Enquanto mexericava em gavetas à procura de umas imagens de grandes veleiros, deparei com este postal – Camponesa de Ílhavo – que me fez recordar conversas passadas, relacionadas com o nosso museu.
Camponesa de Ílhavo – Séc. XIX
Há uns bons 16 anos, tive no museu algumas afáveis conversas com o Arquitecto Quininha, de quem sempre fui amiga, sobre a pintura, trajes e cerâmica expostas. Eram sectores que ele privilegiava, talvez por gostos e saberes, que não eram, nem vieram a ser, sectores fortes, naquela casa: a colecção de pintura é pobre e não criada segundo um estudo prévio, os trajes são praticamente inexistentes e, alguma cerâmica, razoável, recolheu a reservas há já alguns tempos.
Ele gostava especialmente de trajes e sabia muito de ourivesaria. Um dia, quando veio de Lisboa, numa das suas visitas frequentes a Ílhavo, trouxe-me carinhosamente aquele postal da Camponesa de Ílhavo, óleo de F. José Resende, (1825 – 1893), que encontrara à venda no então M.N.A.C. Apreciei-o, guardei-o, mas agora dou-lhe mais valor. O tal quadro vem citado no Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses de F. de Pamplona.
Levou-me a ir confrontá-lo com um outro existente no Museu, algo idêntico. Com a ideia segura que tinha, consultada a colecção on-line de pintura, encontrei-o. – A mulher… também de chapeirão!...
É este:
Camponesa de Ílhavo do Séc. XIX
Francisco Resende – Col. do MMI.
O primeiro quadro a que me refiro, que deverá estar nas reservas do actual Museu do Chiado, enriqueceria um pouco mais a nossa colecção, mas as pertenças de cada museu são para se respeitarem, salvo raras excepções de depósitos e cedências.
Segundo descrição de Senos da Fonseca no seu Ensaio Monográfico, a pp. 342 e 343, a lavradeira de Ílhavo (Século XIX) envergava saia de serguilha (fraldilha), colete de fazenda (mesmo de veludo), preso no peito por abotoadura de prata, de par, debruados os botões a cetim amarelo; lenço habitual. Usava uma cinta com que fazia descer ou subir a saia, do meio da perna ao tornozelo. No pescoço, cordão de filigrana.
Algumas semelhanças e alguns pormenores diferentes.
Este primeiro óleo de F. José Resende, talvez, pelas cores empasteladas de uma luminosidade sombria que usa, e pela elegante posição da figura em causa, é de uma nobreza e beleza extraordinárias. Parece demasiado rica e nobre para camponesa. No entanto, está descalça…
Um grande lenço vermelho lavrado, sobre a cabeça, abraça, lateralmente, o chapéu de feltro preto debruado a cetim, de abas bastante largas. Bonita algibeira debruada e brincos compridos de ouro dão um último toque ao vestuário que enobrece a camponesa, segundo a paleta do artista. Não dá para apreciar muito bem se o chapéu, dado o peso da sua aba, tinha fitas ou presilhas que iam da orla à copa exterior, para que as abas não descaíssem.
O grande pintor Francisco José Resende interessava-se mesmo pelo traje da camponesa de Ílhavo – pelo menos, dois quadros conhecidos, parecidos, sobre o mesmo tema…
Mais algumas representações deste género conheço, neste caso, Ílhavas – Vendedoras de sardinha, litografia de Joubert, de meados do século XIX, colecção do MMI., outras de menor qualidade gráfica, o caso do postal do Museu de Ovar, que representa a mulher e o homem de Ovar.
Foi agradável “desenterrar” esta pintura que me levou a relacioná-la e compará-la com outras de que tinha uma memória mais ou menos fresca.
Ílhavas – Vendedoras de sardinha – M.M. de Ílhavo
Aqui fica o registo das minhas cogitações domingueiras… Há sempre algo que motiva a feitura de um blog.
Fotografias – Arquivo particular da autora e imagens on-line do MMI.
Ílhavo, 9 de Setembro de 2008
Ana Maria Lopes
está visto que este "baú" está bem recheado ;))
ResponderEliminarMuito interessante o blog.
ResponderEliminarMuito obrigado por este artigo. Estou a fazer um trabalho sobre F. José Resende e não estava encontrando praticamente nada quando vejo este blog. A análise deste quadro foi 75% do meu trabalho. Muito obrigado.
Cumprimentos