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O
capitão António dos Santos Carrancho, filho de Francisco dos Santos Carrancho e
de Luiza da Rocha Deus, nasceu em Ílhavo em 13 de Outubro de 1904.
Casou
em 15 de Maio de 1927 com Prazeres Gonçalves Sarrico Carrrancho, de quem teve dois
filhos – António Sarrico dos Santos, arquitecto de profissão, conhecido por Sá
Rico (1929) e Maria Licínia Sarrico dos Santos (1940).
Possuía
a cédula marítima 15243 passada pela capitania do porto de Aveiro, em 25 de
Março de 1918.
Na ausência de quaisquer dicas sobre os princípios da vida marítima do Capitão Carrancho, encontrei-os, porventura, um pouco romanceados, numa curta biografia familiar “Capitão Carrancho, Lobo do Mar Ilhavense nos Bacalhoeiros”. É de louvar a ideia do filho, que deu valor à vida dura e agreste, que seu Pai tivera.
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Depois
de completadas as derrotas que tinha a cumprir, incluídas no seu curso, que lhe
tinham dado muita prática, a vida não lhe sorrira e, em época de forte crise,
encontrava-se desempregado. A sua mulher contribuía para as despesas da casa,
com uns trocos que ganhava, enquanto costureira com bastante clientela.
Certo
dia, numa conversa com amigos da área, em Aveiro, ligados ao sector do mar,
teve conhecimento de um pequeno barco veleiro que se vendia – era uma chalupa
de média tonelagem, cerca de 90 toneladas, boa para serviços entre portos do
continente, pertencente a uma empresa da Figueira da Foz, em falência.
Na
situação de desemprego em que estava, não mais largou o assunto de ideia e veio
a concretizar a compra, com a ajuda da família e um empréstimo bancário (pelos
anos 30).
Concretizado
o sonho da compra da chalupa “Flor de Lavos” , começou a trabalhar por
sua conta e risco e foi testando a sua sorte e saber e o potencial da
embarcação, em viagens de cabotagem cada vez mais longínquas e arriscadas.
“Tantas
vezes vai o cântaro à fonte, que algum dia, quebra-se”. Foi o que lhe
aconteceu, um dia com a chalupa, a que um mar tempestuoso e ventos
descontrolados arrastaram para o sul da ilha de Maio, tendo naufragado por
encalhe. Os seis tripulantes, incluindo
o capitão tiveram a sorte de se salvarem.
Acabou
por se estabelecer na Cidade do Cabo, mas as saudades e a falta que fazia à
família, fizeram com que a mulher, com um pecúlio conseguido, o tivesse ido
buscar.
De
volta à metrópole, a situação de desemprego preocupava-o e entristecia-o. Ao
terceiro dia de estadia em Ílhavo, foi dar uma volta de bicicleta pela Coutada
e Lagoa, em que teve um encontro casual com um amigo, um tal João, que
não identifica, que, a par da situação, o convidou para imediato de um navio
para o qual tinha sido convidado para capitão. Seria verdade?
Concretizou-se. O navio era o lugre com motor, de madeira, San Jacinto. Ex-Gafanhoto, Ex-Encarnação, construído em 1919 em Pardilhó. Depois de algumas peripécias, foi reconstruído por Manuel Maria Mónica e adquirido pela Empresa de Pesca de Aveiro, para a campanha de 1933. O San Jacinto, na campanha de 1936, passou a ser propriedade da Empresa de Pesca de S. Jacinto, Lda., com sede em Coimbra.
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Lá
foi de imediato, com grande satisfação, sob o comando do seu” tal” amigo João,
provavelmente, João Fernandes Matias Júnior (Britaldo), durante as campanhas de
1936, 37 e 38.
Na
de 1939, no mesmo navio, subiu a capitão, prova do seu interesse e dedicação e,
nele se manteve, no mesmo cargo, até 1945. Durante estes sete anos, teve como
imediatos ilhavenses, Samuel Marques Damas (39), Carlos Domingo Magano (40),
Manuel Gonçalves da Silva (Paroleiro), (41, 42 e 43), José Simões Amaro
(Forneiro), (44) e Armando Matias Lau (45).
Obs.
A informação do imediato de 1941 foi obtida de “O Ilhavense”.
A
campanha de 1946, de saco às costas, numa nova emposta, fê-la no lugre com
motor Groenlândia, levando como imediato, o seu conterrâneo Manuel
Ferreira Godinho.
O lugre com motor, de madeira, Groenlândia, ex-Viana, ex-lugre-escuna Groenlândia, foi reconstruído por António Mónica, na Gafanha da Nazaré, em 1940, para Armazéns José Luís da Costa & Ca, Lda, com sede em Lisboa, e alterada a armação de lugre-escuna para lugre.
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O
ano de 1947 encaminhou-o para mais uma visita como capitão ao lugre San
Jacinto, tendo como imediato João Juff Tavares Ramos.
A campanha de 1948 trouxe-lhe o regozijo de estrear o lugre com motor Coimbra, construído por Arménio Bolais Mónica, na Gafanha da Nazaré, nesse mesmo ano, para a Empresa de Pesca de São Jacinto, Lda. É sempre um orgulho fazer a viagem inaugural de um navio. Teve como imediato, o conterrâneo Francisco António Bichão (Saltão)
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Numa
nova emposta, a campanha de 1949, fê-la como capitão do lugre com
motor Brites, construído em 1936 na Gafanha da Nazaré, por Manuel
Maria Bolais Mónica, para a firma Brites, Vaz & Irmãos, Lda., com sede em
Ílhavo. Foi o primeiro navio do projecto “Renovação”.
De
1950 a 1960, foi capitão do navio-motor Terra Nova, tendo sido
seus imediatos, os conterrâneos José da Silva Rocha (59) e José Simões Bixirão
(Ponche), (60).
Numa
das últimas viagens de regresso passou pelo desgosto de ter perdido um
contra-mestre, varrido ao mar por uma onda alterosa com mais de 20 metros,
levando-o com a sua impetuosidade, borda fora. Pode acontecer ao melhor e marca
para a vida.
Segundo
João David Batel Marques, “O lugre-motor “Lusitânia 3”, da Lusitânia Companhia Portuguesa de Pesca, Lda., imobilizou
após a campanha de 1945 e o navio-motor “Comandante Tenreiro”, da mesma
empresa, naufragou em Julho de 1946 por colisão com uma ilha de gelo.
A
Lusitânia Companhia Portuguesa de Pesca, Lda. resolveu, então transformar,
beneficiar e recuperar o lugre -motor “Lusitânia 3º” para suprir a falta
daquele, nascendo um pequeno navio-motor, com as obras-vivas em
madeira e as obras-mortas, em aço.
Recebeu
o nome de Terra Nova e foi lançado à água em 20 de Abril de1947”.
Comandou-o
o nosso capitão durante 11 anos.
Tendo o Terra Nova deixado a pesca do bacalhau, em prol da cabotagem internacional, o nosso capitão fez a última viagem de 1961, no navio-motor São Jacinto, construído por Manuel Maria Bolais Mónica & Filhos, em 1957, para a Empresa de Pesca São Jacinto, Lda. Exerceu o cargo de imediato, comandado pelo conterrâneo João Francisco Grilo.
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Saboreou
a sua aposentação, entre a casa de família na Rua Direita e conversas sem fim
com colegas oficiais, no café Central.
Boa
pessoa, dado, sabedor amigo do seu amigo, deixou-nos na sua última viagem sem
retorno, em 14 de Outubro de 1978, com 74 anos de idade.
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Ílhavo,
26 de Outubro de 2023
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Ana Maria Lopes
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