domingo, 8 de março de 2009

O arrastão Cidade de Aveiro adornado...



Às vezes, basta uma simples fotografia que me é oferecida ou me vem à mão, para provocar o rabiscar de um post.
Neste caso, foi esta:

O Cidade de Aveiro adornadoMarço de 1969



Quem não foi ver? Quem não se emocionou? Uma tragédia plasmada e reflectida nas águas calmas da nossa ria, ali, na Gafanha da Nazaré.

Percorrem-se arquivos, relêem-se jornais da época, aviva-se a memória e monta-se o “puzzle”. Faz hoje quarenta anos.

Ao amanhecer do dia 8 de Março de 1969, tocou insistentemente a sirene dos Bombeiros. O sono foi mais forte, mas de manhã, o que aconteceu, o que não aconteceu…era um burburinho por todo o Ílhavo. O Cidade de Aveiro, tinha-se virado, de noite, na Gafanha da Nazaré.

O Cidade de Aveiro? Aquela bisarma! Um dos melhores, um dos mais recentes e mais modernos navios de pesca construído em Portugal, o segundo daquele tipo de arrasto pela popa, tinha-se voltado?.... Era um espectáculo, se bem que emocionante, a não perder. Sem condições adversas, sem ilhas de gelo, sem interferências externas, sem temporais, o que teria acontecido? Nunca foi muito bem aclarado, creio; ou, pelo menos, não veio a público. Provavelmente, também não conviria.

O Cidade de Aveiro, pertença da empresa João Maria Vilarinho Sucr., Lda., tinha sido construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e entregue ao armador, em Abril de 1966, a cujo bota-abaixo tinha assistido o Ministro da Marinha.

Com um comprimento fora a fora de 83, 40 metros, boca cerca de 13 m. e pontal de 5, 60 m. e uma arqueação bruta de 1401,98 toneladas, era accionado por um motor Diesel, 2800 Bhp, 750 rotações por minuto, atingindo uma velocidade de 15 nós.

O Cidade de Aveiro no dia do bota-abaixo, no Estaleiro de Viana – 1966



Aquando do acidente na Gafanha da Nazaré, era seu Capitão o Sr. Joaquim Manuel Marques Bela, de Ílhavo (n. em 7.3.1929), que o comandou de 1967 até 1979.

Então, como já referi, tombou para EB, o Cidade de Aveiro, mesmo juntinho ao Cais dos Bacalhoeiros, no baixa-mar.

Tinha chegado há pouco dos pesqueiros com 18 000 quintais de peixe, que estava a descarregar, quando, inesperadamente, assentou no lodo do fundo, tendo virado.
Os prejuízos causados, apesar do seguro, foram vultuosos, não tendo podido o navio fazer a viagem seguinte.
As entidades competentes procuraram saber a causa da ocorrência, mas pelo menos, exteriormente, nunca se souberam os verdadeiros motivos: deficiente amarração do navio?... Estabilidade insuficiente?...Teria sido descarregado o peixe dos porões e teriam sido deixados no convés, por descarregar, muitos tambores de óleo?

Após esforços avultados de técnicos experientes, as operações de salvamento foram coroadas de êxito, já que não se acreditava na capacidade de o navio voltar a flutuar.
Uma draga cavou um fosso junto à quilha do navio, em todo o comprimento. Com molinetes a puxá-lo da outra margem do canal, em consonância com as marés, ao fim de muito esforço, a quilha assentou na cova feita pela draga e o navio começou a endireitar-se.

Volvidos mais de dois meses, voltou ao Tejo, a reboque dos rebocadores Praia da Adraga e Praia Grande, da Sociedade Geral, para receber as reparações necessárias, arrematadas pela firma H. Parry & Son, no valor de 15 180 contos. Com os trabalhos complementares, a despesa do salvamento do navio ficou em cerca de 19 000 contos.
Tinha pela sua frente mais uns anos de pesca, poucos, com bons carregamentos, já que a sua existência foi efémera.

O arrastão Cidade de Aveiro


Na fatídica tarde do dia 3 de Outubro de 1979, quando o navio navegava em condições normais, já de regresso, no mar dos Açores, uma explosão na casa das máquinas, que provocou um violento incêndio a bordo, atirou-o para as profundezas do Oceano. A tripulação abandonou o navio nas baleeiras de bordo, que foram socorridas por um navio russo, que os transportou para Leixões e por um cargueiro francês, que seguiu viagem até ao Havre. Infelizmente, o mar e as suas contingências não perdoam e o segundo maquinista, João Alberto Ramos Filipe e o terceiro, João Valente Sardo, ambos da Gafanha da Nazaré, não resistiram às queimaduras sofridas na explosão e acabaram por morrer. Triste sorte! O mar foi, é, e será sempre o MAR!!!

