domingo, 28 de setembro de 2008

Biografia de Jorge Godinho




Lançamento da biografia de Jorge Godinho, por Ana Maria Lopes, na Galeria Santa Clara, em Coimbra, no próximo sábado, dia 4 de Outubro, pelas 17 h e 30. Diário de Coimbra (Suplemento), de 19 de Setembro de 2008.
Texto de Joana Martins.


Actuação do Grupo de Fados Raízes de Coimbra, Luís Góis, Jorge Tuna, Durval Moreirinhas e outros.


Sobre o mesmo assunto, poderá consultar Livro Jorge Godinho.

Ílhavo, 28 de Setembro de 2008

Ana Maria Lopes



quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Memórias da Romaria da Senhora da Saúde





Cá, para nós, a festa dos Grandes Veleiros, grandiosa, mesmo com alguns boas perturbações atmosféricas, já acabou. Agora, vem aí a romaria…p’ra te comprar uma flor…

A minha mais antiga recordação desta romaria é uma fotografia, no terraço da minha casa, em que tenho dois anos, com um grande laçarote na cabeça. A armação da festa comprova a data – fins de Setembro de 1946. Vivia no “coração” da romaria.

Outra, bastante mais forte e de que ainda hoje me recordo vivamente, foi a minha integração na procissão, “vestida de anjinho” – a primeira e a única vez. Cá perdurou “o boneco” tirado “à la minuta”, como mandava a tradição. Só que foi uma procissão complicada e agitada, porque durante o seu trajecto, deflagrou um forte incêndio na, à época, Pensão Pardal, na esquina norte da Estrada do Banho.

Alterado o percurso, o susto apoderou-se de todos, crianças, jovens e adultos. As chamas lambiam as outras casas e todos temiam que se propagassem às casas vizinhas. Foi um alvoroço. Postos a par da ocorrência por residentes, lá vieram os Bombeiros de Ílhavo acudir ao sinistro que poderia ter alcançado proporções gigantescas, dado que as casas da proximidade eram palheiros de madeira ressequida.
Depois de tamanha confusão, felizmente sem consequências de maior, lá chegou o “anjinho” assustado, a casa. Na ausência de data na fotografia, lá fiz algumas diligências para situar a ocorrência no ano certo – foi no domingo da Festa de 1951 (in O Ilhavense de 10 de Outubro de 1951).

Anjinho “à la minuta”


Naquela idade os meus avós faziam-me as vontadinhas todas e eu lá tinha os meus rituais.

A minha primeira compra era um “chapelinho de papel” muito frágil e gracioso, que habitualmente estavam à venda numa tenda, que montava arraial em frente à Vivenda Quinhas.

Quando chegavam à minha porta, a ti Adelaide Ronca com as flores de papel e ventarolas, e a ti Caçoa, com o baú das doçarias tradicionais, entre as quais sobressaíam os melosos e açucarados suspiros e os bolinhos brancos, logo as boas festeiras tinham em mim uma das primeiras freguesas; uma mão para erguer o moinho à procura do vento, até que zunisse, e logo a outra atascada com doçarias para secar a água que me crescia na boca, só de vê-las.

Seguia-se a visita à Vida de Cristo, em movimento, descrita em voz roufenha, rouca do publicitador, tornada ensurdecedora pela ampliação conferida pelas cornetas do altifalante, que tentavam sobrepor-se ao anúncio das cadeiras voadoras ou da casa do espelhos ou do comboio fantasma, itens do arraial que se iam visitando, vez à vez, até que esgotados na segunda-feira do fim de festa.

Incluída no programa das visitas, não podia faltar uma ida às barracas de loiça de Barcelos, para “puxar” , de um molho de argolas, uma, presa a um fio, que erguia o número correspondente ao prémio, que calhava em sorte.
Tem muita sorte, a menina – comentavam outros forasteiros, com os olhos caídos nas belas peças, vistosas, muito toscas e coloridas que me calhavam. Certo é que eu tirava tanta rifa, que uma ou outra, a insistência fazia com que a sorte caísse para o meu lado. O meu grande prazer residia, mesmo, em escolher uma argola, no meio do tal molho delas, puxar ao calha e ver o que a sorte me reservava. Trazia as figuras todas para casa e dispunha-as à varanda.
Assim ia gozando a festa naquela idade da criancice e inocência.

