quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Inauguração da Estátua do Bispo do Mar. A propósito...

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Faz, exactamente, hoje, cinquenta e três anos, que Ílhavo viveu um dia festivo – 29. 12. 1968.

Um evento não muito bem aceite por todos… Mas história é história e D. Manuel Trindade Salgueiro, figura eclesiástica e homem de cultura, de grande relevo, era de Ílhavo (1898 – 1965) e tem tido o seu Largo, amplo, lá em baixo, que todos conhecemos, a que chamamos Largo do Bispo.

 

Desde adolescente que manifestei gosto por manusear máquinas de filmar – aproveitemos, pois, e divulguemos três minutinhos de filme, francamente de má qualidade; mas o que se esperaria de uma jovem amadora, há 53 anos, com uma Bell & Howell, 8 mm, maneirinha, muda, e de dúbia qualidade?

Ainda por cima, as sucessivas transformações por que a peça foi passando (de 8 mm para vídeo VHS, de vídeo para DVD, e deste para o reduzido formato Web/blog), produziram o que resta.

 

Ílhavo, terra de homens do mar, alia, sobretudo, a figura de D. Manuel, ao Bispo que, durante anos, entre as décadas de 40 e 60, celebrou a Missa campal e dirigiu as pomposas cerimónias da Bênção dos Navios Bacalhoeiros, em Belém, frente aos Jerónimos.

 

Filho de pescador desaparecido em naufrágio, sempre que visitava a sua terra natal, alojava-se na modesta casinha, aqui, na Rua João de Deus, nº 82, rezando missa, de madrugada, na capelinha privada de S. Domingos, sita à Rua do Curtido de Baixo, e já demolida.

 

Era domingo, numa manhã calma, luminosa e fria de Dezembro.

A Vila de então preparara-se para a recepção de ilustres visitantes.

Das janelas, pendiam luxuosas e aveludadas colgaduras; “mariatos” coloridos engalanavam as ruas apinhadas de curiosos. O relógio da torre marcava o meio-dia menos vinte, quando a comitiva saiu da Igreja Matriz, onde missa festiva havia sido celebrada. Do céu choviam milhares de papelinhos multicolores; estacionados ordeiramente, os Mercedes-Benz governamentais aguardavam os ocupantes; as vestes cardinalícias, no seu tom de nobreza, esvoaçavam, por entre a populaça bisbilhoteira.

Os convivas, guiados pelo Senhor Dr. Amadeu Cachim, Presidente da Câmara, à época, fizeram o percurso a pé, entre a Matriz e o referido Largo, onde duas tribunas montadas para o efeito os aguardavam.

Após os discursos da praxe, a estátua do Bispo da Gente do Mar, da autoria do escultor Leopoldo de Almeida, foi descerrada pelo Senhor Presidente da República, para gáudio da multidão que acorreu à cerimónia. Algumas figuras etnográficas da vila, trajadas a rigor, emprestavam à festa um colorido característico. Depois de um almoço opíparo, servido à comitiva, entidades locais e convidados, houve lugar a romaria ao Museu Marítimo e Regional de Ílhavo, na altura, sito na Rua Serpa Pinto. O que prova que fosse quais fossem as suas instalações, o nosso Museu Municipal parece, sempre ter sido a grande Sala de Visitas de Ílhavo.

Caros amigos, desculpem a qualidade do filme, mas quem partilha o que tem, a mais não é obrigado.

 

 

Ílhavo, 29 de Dezembro de 2021

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Ana Maria Lopes

sábado, 18 de dezembro de 2021

As mulheres das secas

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A aproximação do Natal e o sempre citado bacalhau levaram-me a ir “ao baú”, rever que fotos tinha relativas a esta dura profissão da secagem do dito, embora um pouco mais tardias às registadas por Maria Lamas.

