O Maria Frederico, navio de madeira, armava em lugre de três mastros, com motor auxiliar.
Media 48,40 metros de comprimento, 9,40 m. de boca e 4,50 m., de pontal. Tinha motores especiais para água, bombas e guincho.
Houve especial cuidado com as instalações da tripulação, para 42 homens, à proa, e mais 10, à ré.
Equipado com T.S.F., era accionado por um motor Deutz de 150 HP. Tinha vastos porões, para perto de 9 000 quintais de bacalhau e deslocava cerca de 800 toneladas.
Esta nova unidade, com traçado do engenheiro naval Valente de Almeida, foi construída por António Pereira da Silva, na Gafanha da Nazaré, nos estaleiros privativos da Empresa de Pesca de Portugal, Lda., de que era gerente, à época, Francisco António de Abreu.
Raro postal editado pela Empresa
O seu bota-abaixo foi a 26 de Novembro de 1944, tendo sido madrinha da nova unidade, Maria Frederico Branca de Abreu, filha do gerente da empresa.
A Gafanha da Nazaré, como sempre, transbordava de gente, alegria e movimento; todos os caminhos iam dar ao estaleiro. Camionetas, automóveis, lanchas da carreira, bicicletas, acarretavam curiosos e convidados.
Jornalistas, enviados especiais, uma brigada da Emissora Nacional, operadores de imagem, autoridade, todos ali estiveram para assistir ao acto sempre emocionante e comovedor.
Depois das etapas próprias do evento, isto é, do quebrar da garrafa simbólica de espumante, da bênção da nova unidade e dos discursos da praxe, cortaram-se as últimas escoras e o construtor, em nome de Deus, da Empresa e a Bem da Nação, convidou o Sr. Comandante Tenreiro a cortar o cabo da bimbarra.
Chincalham ferros, estrondeiam escoras, rangem madeiras, e todos fixam os olhos no navio, que deslizando serenamente, primeiro, e com mais velocidade depois, percorre a carreira ensebada, fazendo um pequeno arco, enquanto lá de cima o capitão ilhavense Mário Paulo do Bem e alguns marinheiros, acenam comovidos.
Em terra, ribombam foguetes, batem-se palmas de satisfação e grita-se de alegria esfusiante.(O Ilhavense de 2.12.1944 – adaptado)
Terminada a cerimónia do bota-abaixo, foi servida aos convidados uma “lauta merenda”, na seca da Empresa, ali perto da Malhada, ainda hoje conhecida por “seca do Abreu”, mais tarde instalações da Tavares & Mascarenhas, S. A., vendida a Pascoal & Filhos S. A., em 2006.
O lugre teve uma existência regular, com carregamentos bastante razoáveis, embora efémera – apenas oito anos.
À entrada da barra de Leixões – Fotomar – Matosinhos
Além do capitão que nele fez a viagem inaugural, comandou também o Maria Frederico, o ilhavense Manuel de Oliveira Vidal Júnior (n. em 19.11.1921 e já falecido), de 1947 até 1952, ano da sua perda.
Durante a campanha de pesca, sem acidentes de vulto até então, o G.A.N.P.B. recebeu um radiograma de bordo do Gil Eannes, a comunicar que o Maria Frederico se incendiara no dia 12 de Julho de 1952, tendo sido abandonado por toda a sua tripulação, salva e distribuída por outros navios que se encontravam a pescar, junto dele, nos Grandes Bancos.
Sem perda de vidas, no meio deste horrível desastre, a tripulação, bastante heterogénea (Ílhavo, Gafanhas, Fuzeta, Nazaré, Cova, Buarcos, Afurada, Póvoa de Varzim), como era hábito, foi, rapidamente, repatriada.
Arrepiante…!
O que me levou a debruçar, com minúcia, sobre o Maria Frederico?
Já há uns largos anos, Francisco Marques e eu achávamos as imagens que mostramos duma grandeza chocante e arrepiante, o chamado belo horrível. Era nossa intenção vir a realizar uma exposição fotográfica sobre naufrágios de bacalhoeiros. Por várias razões, não foi possível levar essa tarefa por diante. Outros poderiam, eventualmente, aderir à ideia, com paixão e entusiasmo.
Ainda é tempo de revisitar a Faina Maior, sempre inacabada, feita de pequenos e grandes dramas, vividos por homens com os quais tivemos ainda o prazer de partilhar momentos dessa grandeza heróica.
Fotografias – Amavelmente cedidas pelo MMI (naufrágio), Fotomar e Reimar(postal).