Os restantes apontamentos fotográficos são bastante mais tardios, de 1960, ano em que as minhas amigas e eu, já espigadotas, no esplendor da nossa juventude, combinámos viver a Senhora da Saúde, à moda antiga. Tinha 16 anos.

Os primeiros sinais da romaria eram dados pela chegada e montagem da armação. Depois, a vinda das primeiras tendas. Mas quando os primeiros moliceiros chegavam do norte e do sul da ria, os norteiros e os matolas e atracavam mesmo aqui pertinho de mim, então a festividade estava próxima.


Experimentámos de tudo um pouco. Depois de um belo passeio num Vouga, estava na hora de começar a reinar: andámos de carrocel, de carrinhos eléctricos, de cadeirinhas voadoras, integrámo-nos nas danças sobre a proa dos moliceiros, subimos aos vistosos e animados coretos, tirámos a sina numa boneca de tecido peludo preto, com uma grande cabeçorra, normalmente em frente do palheiro dos Senhores Moura, apreçámos toda a quinquilharia possível, desde os toscos brinquedos de lata e madeira aos ferros forjados mais elaborados. E o café de “apito”? Eu é que nunca fui amante de café.



Assistimos respeitosamente ao desfile da procissão, apreciámos o fogo de artifício, assustando, conforme podíamos e sabíamos os forasteiros, especados, de olhos pregados no céu.

Foi assim a nossa festa setembrina de 1960, em homenagem à Senhora da Saúde, em que se concentrava grande número de devotos.

Nas belas proas dos moliceiros…

No coreto…

No carrocel


A ler a sina



As participantes na folia eram Maria Manuela Vilão, Rosa Maria Moura, Eneida Viana e eu.

E hoje, o que é que temos? A procissão, o fogo de artifício, uma feira infernal e pouco mais. Por vezes, com a intervenção aparatosa da A.S.A.E.
No entanto, ainda se vai passar à Costa-Nova a Senhora da Saúde. Nem gosto, sequer, de ver a casa fechada. Tradição…apesar de já não ser o que era. É a que temos. É para respeitar e tentar transmitir…

Imagens – Arquivo pessoal da autora

Costa-Nova, 24 de Setembro de 2008

Ana Maria Lopes




quinta-feira, 18 de setembro de 2008

O Creoula entre nós - há 15 anos



Em tempo de Regata…Faz hoje 15 anos. O tempo vai passando quase sem darmos conta. Era sempre um prazer ter o Creoula entre nós18 e 19 de Setembro de 1993.
E mais uma vez nos deu o prazer da sua visita, proporcionando-nos agradáveis estadias a bordo e trabalhos em conjunto.

Creoula atracado, na sua elegância…



Os objectivos, dessa vez, no dia 18, foram uma visita especial da tripulação à Exposição Faina Maior, o lançamento de uma colecção limitada, de três pratos comemorativos da Exposição, em porcelana Porcel, com os motivos: Lugre “Creoula”, Alando o Trol e Clareando Cabos.

No dia 19, foi a entrega da palamenta de um dóri, preparada por uma equipa do “Museu”, tendo-nos sido muito úteis para tal trabalho o saber e prontidão de Francisco Ramos e Manuel Chuvas (Rupio). Eram impecáveis, sempre que os seus serviços marítimos artesanais eram solicitados. Nenhum pormenor era esquecido.