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Uma das últimas secas tradicionais…a IAP. s/d
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Com o andar dos tempos, com o avanço das tecnologias, com regras mais higiénicas, com as exigências da ASAE, com a competição aguerrida, viriam a acabar, mas, para amostra, nem uma, naquele seu tabuado acastanhado, trincado, nos seus extensos armazéns, na sua carpintaria consertadora dos botes, nos tanques/lavadouros, frequentemente exteriores e rústicos, singulares e típicos carros-de-mão de roda de ferro e, sobretudo, naquela vastidão imensa do «secadouro», com as tradicionais «mesas» de arame para exposição do «fiel amigo» ao sol.

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Tanques na seca do Brites…
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Os tempos são outros, o progresso fez-se sentir, mas as mulheres das secas, sobretudo da Gafanha da Nazaré e arredores foram grandes MULHERES e merecem a honra desta singela homenagem.

Tive, por afinidades familiares, contactos, com as ditas mulheres, verdadeiras heroínas, pelo início dos anos sessenta, em que os trajares já eram mais aligeirados do que foram, outrora, e, porventura, as mentalidades, um tudo ou nada, mais abertas. Foi, então, que me deu para as fotografar.


Os clichés a preto e branco, num tempo em que “clicar” não era vulgar como agora, aprecio-os mais, porque são imagens de um passado que não volta, a que tive oportunidade de assistir ao vivo. E até de surripiar, para saborear, umas lasquinhas de bacalhau, das altas e ordenadas pilhas. Era uma técnica dura, pesada, mas perfeita, cheia de saberes, de sabores e de “conhecimentos”.

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Carros, lambretas e bacalhau a perder de vista
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As secas do bacalhau, na Gafanha, empregavam muitas centenas de mulheres, durante parte do ano, havendo empresas onde o trabalho era permanente, porque abrangia duas campanhas, a dos lugres e a dos arrastões.

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A escritora Maria Lamas, que andou pela nossa região na década de quarenta, recorda a maneira de viver das mulheres da Gafanha, com a sua ignorância, o seu fatalismo, mas também com a sua responsabilidade e solidariedade. Assim, acentua Maria Lamas (…), a psicologia das trabalhadoras das secas de bacalhau, desembaraçadas, faladoras e alegres, como se a vida lhes não pesasse. Em conjunto, nas horas de plena actividade, cantando em coro ou simplesmente escutando os programas de rádio, elas constituem um quadro de plena vitalidade e de optimismo. (…)

 

O trabalho da mulher, nas secas, consta de: descarregar, lavar, salgar e levar o bacalhau, todos os dias, para as “mesas” da seca, recolhendo-o à tarde; depois há ainda a tarefa de o empilhar, seleccionar e enfardar. (…) A lavagem faz-se em tanques; depois o peixe é colocado, em pilhas, a escorrer, sobre pequenos carros, que cada mulher conduz à secção onde recebe o sal. (…)

As mulheres, que se ocupavam nestes serviços, eram de todas as idades, solteiras e casadas, predominando as mais jovens. Tinham consciência plena da dureza daquela vida de labores diversificados e pesados. Se o tempo estava bom, a tarefa era-lhes facilitada.

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Escolha e separação do peixe…1961
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Um criativo designer de moda, hoje, inspirar-se-ia nos trajes das mulheres das secas para uma toilette jovial e contemporânea – saias sobre calças, caneleiras (canos) sobre o calçado e chapéu sobre o lenço…que tal? E, não raro, botas de borracha, a que hoje se chamam galochas. Um laivo de modernidade?...

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E a tarefa prossegue… 1961
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Já agora, se temos receado que as crianças e pessoas menos conhecedoras do assunto pensem que o bacalhau é um peixe espalmado, tal qual o vemos nos supermercados/mercearias, com cura mais ou menos tradicional, temamos também que com a visita ao aquário do MMI, as crianças comecem a exigir aos pais a presença de um aquário, na cozinha, com bacalhaus pequeninos, tal Nemo, colorido e listado, com a sua história comovente.

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Ílhavo, 18 de Dezembro de 2021

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Ana Maria Lopes

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sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

A "estória" da Joana Labrega

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Dos Postais da CASA do BICO que Senos da Fonseca tem escrevinhado, já há uns anos, no blogue Terra da Lâmpada, não há dúvida que, para mim, o que relata um parto improvisado a bordo de uma bateira labrega, seduziu-me mais profundamente. Todos eles têm o seu atractivo, porque relatam histórias ficcionadas entre figuras características da Costa Nova, que, por sua vez, lhe são hipoteticamente relatadas pela Zefa e pela Bernarda, em encontros de passeios matinais.