Ílhavo, 17 de Março de 2009
Ana Maria Lopes
Boa tarde.
ResponderEliminarRealmente fotos intensas como umas poucas outras que ficaram de naufrágios de bacalhoeiros, vários deles por incêndio.
São fotos que já as tinha guardadas em tamanho "pequenino" e várias vezes fiquei a olhar para elas, imaginando a sensação de num repente ter de abandonar o navio em dóris e ficar depois ao pé dele a ver tudo a arder, todas aquelas tábuas e organização a bordo de há meses a ser consumido num par de horas.
Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt
Mais uma foto linda e ao mesmo tempo arrepiante ,deste bélo navio bacalhoeiro que naufragou por incendio ,o que me léva a pensar que os léjos da Terra Nova estejam cada vês maiores ,com tantos navios naufragados nesses bancos !.O Maria Frederico,mais um lugre motor que só mais tarde eu soube existir, com este e outros esclarecimentos é que eu pescador do bacalhau o que tenho aprendido através deste portátil ,eu que lia e relia as revistas que no meu tempo de miúdo chegavam através da casa dos pescadores ,os lugres os navios e tudo que dizia respeito a pésca do bacalhau ,más agora por causa deste pequeno potátil e com a leitura de varios blogues que para mim são horas bém empregues, tenho ficado cada vês mais rico na minha caixa de memórias ,bém vindo mais uns escritos que eu devoro e agradeço Um abraço a Amigo Fangueiro e bém haja Dra. Ana Maria .J.Pontes
ResponderEliminar"Belo horrível" é a expressão certa!
ResponderEliminarCaríssima Dra.
ResponderEliminarGostaria de perguntar à Dra., se acredita que num futuro próximo, possa haver condições, para que o tabu relacionado com os naufrágios dos bacalhoeiros do Estado Novo, finalmente deixe de existir?
Obrigado
Saudações marinheiras
Luis Filipe Morazzo
Caro amigo e Sr. Morazzo,
ResponderEliminarPorque temos a mesma idade (o Sr. o disse noutra ocasião), vou-me antecipar à Dra. Ana Maria, para lhe lembrar que no nosso país existem túmulos, cavados a considerável profundidade, cobertos com tampas pesadíssimas.
Foram assim pensados e feitos, para que não se saiba o que lá se enconde. Não sei se são tabús, ou se é outra coisa. Sei apenas, que o bom senso me impede, pelo menos durante mais um bom par de anos, de querer saber o que é.
Um grande abraço,
Reimar
Caríssima Dra.Ana Maria Lopes
ResponderEliminarPeço autorização para responder ao Sr. Reimar, utilizando o seu blogue.
Exactamente por sermos pessoas já maduras, por termos vivido várias experiências, durante um período longo e conturbado, onde a censura era terrível e implacável, tolhendo tudo e todos, momentos esses que eu começava a acreditar, pertencerem definitivamente a um passado já longínquo.
Vejo agora para minha grande surpresa, que tudo não passava de um puro engano.
Deixo contudo uma sugestão, leiam o livro “Memórias de um Radiotelegrafista” de Joaquim Rebordão, nas linhas deste belo livro, facilmente irão perceber as verdadeiras razões de alguns daqueles naufrágios.
Já é tempo de parar de enterrar a pobre da verdade, nos tais túmulos profundos, cobertos com tampas pesadíssimas, para em vez disso, abordarmos qualquer tema, sem medo, e sem reservas
Saudações marinheiras
Luis Filipe Morazzo
Caro amigo e Sr. Morazzo,
ResponderEliminarCompletamente à revelia da autora, pessoa que muito estimo, ocorreu-me sugerir não ser este o local mais indicado, para uma esclarecedora troca de opiniões. Posso até propôr colaborar consigo para um artigo de fundo a publicar na Revista de Marinha, onde certamente teremos oportunidade de mostrar a nossa lealdade aos mais elementares princípios democráticos.
E já que estamos em vias de trabalhar juntos, podemos também tentar descobrir e publicar, o que pudermos averiguar sobre o paradeiro da tripulação do "Angoche" e o que terá acontecido aos 12 tripulantes do navio brasileiro "Tata", saído do Rio de Janeiro a 23 de Agosto de 1959, carregado com munições destinadas a uma tentativa de golpe de estado para derrubar o governo de Salazar.
Quanto aos bacalhoeiros, à falta de melhor conhecimento, vamos acreditar no Sr. Joaquim Rebordão, já que como telegrafista, deve ser ou ter sido um exímio comunicador.
Um grande abraço,
Reimar