O Creoula tinha dóri, mas faltava-lhe toda a palamenta: remos, com as respectivas forras de couro e pinhas de anel, um par de forquetas com os respectivos estropos, os quetes da proa e da ré, alças da proa e popa, alça da escota, mastro, vela, vertedouro, búzio, foquim, faca e balde de isco, gigo, linha de mão, rile, linha da zagaia, nepas, pino, tortor, bicheiro, desmbuchador, trol e respectivo cesto, grampolim, balão, ferro, polé e pingalim. Tudo isto, "o museu conseguiu" com maior ou menor esforço, para aparelhar o dóri do Creoula, fielmente, a preceito e “à moda antiga”. Nada podia faltar.



A destreza dos dois “velhos lobos-do-mar” o Chico Ramos e o Rupio, ao manusearem a linha, estralhos e anzóis, não fazia crer que tantos anos já haviam passado. Saber de experiência feito, que não esquece…

Além disso, a tripulação teve o prazer de conviver com antigos oficiais do navio, num encontro emotivo de gerações distintas, vocacionadas para o mar.




Da esquerda para a direita, em planos alternados: João Sílvio, José Leite, João Fernandes Matias, José Negócio, Elmano da Maia Ramos, Francisco da Silva Paião (Capitão Almeida), Francisco Marques, Comandante Sá Leal e Marques da Silva.


Mais uma vez, os oficiais de Ílhavo estiveram grandemente presentes no comando deste navio emblemático, enquanto lugre da pesca do bacalhau.


O Comandante Sá Leal aprecia a “obra”



Dado o bom relacionamento entre o navio Creoula e o museu, este aproveitava a itinerância do navio para a divulgação do nome desta instituição museológica. Acordou-se, então, preparar uma exposição para bordo do Creoula, a ser inaugurada no porto da Gafanha da Nazaré, no ano seguinte.
Desta empatia nasceu o bom relacionamento que subsiste entre Creoula e Ílhavo/Museu.
Tal como hoje, por coincidência, o Creoula também se encontra cá, chegado de Lisboa, para sair no dia 23 e se integrar na Regata dos 500 Anos do Funchal. Bons ventos e boa viagem!

Fotografias – Arquivo pessoal da autora


Ílhavo, 19 de Setembro de 2008

Ana Maria Lopes




domingo, 14 de setembro de 2008

REGATA DOS GRANDES VELEIROS (PARTE II)




Outras ocasiões em que a grande regata nos visitou


Relativamente à questão de algumas das ocasiões em que a "Grande Regata nos visitou”, para além, naturalmente, da 1ª Regata, em 1956, como referi – sendo Lisboa a cidade destino da Regata, iniciada em Torbay , destaco:


- Em 1994, a Regata, no Porto, no âmbito das comemorações do Ano do Infante D. Henrique, onde tive o prazer de estar a bordo do Creoula.




A bordo do Creoula – Regata - 1994




- Em 1998, a Regata Vasco da Gama Memorial – 1998 ou melhor, a Regata Cutty Sark Vasco da Gama Memorial 1998 – uma vez que, desde 1973 e até 2003, a STI era patrocinada pela empresa Cutty Sark, teve em Lisboa o seu porto-anfitrião, no âmbito das Comemorações do 3º Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, por ocasião da Expo 98. Nela participaram cerca de 100 Grandes Veleiros, que atracaram no cais de Alcântara. De destacar a classe A, com veleiros entre 80 e 100 metros, tais como os Navio-Escola Sagres e Esmeralda.
Nessa data, considerou-se que, sendo uma associação que envolve jovens e procura fomentar entre os mesmos, estilos de vida saudáveis, não deveria ter a respectiva imagem ligada a uma marca de comercialização de bebidas alcoólicas. Actualmente, como já referi, é a Câmara de Antuérpia que patrocina a Regata.



Regata Vasco da Gama Memorial - 1998


- Em 2006, a Regata voltou a Lisboa, para comemorar exactamente o 50º aniversário da respectiva existência – e foi justamente apelidada de Regata do Jubileu. Participaram 77 Navios, e um dos momentos altos foi a Parada dos Veleiros ao longo do Rio Tejo, estando a bancada de honra colocada junto da Torre de Belém. Nessa data, muitos lisboetas acorreram às margens do Rio para contemplar o desfile naval – e registou-se uma cobertura de imprensa digna de nota.