Elogio no autor, a capacidade criativa, a preocupação do registo dos nossos linguajares, em contexto, bem como o entusiasmo com que nos brinda com os seus relatos.

 

No entanto, a «estória» do parto da Joana Labrega fascinou-me demais …Porquê?

 

Por ter a ria como cenário, a bordo de uma bateira labrega, de vela bastarda, com toldo espalmado (pata de rã)?

 

Por registar os tais linguajares (vertedouro, escalamãos (escalamões), saltadouro, castelo da proa, traste, orça, etc.), sobretudo, de cariz marítimo?

 

Por nos contar um parto improvisado, o desabrochar de uma vida, com toda a sua emoção?

 

Eu, que assisti a partos e, principalmente, fui mãe, sem os artifícios que envolvem os partos actuais, pensei, depois de ter acabado de ler a história:

 

 – há cinquenta e 5 anos, quase que preferia ter parido a bordo de uma labrega que numa «cama de bilros», de pau-santo.

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E fiquei ferrada naquele pensamento!!!!!!!!!! que navegou comigo até de manhã. Que beleza!

 

Ílhavo, 17 de Dezembro de 2021

 

AMLopes

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Centenário do jornal "O Ilhavense"

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Talvez seja uma das pessoas de Ílhavo que mais tenha consultado o jornal “Ilhavense”, sobretudo, a partir dos anos 80 – com diversos objectivos: registo das doações ao Museu dos Ílhavos, desde o início anos 20, porque o Museu e o Jornal, nasceram, praticamente, de braço dado, a rubrica anual da relação das saídas dos navios para a pesca do bacalhau, desde 1922 até 1969,  (“Ei-los que partem”, Eles lá vão para os Bancos da Terra Nova”, “Deus os leve… Deus os traga”, “Boa viagem!”, “Aquelas Naus”, “Relação dos navios que este ano vão aos Bancos da Terra Nova”, “Frota Bacalhoeira de Portugal”,” Eles que partem”, “Amigos! Até à volta! Que os ventos vos soprem de feição!”, “NOSSA SENHORA vos leve em paz”, “Partamos, que o mar nos chama!”, “A bênção dos bacalhoeiros”, Vamos lá com Deus”, etc.), com a anotação de capitão, (e nem sempre do imediato e piloto), vários naufrágios e acidentes, cerimónias de bota-abaixo, normalmente, na Gafanha da Nazaré, com toda a sua alegria, pompa, circunstância e entusiasmo, obituários com mais interesse, numa prosa mais empolada, que permitem melhorar o sítio do cemitério, dados sobre os sucessos e retrocessos da Costa Nova do Prado, assuntos e imagens preferidas de alguns.

Da consulta destes dados e outros, nasceram alguns livros de vários autores.

Consultar os jornais antigos é uma pesquisa, mas também um mimo e uma diversão, porque, para além do que realmente procuramos, os olhos fogem-nos para as notícias de aniversários, de casamentos, de “délivrances”, de personalidades que estavam doentes, das que andavam em veraneio, das quotas dos jornais em atraso, dos concursos de beleza das mais belas mulheres de Ílhavo, etc., etc., etc.

Durante a década de 90, em que exerci o cargo de Directora do Museu Municipal, a direcção do jornal, com quem mantive sempre um bom relacionamento, mostrou o maior interesse por tudo quanto se passava na instituição museológica.

Voltou-se a uma rubrica mensal, PELO MUSEU, que veio recordar uma que houve em tempos idos, que fazia apelos a ofertas para o museu e que elencava, pormenorizadamente, as doações que haviam sido feitas.

Para “memória futura”, transcreveram-se sempre os discursos de abertura de todos os eventos.

Transcreveram-se, na íntegra “as folhas de sala”, espécie de inventário/catálogo, sem imagens (o dinheiro não abundava na CMI), da exposição Faina Maior – Pesca do Bacalhau à linha e da abertura da sala da ria – A Nossa Ria.

