós apreciamos as suas postagens
    Saudações marítimo-entusiásticas
    Rui Amaro - Foz do Douro

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