Perdeu-se, assim, o arrastão Cidade de Aveiro, com uma existência sobre as águas do mar e da ria, nada tranquila, com a perda irreparável de duas vidas!
Serão bem-vindos comentários de quem saiba mais pormenores.


Imagens – Arquivo pessoal da autora e de Reimar

Ílhavo, 8 de Março de 2009

Ana Maria Lopes
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13 comentários:

  1. Caríssima Dra. Ana Lopes

    Visitar o seu blogue, tornou-se um hábito quase diário, admiro imenso a qualidade dos seus conhecimentos, em particular estes, que estão relacionados com uma temática, quase totalmente dominada pelos homens. Contudo, se me permitir, gostaria agora de corrigir o seguinte: o “Cidade de Aveiro “ não foi o segundo arrastão de popa, mas sim o terceiro a entrar ao serviço em Portugal. Depois do bota-abaixo do “Maria Teixeira Vilarinho” ter sido em 1964 e do “Santa Isabel” em 1965, o “Cidade de Aveiro” como se sabe, foi a seguir em 1966.


    Saudações marinheiras

    Luis Filipe Morazzo

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  2. Com uma descrição dessa ordem ainda quer mais comentários? Está dito o essencial, tudo muito claro e bem estruturado. De quem tem à mão tanta informação, que mais se lhe poderá exigir?
    Continue a navegar por esse mar de conhecimento e aventura, sempre com a coragem e determinação que a caracterizam.
    Alguém conhece em Ílhavo mais alguma escritora, arraisa e "bloguista" marinheira deste gabarito?
    JR

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  3. Caro Filipe Morazzo:

    Estou informada de que a datação oficial dos primeiros arrastões de popa, em Portugal, é a seguinte:
    1º Maria Teixeira Vilarinho, terminado em Novembro de 1964
    2º Cidade de Aveiro, terminado em Outubro de 1966
    3º Santa Isabel, terminado em Dezembro de 1966
    4º Praia da Ericeira, terminado em Janeiro de 1967
    5º Altair, terminado em meados de 1967
    6º Ilha de S. Nicolau, terminado em Outubro de 1967
    7º Almourol, terminado em Janeiro de 1968.
    No entanto, como eu até pedia comentários, estou-lhe grata pela achega.
    Boas marés e melhores ventos!

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  4. Caríssima Dra.

    Não vou querer insistir com um problema tão insignificante como este, agora que o “Santa Isabel” desceu a carreira em S. Jacinto, ainda em 1965, é um facto e tenho provas disso. Agora se o aprestamento final demorou mais do que costumava acontecer, isso já me ultrapassa.

    Saudações marinheiras

    Luis Filipe Morazzo

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  5. Concordo com o João Reinaldo!
    Eu sou neta do João Valente Sardo, o meu nome é Isabel Sardo e gostaria de saber, se me permite, onde é que encontrou tanta informação acerca do Cidade de Aveiro?
    Fico à espera da resposta

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  6. Cara Isabel Sardo:
    Na qualidade de neta de João Valente Sardo é que eu me dirijo a si. Mesmo a esta distância, lamento o sucedido.
    O Cidade de Aveiro parece que não foi bem abençoado.
    No meu post, dou uma ideia de como consegui tantos dados acerca deste navio.
    Primeiro, quando ele adornou, fui ver e o espectáculo chocou-me tremendamente, até hoje.
    Passados alguns anos, veio-me ter às mãos, através de uma amiga, uma foto dessa cena. Por aí começou o meu interesse por me informar, ao máximo, da história do navio.
    Vali-me, sobretudo, de fichas do Grémio existentes no MMI, consultei vários números do jornal " O Ilhavense" e pedi mais algumas informações a vários amigos que são peritos no assunto.
    Tudo isto em conjunto, uma grande persistência e muito carinho por todas estas "marintimidades" fizeram com que escrevesse o post que acabou de ler.
    Cumprimentos.