Também agradeço a “O Ilhavense”, toda a abertura e espaço que deu ao meu blogue “Marintimidades”, criado em Abril de 2008.

Do conjunto de “posts” dedicados às miniaturas do sr. Capitão Marques da Silva e dos seus textos explicativos, à linguagem das marinhas usada durante uma safra de outros tempos e a “Homens do Mar”, acabaram por ser dados ao prelo, os livros “Bateiras da ria de Aveiro – memórias e modelos”, em 2011, “Uma Janela para o Sal”, em 2015 e “Tributo a Capitães de Ílhavo”, em 2017.

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Parabéns ao Jornal, pelo seu centenário, a que chegou com muitas dificuldades, dada a sua pequena equipa e carência de meios. Durante, sobretudo, os primeiros 80 anos, retrata a vida de Ílhavo, da grande vila que, então, foi.

O seu papel, na actualidade, mudou levemente, com a internet, com as redes sociais e com a rapidez com que as notícias nos chegam a casa, pelos telemóveis, pelos ipads e pela televisão.

Neste mundo infortunado, em que vivemos, tive, há dias, o consolo de saber que no Ciemar, “O Ilhavense” já se encontra digitalizado até 1986, inclusive.

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Ílhavo, 20 de Novembro de 2021

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Ana Maria Lopes

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quinta-feira, 25 de novembro de 2021

E assim "partiu" o Tibério Paradela...

 


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Libânio Tibério Boia Paradela, filho de José António Paradela e de Rosa de Jesus Boia, nasceu em Ílhavo, na Rua de Alqueidão, em 9 de Julho de 1940.

Possuidor da cédula marítima nº 115.820, passada pela Capitania do porto de Lisboa, em 29 de Dezembro de 1960, foi Homem do Mar. Além de, na safra de 1962, ter sido praticante de piloto no arrastão “Santa Mafalda” , foi de imediato com o Capitão António Pascoal, no navio-motor “Novos Mares”, nas campanhas de 62, 63 e 64. Filmei essa entrada na barra e foi aí que conheci o Tibério.

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Botes empilhados   no “Novos Marres”
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Foi casado com Maria Elisabete (Betinha) Barata de Matos Moreira, de cuja união nasceram os filhos Ana Margarida e José António Barata Moreira Paradela.

Andou pelas Àfricas, sempre, Homem de Mar. Nunca tive grande contacto com ele, mas, de Verão, na Costa Nova, passava de bicicleta, quase diariamente, para o encontro dos “ílhavos” no café Atlântida.

Era este o Tibério que conheci, sorridente, solidário e bem-disposto. Pertencente ao Club dos Lions de Ílhavo, socializava. Hábil na escrita, foi colaborador do jornal “O Ilhavense”. Tentou outros voos difíceis, e deu ao prelo no Verão de 2014, o romance ficcionado “Neste Mar É Sempre Inverno”, apresentado no CVCN.

Já que ainda participou, como imediato, na pesca nos botes, gostava de saber como sentira esse tempo. Embora não concordasse com alguns aspectos apresentados, deparei-me, ao lê-lo, com vários excertos de uma bela prosa.

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Sessão de autógrafos
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No último Verão, um ar débil tomou conta dele e, de problema em problema, assim “partiu”, ontem, 24 de Novembro de 2021, com 81 anos, para essa viagem “sem retorno”. Esperemos que seja por um mar calmo, já que ele o amava.

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Ílhavo, 25 de Novembro de 2021

Ana Maia Lopes

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domingo, 14 de novembro de 2021

O Dia do Mar de 2021

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O Museu Marítimo de Ílhavo vai celebrar o Dia Nacional do Mar (16 de Novembro) no próximo dia 20 de Novembro, sábado.

A epopeia dos descobrimentos portugueses, um dos áureos períodos da navegação e exploração marítimas, ficou marcado por feitos heróicos, por homens arrojados, por marcantes avanços tecnológicos e por um conjunto de sete navios que acompanharam o século e meio da expansão portuguesa.