A importância deste acontecimento para Ílhavo



É deveras importante para Ílhavo a passagem destes Veleiros por aqui, pois trata-se de inscrever, no circuito da Navegação de Recreio, Ílhavo na rota dos "Portos Marinheiros", dos "Portos de Acolhimento".
O facto de Ílhavo ter sido eleito como Porto de Acolhimento representa um grande triunfo, visto que passa a figurar nos "anais" dos Eventos concretizados por esta Organização (Sail Training International) no elenco daqueles que são considerados os Portos mais paradigmáticos e mais representativos da Europa.

Ílhavo passa assim a integrar o roteiro dos Portos de Eleição da Europa, como Porto anfitrião, terra que se torna especial para todos os participantes, que a divulgarão por todas as suas terras de origem.

Por outro lado, em todos os Portos seguintes, os Navios e Tripulações veiculam a imagem e o nome dos Portos em que foram recebidos anteriormente – sobretudo se foram bem recebidos! - O que contribuirá para uma veiculação do nome de Ílhavo como terra particularmente ligada ao Mar e boa anfitriã de Marinheiros.

Referência especial ainda para a Festa e procissão em honra de Nª. Sª. dos Navegantes, que terá lugar no Domingo, dia 21 de Setembro. Este ano, integrará o programa oficial da Regata.


Será transmitida a todos os Navios a mensagem de Ílhavo como terra privilegiada para os acolher, terra dos verdadeiros Homens do Mar, terra de Marinheiros e sobretudo de Capitães, com uma participação notável na pesca do bacalhau à linha. É indispensável proporcionar a todos os participantes um óptimo acolhimento.

Campanha do Argus – 1950 – Alan Villiers


Embora eu tenha algum receio de multidões, tenciono usufruir ao máximo do privilégio de ter em casa os grandes veleiros para visitar, proporcionando-nos, espectáculos de rara beleza. Faça o mesmo, pois viverá momentos inesquecíveis.
Bons ventos e boas marés para todos!



Imagens – Arquivo pessoal da autora e do Comandante João Reinaldo

Ílhavo, 14 de Setembro de 2008

Ana Maria Lopes



quinta-feira, 11 de setembro de 2008

REGATA DOS GRANDES VELEIROS (PARTE I)




Começam a parecer os outdoors por todo o lado. Começam a aparecer as notícias, os cartazes, os panfletos. São um alerta, um convite…



Um pouco da história destas regatas



As designadas TALL SHIP'S Races existem há 52 anos, desde 1956. Foi a Inglaterra o país que tomou a iniciativa, perante o contexto de rápidas mudanças a que se assistia no mundo "náutico" de então – que determinava, concretamente, o abandono dos antigos veleiros (substituídos por navios de propulsão mecânica) e consequentemente ameaçados de extinção.

Pensou-se reabilitar estes Navios e organizar encontros e competições amigáveis entre eles, o que poderia constituir uma alternativa ao estado lamentável a que se encontravam submetidos, de abandono e desaparecimento.

Com o patrocínio da Coroa Britânica, em 1956 organizou-se a primeira regata TORBAYLISBOA. Na nossa capital também as mais altas autoridades estiveram envolvidas, designadamente na entrega de prémios.

Particularmente relevante foi o facto de os 30 cadetes da Escola Naval – que a bordo do Navio Escola SAGRES (I) realizavam a sua primeira viagem de instrução – terem, como equipa, totalizado mais pontos e conquistado mais medalhas do que todas as restantes equipas de cadetes em conjunto.
Dois anos depois, na Regata seguinte (em 1958), entre Brest e Las Palmas, foi precisamente o Navio Escola Sagres o primeiro classificado na classe dos Grandes Veleiros.

