sábado, 26 de julho de 2008

Representação de Ílhavo no Milenário e Bicentenário de Aveiro



Em Julho de 1959, Aveiro comemorou o Milenário da primeira referência, conhecida, à sua existência, expressa no documento da doação feita em 26 de Janeiro de 959, pela Condessa Mumadona Dias, ao mosteiro de Guimarães, por ela fundado. Aveiro contava-se entre as terras então doadas ao referido Mosteiro.
Em simultâneo, na data referida, Aveiro comemorou o Bicentenário do registo da Carta de Provisão (26.07.1759), em que D. José outorga e faz mercê, que dessa data em diante, Aveiro fique erecta cidade.

A representação de Ílhavo nas festas comemorativas do Milenário e Bicentenário de Aveiro, nomeadamente no Cortejo Folclórico, foi exemplar. Faz hoje, sábado, portanto, dia 26 de Julho, 49 anos…Era domingo, em 1959.

Dia de festa em Aveiro. Ruas e avenidas apinhadas de gente, varandas ornamentadas de colgaduras, a abarrotar… todos quantos acorreram a Aveiro procuraram local de onde pudessem apreciar o espectáculo que se lhes deparava. Corriam de um lado para o outro para bisar os aplausos a todos quantos nos seus bonitos trajes, antigos ou modernos, nas suas danças e canções os encantavam.
Todos os concelhos do nosso distrito cooperaram, participando com os bonitos carros alegóricos representativos das suas actividades comerciais, industriais e agrícolas.

Ílhavo não poderia faltar. Não só porque as histórias das duas povoações tiveram origens e percorreram caminhos comuns até certo período da sua história, confundindo-se durante largo período as suas gentes, já que Sá, sita no termo de Aveiro, pertencia a Ílhavo. Sujeitas aos mesmos momentos de fartura ou de privações, e até catástrofes, conforme o estado da laguna que era a circunstância destas gentes da borda. Mas a ligação entre os dois agregados populacionais ainda se reforçou aquando da grande crise de abastecimento da vila de Aveiro, verificada no séc. XVI. Ílhavo foi, naturalmente, pelas ligações referidas, dos lugares vizinhos que mais comparticipou para suprir as carências sentidas na vila vizinha, fazendo-o dos mais variados modos, com os mais variados produtos em que o termo da vila era rico. Forneceu pão, cereais (milho, trigo, painço), lenha, vinho e ainda carnes e muitos outros produtos, de que Aveiro precisava para sustento da sua população que teria crescido de um modo explosivo a partir do séc. XV, com a presença de muitos mercadores estrangeiros, que ali se vieram fixar.
Por estes motivos, a participação do concelho de Ílhavo, nas festas do Milenário, deveria ter uma dimensão muito vasta e variada, na expressão e motivação.

Embora todo o concelho de Ílhavo tivesse uma representação à altura, é, do nosso grupo, de que eu e muitas das minhas amigas fazíamos parte, que tenho uma memória mais viva.


Abertura da representação de Ílhavo


A abrir, um dístico com a palavra ÍLHAVO, conduzido por dois autênticos pescadores. A seguir, um friso de jovens pescadeiras, seguidas por mais seis padeiras e outras tantas ceifeiras, vestidas a capricho. Um grupo de lindas tricanas antigas e modernas, tendo havido o cuidado de, naquelas como nestas, escolher lindos palminhos de cara, dentre as mais graciosas das nossas gentis meninas. – in “O Ilhavense “ de 1 de Agosto de 1959.

O desfile


Pelo menos, as ceifeiras entoavam alegremente a “Canção das Ceifeiras” que o nosso conterrâneo João Aníbal Ramalheira me ajudou a situar como fazendo parte do repertório da revista infantil “A Nossa Escola”, com letra do Prof. José Pereira Teles e música do vaguense Berardo Pinto Camelo.
Ei-la, completa:



Côro das Ceifeiras

As nossas doces cantigas
São tecidas ao luar
Apanhando as espigas
Em constante labutar.

Côro

Ceifeiras! – lêdas, morênas,
Cachopas da nossa terra
Sois como as lindas falênas
Vôejando pela serra

Estas searas amigas
Dão-nos fartura de pão
Andai, andai, raparigas
Ceifai – as por nossa mão.

Em desafio constante
Andam cigarras no ar,
Não suspendais um instante,
Continuai a ceifar.

Trigo loiro, sazonado,
Vai em seguida p’ra eira
Onde o solsinho doirado
Lhe dá cor mais lisonjeira.

Seguiram-se representações do Illiabum Clube, da Fábrica da Vista-Alegre, da Gafanha da Nazaré, da Indústria de Conservas de Peixe da Barra, o carro da Capelinha da Nossa Senhora da Saúde…

Fechava esta parte do cortejo um carro com uma alegoria de Ílhavo (a vela não podia faltar), estruturada sob um feliz desenho modernista de Emanuel Macedo e ladeada pelos bombeiros Voluntários de Ílhavo.

O carro alegórico

Segundo a fonte jornalística já referida, foi um cortejo que fechou com chave de oiro todas as festas mundanas do Milenário e Bicentenário de Aveiro.

E lembrar a azáfama que antecipou todo este folclore?


O centro do mundo era a casa da Senhora D. Dadinha Lé, pequenina, gordinha e gaiteira, com o bairrismo à flor da pele.
Em cima da mesa da sala de jantar, metros e metros dos mais variados tecidos (cetins, sarjas, veludos, chitas, fazendas, feltros, etc.) e acessórios: chapéus, lenços, cestos, canastras, faixas, xailes, foices e outros.
E as idas ao Porto àqueles grandes armazéns de têxteis, em busca dos tecidos mais apropriados?
E as provas, que farra!

Na nossa juventude, queríamos apresentarmo-nos o melhor possível: o calçar da bota, da meia riscada de vermelho e branco, o arriar do saiote, o içar da saia com a faixa, o trilhar do avental, o ajeitar da blusa ao peito e o dobrar da aba do chapéu da maneira que melhor condissesse com o rosto.

Ceifeiras lêdas, morênas…

Eram estas as gentis ceifeiras, da esquerda para a direita: Célia Ré, Ana Maria Lopes, Maria Manuela Vilão, Rosa Armanda Mano, Idalina Bela e Elisabete Moreira.

Fotografias – Arquivo pessoal da autora

N. B. – No Coro das Ceifeiras, respeita-se a grafia da época, 1933.

Ílhavo, 26 de Julho de 2008

Ana Maria Lopes



1 comentário:

  1. Pela minha parte, obrigado pelas suas memórias. Afinal, elas também me conduzem a tempos idos, enriquecendo o meu prazer de recordar... Com que emoção!

    Fernando Martins

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