A precisão e sabedoria do Comandante António Marques da Silva, um dos mais reconhecidos modelistas portugueses, apetrechou a Sala dos Mares do Museu Marítimo de Ílhavo com os modelos dos sete navios dos descobrimentos que, agora, a Associação dos Amigos do Museu lança em livro – "Os Navios dos Descobrimentos. Memórias e Modelos".

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Contracapa e capa
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Outros e variados eventos terão lugar, ao longo da tarde, do mesmo dia.

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Fonte – MMI.

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Ílhavo, 14 de Novembro de 2021

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Ana Maria Lopes

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segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Os últimos vão "partindo"...

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Cap. António Tomé da Rocha Santos

 

 

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Nado e criado em terras de Ílhavo, Tomé Santos, afectuosamente conhecido pelo capitão Tomèzinho, nasceu a 24 de Julho de 1928. Descendente de família de homens do mar, de entre os quais o seu pai, António dos Santos, seguiu-lhe as pisadas.

Pertencendo já à última geração de capitães da Faina Maior, concluiu a Escola Náutica, em 1949, sendo portador da cédula marítima nº115266, passada pela Capitania do Porto de Lisboa.

Casou com Dina Teresa Rodrigues Madalena, já falecida, de cuja união, nasceram os filhos António José, Henrique Manuel e Maria Teresa Madalena Santos.

A sua primeira viagem aconteceu em 1950, ao embarcar como imediato do lugre-motor “Adélia Maria”, tendo-se sucedido o “José Alberto”, o “Bissaya Barreto”, o “Ilhavense II” (1954 e 55), o “Capitão Ferreira” e o “Ilhavense” (de 1957 a 59), entre os cargos de piloto e imediato. A 16 de Agosto de 1955, enquanto imediato, naufragou no “Ilhavense II”, com incêndio fatídico a bordo.

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Lugre-motor “Ilhavense”
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Já com um saber de experiência feito, pegou com mestria no navio-motor “Ilhavense”, que comandou durante 11 anos, de 1960 a 1971. Em 1965, durante a reunião anual dos capitães com o Almirante Henrique Tenreiro, o Capitão António Tomé da Rocha Santos foi agraciado com a Placa de Prata e o Diploma da Mútua dos Navios Bacalhoeiros, em virtude da assistência prestada ao navio-motor “Celeste Maria”, na campanha de 1964.

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Navio-motor “Ilhavense”
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Reparem na coincidência do nome!... Neste caso, o Jornal “O Ilhavense” era “comandado”, à mesma data, pelo Prof. José Pereira Teles.

Depois da passagem de mais dois anos pelo navio-motor “Rainha Santa”, na pesca do bacalhau, fez algumas viagens em navios de comércio, para acabar a sua faina de mar, no comando, entre 1976 e 1982, do arrastão "João Corte Real", mais tarde apelidado de "Maria de Ramos Pascoal".

Depois de umas boas décadas a saborear a sua merecida reforma junto da Família, deixou-nos com a provecta idade de 93 anos, para uma longa viagem sem retorno, em 31 de Outubro de 2021.

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Ílhavo, 1 de Novembro de 2021

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Ana Maria Lopes

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sexta-feira, 22 de outubro de 2021

A minha visita ao Centro de Religiosidade Marítima

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A entrada

No dia 8 de Agosto, abriu ao público o Centro de Religiosidade Marítima. Depois de ter conhecimento do seu percurso expositivo, de ler lido e visto algumas apreciações na imprensa escrita e televisiva (Programa Ecclesia, na RTP 2), só o pude visitar no princípio de Outubro. Expõe ao público um espólio valiosíssimo, com diversas origens. Na entrada, sobranceira à exposição temporária da colecção de santos de porcelana da Vista Alegre (a que já dediquei um “post” especial), como seu guardião, encontra-se a estátua monumental do “Homem do Gabão”, do escultor ilhavense Euclides Vaz, legada ao Município em 1991 e só agora exposta, depois de bem restaurada. Símbolo do pescador ilhavense, com o seu gabão de burel e grande fateixa ao ombro, parece ter um olhar vago, em direcção ao mar.