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  7. aríssimos:
    Sou filho de um antigo tripulante do Cidade de Aveiro, o Álvaro Teixeira, antigo 1º maquinista, e na preparação de uma surpresa que ele vai fazer aos antigos colegas, no próximo sábado em que se vai realizar o almoço anual dos antigos tripulantes do Cidade de aveiro, encontrei este seu blog que muito apreciei, pelo que não posso deixar de partilhar convosco estes já quarentões filmes super 8, filmados pelo meu pai em algumas das viagens que fez no Cidade de Aveiro, e em que o último dos mini-filmes é exactamente sobre o "acidente" que aqui relata, e poderão ver nestas curtas imagens todo o processo de resgate, até à saída do navio para Lisboa.
    Para a Isabel Sardo, tenho pena que nestes filmes não haja imagens do teu avô, mas podes ver aqui o que certamente só conheces de relatos. Por outro lado podem muito facilmente identificar o malogrado João Alberto, e o capitão Joaquim Bela,o cozinheiro sr. Zé vida, muitos dos outros, espero que alguém no próximo sábado mos identifiquem, e possa mesmo encontra-me com alguns deles.

    Os vídeos, são mudos, envio o link directo para o que contem as imagens relacionadas com este episódio, mas por lá poderão chegar aos outros 3.

    http://www.youtube.com/watch?v=274qvhITUu8

    Parabéns pelo seu Blog,

    cumprimentos

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  8. Para o Sr.Dinis Teixeira:
    Fiquei muito contente por poder ver estes videos.
    Gostaria de saber,se for possível,mais acerca desse almoço anual dos antigos tripulantes do Cidade de Aveiro, se é a primeira vez que o fazem e assim?
    Peço desculpa de estar a perguntar, mas fiquei supreendida.
    Fico à espera.
    obrigado

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  9. Para a Isabel Sardo,
    Como deve ter percebido, o ex-tripulante é o meu pai, Álvaro Teixeira, e que era colega do seu avô, não sei se alguma vez embarcados juntos, mas pelo menos de profissão e de empresa, mas pelo que me lembro já à alguns anos que fala destes almoços, e por esta altura do ano, pessoalmente nunca fui, este ano irei passar por lá no fim, para o ajudar a projectar as imagens que já deve ter visto no Youtube (os 4 mini-filmes). De qualquer modo vou pedir ai meu pai para lhe dar mais detalhes destes almoços.
    Cumprimentos

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  10. Para o Sr.Dinis Teixeira:
    Fico desde já muito agradecida por me ter respondido.
    Após ter lido o seu comentário perguntei ao meu pai, se o meu avô tinha andado com o seu pai, e ele disse que sim e que se lembrava muito bem do seu pai.
    Fico á espera da resposta em relação ao almoço, se o seu pai não se importar claro.

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  11. boa tarde a todos meu nome é Júlio Reis e naufraguei no cidade de aveiro, fazia eu a minha 1ª viagem tinha eu então 19 anos.e era ajudante de motorista. faltavam 2 dias para chegarmos a Portugal

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  12. meu nome é Júlio Reis e fui tripulante do cidade aveiro e penso k o naufrágio se deu a 2 de outubro de 1979 eu ia lá mas como foi há tanto tempo. nao vou discordar mas era 18 horas dos açores 20 horas em portugal. ao srº diniz quero dizer-lhe que seu pai foi meu chefe na oficina e tenho por ele muito respeito.é um HOMEM se precisar de alguma informaçao eu vivo na gafanha da nazaré

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  13. Lamento informar que a historia do naufrágio do Cidade em 79 foi mal contada.
    Já é a terceira vez hoje que tento relatar o que sei eu estava lá.
    O velho patrão Baltazar Vilarinho não me está a querer deixar contar a verdade.sou o ajudante de maquinista de Cascais que a comunicação social na altura dizia que eu tinha morrido queimado,mas estou cá bem vivo,e gostava de contar toda a verdade.
    O 2 maquinista(capitão zinho)foi ingectado com morfina para morrer em paz,foi ao meu lado.
    O 3 maquinista morreu na ambulancia em Portugal.
    Foi o Batista de Andrade que nos trouxe para Leixões
    O Cidade de Aveiro teve um incêndio muito grande mas foi negligência e ganância.
    Gasóleo em cima das máquinas a 480 graus sem tampas nas cabeças e com o cano de retorno da caldeira cortado e quase ao lado da maquina (na amurada e em posição superior as maquinas)tinha que acabar mal só pela ganância de bater um recorde ao dar mais 1 milha por refrigeração da maquina.
    Tenho toudo o gosto de contar a verdade mas escrevo muito mal,perco-me nas ideias.
    Sou o Luis Mano.
    Estou ao seu dispor
    936399538
    Obrigado.

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