terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Bateira berbigoeira de Marques da Silva




As estadias do Amigo Marques da Silva, na Gafanha da Nazaré, são-me sempre extremamente proveitosas.
Passamos sempre uma ou duas tardes em amena cavaqueira, na elaboração de textos e observação de imagens que interessam a ambos. Os museus, as palestras e os colóquios museológicos, os conhecimentos afins, os navios, a pesca do bacalhau, os modelos de embarcações tradicionais…enfim, assunto não nos falta.
Hoje, o modelo de bateira berbigoeira que ele acabou há pouco, foi o centro das atenções.

O MMI acolhe na sua colecção de modelos de embarcações lagunares, desde 1934, uma dita bateira berbigoeira executada por Porfírio da Maia Romão. No Catálogo da Sala da Ria, é descrita, de acordo com informações antigas, que nos chegaram desde Américo Teles: miniatura sem escala da bateira berbigoeira, embarcação de fundo chato. De vela trapezoidal, era usada no transporte de sardinha e de todo o pescado das costas de pesca para as praças onde era vendido. Quando usada na arte da berbigoeira, necessitava de um aparelho desmontável, à proa, o sarilho. Sem pintura.
Este modelo chamou a atenção do hábil Marques da Silva, que foi rever atentamente o modelo existente em Lisboa, no Museu de Marinha, pertencente à Colecção Seixas.
De posse do seu plano, pôs mãos à obra e o resultado foi este.

Modelo à escala de 1/25


Não contente com a obra, cedeu-me este escrito, que burilámos e completámos o melhor possível, de acordo com os nossos conhecimentos e consulta de bibliografia adequada.

“Na execução deste trabalho, apliquei madeira de balsa no tabuado e ramos de limoeiro no cavername, na roda de proa e de popa, nas bancadas, sarretas e molinete. Para o mastro, verga e cabo do ancinho de arrastar, utilizei ramos de ameixieira e nos remos e vertedouro, madeira de tola.
Para o ancinho, ganchorra e fateixa, servi-me de arame de cobre e a vela foi recortada em pano de algodão.
A bateira berbigoeira ou mercantela, adaptada a tal arte, era utilizada na Ria de Aveiro, principalmente no Canal do Norte, entre S. Jacinto e Torreira, para recolha de amêijoa e berbigão de maior tamanho.
Como trabalhava em água de certa profundidade e forte corrente, só conseguia arrastar o seu grande ancinho de ferro, utilizando uma pesada fateixa, fixada à distância e um molinete (sarilho com tambor de madeira), para virar a amarreta, que gornia num moitão alceado, cuja alça encapelava na bica da proa).

Pormenor da proa com fateixa e amarreta

Pormenor do sarilho


Assim revolvia os fundos com os fortes dentes do ancinho, levantando os bivalves, que escorregavam para um saco de rede preso a um arco também de ferro, adaptado às costas do referido ancinho.
Em águas mais profundas, podia ser usada a ganchorra, que procedia ao trabalho de forma idêntica à do ancinho.

Pormenor do ancinho (à esquerda) e ganchorra


Sendo uma embarcação pesada e espaçosa para o trabalho, tinha, normalmente, uma tripulação de quatro a cinco homens.
Deslocava-se com dois grandes remos de escalamão ou com vela de pendão de amurar ao mastro, segundo tradição da ria.
O costado e o fundo eram breados, por vezes, com cara branca.
Dimensões normais utilizadas:

Comprimento – mais ou menos 12.00 m
Boca – mais ou menos 2.00 m
Pontal – mais ou menos 0.65 m

A ganchorra ainda continua a ser utilizada no Tejo pelas chatas da Trafaria que vêm capturar amêijoas entre Caxias e Paço de Arcos. Usam o molinete metálico que fazem girar manualmente com dois volantes adaptados ao tambor cilíndrico.
Nos canais da ria de Aveiro, Cale da Vila e Cale de Mira, continua a ser usado o ancinho metálico, a que dão o nome de cabrita, aplicado numa vara muito longa, de dentro de embarcações, normalmente bateiras adulteradas, ancoradas. Nada já é tão artesanal como era.

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 6 de Janeiro de 2009

Ana Maria Lopes


3 comentários:

  1. Boa noite.

    Dá gosto, muito gosto ver estes trabalhos de minúcia e amor a um passado que vai correndo na memória de muitos de nós, cada um na sua terra de origem. Embora eu seja de outra geração, também andei ao berbigão e amêijoa quando era miúdo, junto com a minha mãe, nas calmas águas que existiam onde agora é a marina da Póvoa de Varzim. Apanhava-se um par de baldes que depois se vendia ao pé da estrada. A minha mãe enchia o balde e eu o meu grande barco de lata, isto em meados dos anos 80, teria eu uns 10,11 anos.
    Parabéns ao Comdt. Marques da Silva e à Drª Ana Maria por continuarem a trabalhar nos barcos tradicionais e suas características. Nunca parem.

    Atentamente,
    www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt

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  2. Muito interessante. Bela forma de preservar a memória marítima recente.
    Fui aluno do Sr. Cte. António Marques da Silva há muitos anos na Escola Náutica, de quem guardo as melhores recordações. Foi um dos melhores professores que encontrei ao longo da vida. Tinha conhecimentos vastíssimos e sabia como os transmitir aos alunos.

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