Depois dessa data, as Regatas de Grandes Veleiros têm-se realizado regularmente, no Verão, (a partir de 1964, todos os anos) – geralmente no Norte da Europa – e foi-se desenvolvendo um "espírito" próprio destes Eventos, que consiste em fomentar entre a juventude o gosto pelo Mar, proporcionar aos jovens uma experiência de aventura a bordo de um Veleiro. Simultaneamente, promover o contacto próximo e encontro entre jovens de todas as nacionalidades nos Portos de Acolhimento, constituem os grandes ideais da Organização.

A organização é inglesa – a Sail Training International (STI.) – e as Regatas são patrocinadas, actualmente, pela Câmara de Antuérpia.

Os países concorrem para tentar que um dos seus Portos seja Porto de Acolhimento dos Grandes Veleiros, mas a concorrência é verdadeiramente "selvagem".
Sabemos, por exemplo, que Portugal só voltará a ter possibilidades de receber os Grandes Navios em 2012, pois a candidatura de Lisboa foi aceite para esse concurso (e ainda falta conhecer o resultado!) – é assustadora a antecedência com que se "degladiam" as vontades das muitas Câmaras Municipais Europeias no sentido de serem reconhecidas pela Organização como um possível Porto de Acolhimento!

O facto de Ílhavo ter conseguido este feito é de destacar, pois aventavam-se várias possibilidades para a escala dos Veleiros entre Falmouth e o Funchal, entre as quais La Coruña.

Portugal já se constituiu como País anfitrião da Regata por diversas vezes, mas apenas ao nível das cidades de Lisboa e Porto. Ílhavo será, pois, uma grande novidade neste contexto.


Os veleiros participantes são 21, distribuídos pelas classes A, B, C e D, oriundos de diversos países, e começarão a chegar, conforme as condições de tempo, a partir de 18, prevendo-se que a 20 estejam todos acostados no Terminal Norte do Porto de Aveiro, para receber os visitantes e para o desfile final de saída, a 23 de Setembro.


Lista de todos os participantes:

CLASSE A

Alexander von Humboldt – 1906 – Alemanha

Astrid – 1918 – Holanda



Capitan Miranda – 1930 – Uruguai


Creoula – 1937 – Portugal

Cuauthémoc – 1982 – México



Kaliakra – 1984 – Bulgária

Mir – 1987 – Rússia



T S Pelican – 1948 – Reino Unido
Pogoria – 1948 – Polónia

Sedov – 1920 – Rússia


Shabab Oman – 1971 – Oman
Steppe

CLASSE B
Far Barcelona
Tecla

CLASSE C
Gedania
Juan de Langara
Spaniel
Viva

CLASSE D

Challenger 1
Challenger 4
Endeavour
Steppe

À laia de “rebuçado”, para ir fazendo crescer água na boca, aqui fica a imagem de alguns dos mais imponentes grandes veleiros (Classe A) que participam na Regata do Funchal 500 Anos, incluindo o nosso Creoula.

(Cont.)

Ílhavo, 11 de Setembro de 2008

Ana Maria Lopes

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Traje da Camponesa de Ílhavo



Enquanto mexericava em gavetas à procura de umas imagens de grandes veleiros, deparei com este postal – Camponesa de Ílhavo – que me fez recordar conversas passadas, relacionadas com o nosso museu.

Camponesa de Ílhavo – Séc. XIX



Há uns bons 16 anos, tive no museu algumas afáveis conversas com o Arquitecto Quininha, de quem sempre fui amiga, sobre a pintura, trajes e cerâmica expostas. Eram sectores que ele privilegiava, talvez por gostos e saberes, que não eram, nem vieram a ser, sectores fortes, naquela casa: a colecção de pintura é pobre e não criada segundo um estudo prévio, os trajes são praticamente inexistentes e, alguma cerâmica, razoável, recolheu a reservas há já alguns tempos.

Ele gostava especialmente de trajes e sabia muito de ourivesaria. Um dia, quando veio de Lisboa, numa das suas visitas frequentes a Ílhavo, trouxe-me carinhosamente aquele postal da Camponesa de Ílhavo, óleo de F. José Resende, (1825 – 1893), que encontrara à venda no então M.N.A.C. Apreciei-o, guardei-o, mas agora dou-lhe mais valor. O tal quadro vem citado no Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses de F. de Pamplona.

