terça-feira, 12 de maio de 2009

Atlântico - Navio Perdido...



Há muito que os naufrágios na barra de Aveiro, nos princípios do século XX me atraem, mas, só há uns tempos, tive disponibilidade para me entregar mais à sua redescoberta.
Em pesquisa sistemática do jornal “O Ilhavense”, eis que a notícia do encalhe do lugre Atlântico, nos finais de 1925, no regresso dos bancos da Terra Nova, me fez pensar e revirar os apontamentos.

Para chegar ao lugre Atlântico, tive de regredir no tempo e com trocas de impressões com amigos interessados, parece que cheguei a porto seguro…

Pesquisa ali, pesquisa acolá, listas de navios, jornais, catálogos e o tal “puzzle” marítimo encaixa gradualmente.

O lugre Atlântico, ex-Dolores, de madeira, (tendo navegado sob bandeira dinamarquesa com os nomes de Urda, de 1892 a 1907, e Sylphe, de 1907 a 1909), foi construído em 1892, em Odense, Dinamarca, por N. F. Hansen. De comprimento, media, entre perpendiculares, 33,85 metros, 7,40 m. de boca e 3,14 de pontal. Registava uma arqueação bruta de 152, 68 toneladas e líquida de 101,10.
A partir de 1910, surge registado no porto de Aveiro, com o nome de Dolores, tendo sido seu capitão até 1916, António José dos Santos e Augusto Fernandes Pinto (1916 e 1917).
Por informação da lista de navios portugueses de 1914, temos, então, a certeza de que era, pois, pertença da Parceria Marítima Aveirense e foi-o até 1917.

Lugre Dolores


Entre 1918 e 1921, passou para a Companhia Aveirense de Navegação e Pesca, mudando o nome de Dolores para Atlântico, em 1920.
Alcançámos o Atlântico…
Por ele passaram os Capitães Jorge Fort’Homem (1919 e 1920) e Joaquim Gonçalves Guerra (1921).
Mas, a dança das sociedades não pára e a partir de 1922 até 1925, é propriedade da Parceria Marítima Africana.
De 1922 a 1924, inclusive, comandou o Atlântico Adolpho Francisco da Maia e no ano de 1925, assumiu o mesmo cargo o ilhavense Marco Luís Fraco, para quem estava reservada a desdita do fatídico sinistro.

Por informação da Marinha, o Atlântico naufragou por encalhe a sul da barra de Aveiro, em 30 de Outubro de 1925, por motivo de avaria no leme, tendo sido salvos todos os tripulantes, através do cabo de vaivém.
O relato do nosso jornal é muito mais emocionante e pormenorizado, pelo que me selecciono alguns parágrafos:

Quando ao largo da barra pairava uma quantidade de navios esperando a entrada no porto […], o rebocador Vouga tentou sair, não o podendo fazer em consequência da agitação do mar.
Entretanto, o Atlântico vendo o sinal do Forte, foi-se aproximando, à espera de ocasião propícia. Como o rebocador não se aproximasse […], o navio veio singrando ligeiro, passou o banco de areia e, ao chegar perto da “Meia-Laranja”, ficou sem governo, em consequência de uma vaga lhe ter despiado a gaiúta e esta ter quebrado a roda do leme.
De terra, onde uma multidão esperava a entrada dos navios, ao ver-se que o Atlântico corria o risco de se perder, houve um grito de angústia por aqueles marinheiros, que estavam prestes a serem tragados pelas ondas, tão perto de suas famílias e seus lares!
Sem governo, à mercê do vento e da corrente […], o Atlântico é arremessado pelas vagas que lhe varrem o convés, um pouco a sul da Meia-Laranja. Na impossibilidade de salvação do navio, o capitão ordena que a tripulação (no total de 28 homens) se prepare para o abandonar. Estava salva a tripulação!

Com a vazante da maré, iniciaram-se os trabalhos de recuperação dos salvados e de grande parte da carga, constituída por 2 200 quintais de bacalhau.

Ao local acorreram milhares e milhares de curiosos, de Ílhavo, Aveiro, Gafanhas, Costa-Nova, para verem o navio naufragado.

Pena é que entre tantos “mirones”, nenhum tivesse feito disparar a objectiva, de modo a que um documento visual tivesse chegado, hoje, até nós, para enriquecer a narrativa, já por si, tão forte e impressionante!

Fotografia amavelmente cedida pelo MMI.

Ílhavo, 12 de Maio de 2009

Ana Maria Lopes

9 comentários:

  1. Boa noite.

    Ainda que sem uma qualquer foto do naufrágio, a que nos oferece no seu artigo é bem bonita.
    Parabéns pelo trabalho que teve em reunir esta informação sobre um lugre tão antigo e que agradecemos sempre.

    Atentamente,
    www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt

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  2. O Lugre Atlantico tinha pressa de entrar a barra, éra assim nesses tempos e agora também,o pescador na hora de regreçar tém sempre pressa de chegar ,éram as saudades .
    Eu lembro-me uma das vezes que chegamos a barra de leixões ,como éra tarde já com o sol posto quase anoitecer ,ficamos ancorados para o dia seguinte ,o pior foi alguns da rapaziada que queriam ir a nado para térra estava-mos tão proximos que se viam as mulheres dos pescadores no cais a assenar só que ficou para o outro dia que chatiçe foi mesmo uma noite sem pregar olho tudo ao barulho e sei lá que mais,mas tudo se passou,mas lembrando esta história do lugre Atlantico ,com certesa que é de arrepiar ,infelismente aconteçeu ém muitos navios ao longo da história e porque tinha que ser ém Aveiro ainda pior ,porque as condições da barra não dava muitas garantias bém pelo contrario ainda para mais navios a véla ,éram outros tempos ! Mande mais Dra BÉM-HAJA ,COMPRIMENTOS .JAIME PONTES

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  3. Acerca do "Dolores",algumas questões:
    a) António José dos Santos não é o "capitão Rocheiro" ?
    b)Não sendo o nome Dolores muito vulgar em Portugal,é curioso que na meninice ouvisse dizer que um armador de Espinheiro tivesse um navio Dolores,nome de sua filha.
    c) Rocheiro e esse armador pertenciam a uma Parceria Marítima(mas não sei se era Aveirense...)

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  4. Deixo as seguintes perguntas/observações:
    1 . António José dos Santos não seria o nome do "capitão Rocheiro"?
    2 . Sendo "Dolores"um nome raro em Portugal,dá-se a coincidência de um armador de Ílhavo(eventualmente "parceiro"(de PARCERIA...)do capitão Rocheiro ter tido um navio "Dolores",não sei de que características.Tinha uma filhinha DOLORES.Morreu a bordo de outro seu navio,ao largo do Cabo Raso.Morava na sua Rua.(CASCI...)
    "kyaskyas@sapo.pt.

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  5. Continuei,até tarde,a "passear"no seu blogue.(Por inépcia,não vendo aparecer o meu comentário ao "Dolores",acabei por repeti-lo,como "anónimo".Consultando os blogues de Março 2009,acerca do "Capitão Pisco"(seu Avô ?...)Acabei por saber que ele andou em outro barco importado,que em 1920 acabou por ser registado em Aveiro,como "ALCION",precisamente pelo capitão "Rocheiro".ou seja,António José dos Santos.
    Visitei o Alcion,onde pela primeira vez comi pão de farinha americana,e - talvez -bolachas tipo "Araruta".

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  6. As lembranças são como as cerejas.
    1 . Dei o endereço Marintimidades a outro ilhavense que tem feito grandes pesquizas sobre barcos relacionados com a mesma família.
    2 . Num dos seus artigos(pela pressa não o procuro...)fala no navio "Anfitrite".Recordo uma foto,salvo erro da "Ilustração Portuguesa",do bota-abaixo do "AMPHITRITE"(Sic.),num estaleiro de Vila do Conde,se não erro...Sem querer forçar a memória,tenho ideia de pertencer ao tal armador de Espinheiro.(no todo,ou em sociedade com alguém,como era uso.)(Parceria ?...)E agora seria arriscar muito dizer que foi no Amphitrite que morreu aolargo do Cabo Raso...
    Cumprimentos.Kyaskyas@sapo.pt.

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  7. Bom dia:
    Só agora, pois tenho tido inúmeros afazeres, para o senhor, que, francamente, não sei quem é, importava-se de me dizer onde chegou à conclusão ou que documentos consultou que o levem a afirmar que o meu avô, Manuel Simões da Barbeira, conhecido por Capitão Pisco, andou, em 1920,no Alcion?
    É, de facto, o único ano, na sua vida marítima, que, até à data, não tinha conseguido localizar.
    Se assim for, fica completo o seu percurso marítimo .
    Antecipadamente grata, envia cumprimentos.

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  8. Doutora Ana Maria :
    A referência ao seu Avô no Alcion obtive-a,forçosamente,no seu site,não sei agora onde,mas como li principalmente as referências aos navios naufragados,por exemplo o Dolores,deve ter sido aí.
    Como escrevo "de oitiva",não posso adiantar mais.E posso ter errado,por essa razão.
    Cumprimentos.
    kyaskyas@sapo.pt.

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  9. (continuação do comentário...)
    Doutora Ana Maria
    Fiquei embaraçado com o problema por si levantado sobre o ALCION,porque não sabia onde fora buscar essa referência,tão importante para si.Sabia que tinha andado a "navegar"pelo "Marintimidades",que fiz larga colheita de reproduções,mas aleatoriamente.Voltei a pesquizar,e chego à conclusão que "tresli",precisamente do seu "post"de 29/3/09 "As viagens do Avô Pisco".Ele comandou o antecessor "Figueira",de 15 a 17,e eu,certamente pelo adiantado da hora,"arrastei-o",em 1920 para o "ALCION",sucessor do Figueira.
    Releve-me,e aceite os cumprimentos do (por enquanto...)"kyaskyas".

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