Levou-me a ir confrontá-lo com um outro existente no Museu, algo idêntico. Com a ideia segura que tinha, consultada a colecção on-line de pintura, encontrei-o. – A mulher… também de chapeirão!...

É este:

Camponesa de Ílhavo do Séc. XIX
Francisco Resende – Col. do MMI.


Coincidências: A Camponesa de Ílhavo (o mesmo título), revela-nos o traje da camponesa de Ílhavo, em finais do século XIX. Figura altiva, esta mulher também enverga um chapeirão de aba com lenço, camisa branca, corpete e saia, escuras, e apresenta-se descalça. É um óleo sobre metal de 1875.

O primeiro quadro a que me refiro, que deverá estar nas reservas do actual Museu do Chiado, enriqueceria um pouco mais a nossa colecção, mas as pertenças de cada museu são para se respeitarem, salvo raras excepções de depósitos e cedências.

Segundo descrição de Senos da Fonseca no seu Ensaio Monográfico, a pp. 342 e 343, a lavradeira de Ílhavo (Século XIX) envergava saia de serguilha (fraldilha), colete de fazenda (mesmo de veludo), preso no peito por abotoadura de prata, de par, debruados os botões a cetim amarelo; lenço habitual. Usava uma cinta com que fazia descer ou subir a saia, do meio da perna ao tornozelo. No pescoço, cordão de filigrana.

Algumas semelhanças e alguns pormenores diferentes.

Este primeiro óleo de F. José Resende, talvez, pelas cores empasteladas de uma luminosidade sombria que usa, e pela elegante posição da figura em causa, é de uma nobreza e beleza extraordinárias. Parece demasiado rica e nobre para camponesa. No entanto, está descalça…

Um grande lenço vermelho lavrado, sobre a cabeça, abraça, lateralmente, o chapéu de feltro preto debruado a cetim, de abas bastante largas. Bonita algibeira debruada e brincos compridos de ouro dão um último toque ao vestuário que enobrece a camponesa, segundo a paleta do artista. Não dá para apreciar muito bem se o chapéu, dado o peso da sua aba, tinha fitas ou presilhas que iam da orla à copa exterior, para que as abas não descaíssem.

O grande pintor Francisco José Resende interessava-se mesmo pelo traje da camponesa de Ílhavo – pelo menos, dois quadros conhecidos, parecidos, sobre o mesmo tema…

Mais algumas representações deste género conheço, neste caso, Ílhavas – Vendedoras de sardinha, litografia de Joubert, de meados do século XIX, colecção do MMI., outras de menor qualidade gráfica, o caso do postal do Museu de Ovar, que representa a mulher e o homem de Ovar.

Foi agradável “desenterrar” esta pintura que me levou a relacioná-la e compará-la com outras de que tinha uma memória mais ou menos fresca.

Ílhavas – Vendedoras de sardinha – M.M. de Ílhavo


Mulher e homem de Ovar



Aqui fica o registo das minhas cogitações domingueiras… Há sempre algo que motiva a feitura de um blog.

Fotografias – Arquivo particular da autora e imagens on-line do MMI.

Ílhavo, 9 de Setembro de 2008

Ana Maria Lopes



quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Romaria do S. Paio da Torreira




Em fins de verão, na zona lagunar, as festividades religiosas vão-se sucedendo: Senhora da Boa Viagem no último domingo de Agosto, no Torrão do Lameiro, S. Paio da Torreira, dia 8 de Setembro (e dias anteriores ou seguintes), procissão fluvial da Nossa Senhora dos Navegantes, em meados de Setembro, na Gafanha da Nazaré, Nossa Senhora da Saúde, na Costa-Nova, no último domingo de Setembro, Nossa Senhora das Areias em S. Jacinto, no primeiro domingo de Outubro e mais uma ou outra santidade espalhada pela região. Para muitas destas festas, o barco moliceiro era o meio de transporte favorito, porque também servia de casa nos dias de romaria. Esta tradição com o desenvolvimento de estradas e meios de transporte tem vindo a acabar. Mais sorte tem o S. Paio da Torreira que ainda é o ponto de encontro do maior e mais variado número de embarcações.

S. Paio – Anos 80


Até o nosso prémio Nobel Egas Moniz no seu livro de memórias A Nossa Casa não deixa de referir o encanto do S. Paio:

Na festa de S. Paio, a grande romaria da gente ribeirinha, a ria coalha – se de barcos que provêm de todas as freguesia marginais. Abundam os moliceiros lindamente embandeirados (…) que formam na Torreira a frota da alegria.
São as famílias e amigos do proprietário do barco que o enchem de raparigas airosas, de olhos escuros e tez morena, e de rapazes desempenados e garbosos, tisnados pela maresia.

O S. Paio é representado pela figura de um menino e está ligado às gentes que fazem da pesca o seu principal sustento, mas não só. Até porque na região a pesca interpenetra a agricultura numa simbiose perfeita do homem com a natureza: terra, ria ou mar. Quem não se lembra do Joaquim Ruivo, exemplo perfeito desta interpenetração? – tem gado e intensa vida de lavoura, no seu moliceiro, pelo menos, apanhava junco e moliço para uso pessoal, trabalha nas reconstruções ou “restaurações” dos barcos como ele lhes chama, decorava barcos e constrói as bonitas cangas vareiras.

A ligação do santinho padroeiro ao vinho, sobejamente conhecida, também terá a ver com a plena época das vindimas, em que a festa se realiza.

Quadra:

Ó S. Paio da Torreira
Ó milagroso santinho.
Hei-de cá voltar p´ró ano
Lavar o Santo com vinho.


Daí a ligação um pouco aberrante da relação entre o divino (as crenças, a fé) e o profano, cenas não das mais recomendáveis que os romeiros são levados a cometer como um desacato mais agressivo ou discussão mais acesa. Tão depressa o peregrino se entrega aos mais profundos actos de devoção, como apanha uma enorme borracheira e pragueja por tudo quanto é canto e esquina. Será em homenagem ao S. Paio milagreiro que transformava o precioso néctar em líquido santificado, segundo uma tradição antiga em que o santo era banhado em vinho?

Vide ONDE SE DÁ CONTA DOS ACONTECIMENTOS DO "ROUBO" DO S. PAIO DA TORREIRA .

Esta dicotomia de sentimentos está constantemente presente na decoração dos barcos moliceiros. E também a presença da Virgem na proa dos chinchorros e da Nossa Senhora ou da cruz de Cristo na bica do barco do mar não serão também indícios de uma forte religiosidade?

Eis alguns painéis de moliceiros em que o motivo central é religioso, neste caso, a representação do S. Paio da Torreira, celebrado nos dias 5 a 8 de Setembro.


S. Paio

O S. Paio da Torreira

“S. Paio da Torreira”

“Terás sempre lugar no meu coração”


Mais uma vez, este ano, a romaria do S. Paio já tem programa de festas. São destaques do cartaz: a procissão, o fogo de artifício no mar e na ria, regata de bateiras (à vela), a corrida de chinchorros, as rusgas e a regata de moliceiros. Esta e o concurso de painéis têm lugar no dia 7, domingo, respectivamente às 16 horas e trinta e 10 horas da manhã.
Na segunda-feira, dia 8, dia de S. Paio, às 10 horas realiza-se a tradicional missa campal, seguida da habitual procissão.

Fonte: “Murtosa – Uma terra a descobrir – Romaria do S. Paio da Torreira”, texto de Ana Maria Lopes e Fotografia de Carlos Pelicas

Fotografias do Blog – Arquivo pessoal da autora

Ílhavo, 4 de Setembro de 2008

Ana Maria Lopes