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Homem do Gabão
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Como, em relativamente pouco espaço, nos é fornecida uma assombrosa quantidade de peças e de informação, vou-me deter naquelas que me chamaram mais a atenção.

Os objectos aqui presentes vieram da colecção do Museu Marítimo, alguns de privados e a maioria, da Igreja paroquial de Ílhavo, principalmente os que não estão a uso, provenientes da Capela das Almas de Ílhavo., demolida em 1910.

Ao cimo das escadas, a máquina do relógio da torre da Igreja com os seus pesos e o sino da ronda, que veio da Capela das Almas. Em contraposição, a bússola e bitácula de navio bacalhoeiro.

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Tempo de terra… rumo de mar

 

Sino da Capela das Almas
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Na sala contígua, domina um painel encomendado ao artista ilhavense Júlio Pires, que representa vários momentos da vida desta terra – tempestade no mar, mágoa das mulheres que ficam em terra, procissão do Senhor Jesus dos Navegantes. Muito colorido, preenche completamente o espaço.

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Painel de Júlio Pires
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Começo a ficar cansada e ainda há tanto para ver. Recordo os objectos que me chamaram mais a atenção. Prometi a mim própria, visitar de novo o CRM, começando pelo segundo andar para apreciar melhor as peças que já não foram devidamente apreciadas.

A viagem ainda vai, agora, começar – “Ora bamos lá cum Deus”. Na parede da direita, a enxárcia executada com a prestimosa colaboração do Capitão Marques da Silva, com cabos, escadas e nós de marinharia específicos.

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Representação de enxárcia
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Encantou-me um nanquim de João Carlos, a “Nau Catrineta”, que já conhecia bem, duas belas “carrancas”, a roda do leme do lugre “Senhora da Saúde”, que sempre me apaixonou.

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Duas “carrancas” e caravela
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Roda do leme do lugre “Senhora da Saúde”
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Passando aos ex-votos, que testemunham a fé ilhavense e devoção ao Senhor dos Navegantes, já ladearam o altar do Senhor Jesus, na nossa Igreja Matriz, já se exibiram no Museu Marítimo de Ílhavo, até que voltaram à fonte (espólio da Igreja Matriz). Podem ser pictóricos, jarras de porcelana ou prata, flores artificiais em papel, tão características de Ílhavo, feitas por Jorgelina Vaz, ou até de ouro. Também podiam ser partituras musicais, como as que estão expostas, do compositor, João da Rocha Carola, escritas para missa dos navegantes, em 1884.

O lugre “Navegante”, que vai sempre no andor do Senhor Jesus, em tempo de procissões, foi um ex-voto de Domingos Pena, executado, a bordo, em 1919.

 

O ex-voto lugre “Navegante
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Que bem que conhecia, passaram-me pelas mãos, as bandeiras, bordadas a seda e a ouro, oferta dos oficiais e dos marinheiros, expostas em móvel adaptado e construído para o efeito, de modo a protegê-las da luz.

Bela colecção de faixas igualmente bordadas e destaque para um nanquim do artista João Carlos, auto-retrato, com a mulher, Silvina e o filho, em devoção ao Senhor Jesus.

No acesso à sala dos tesouros, talvez porque já cansada, andei um pouco perdida. Mas, de repente, dei com ela. Destaco a extraordinária custódia renascentista de 1575, encomendada por D. Pedro de Castilho, então prior de Ílhavo.

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Brilhante custódia renascentista
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A direita, um retrato de D. Manuel Trindade Salgueiro, pintado por Rui Pedro Pacheco.

 

Diversos
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Nas vitrinas que circundam a sala, vemos tesouros espirituais, objectos selecionados de D. Manuel Trindade Salgueiro, de D. Júlio Tavares Rebimbas, do arcebispo Pereira Bilhano e de D. Celeste Maria Santos, benemérita de Ílhavo. Até umas famosas arrecadas em ouro, esmaltadas a verde e branco, com aljôfres!...

Chegada à sala das devoções da Vila de Ílhavo, surpreendi-me pela grandiosidade das enormes imagens, como que suspensas no ar, no contexto de procissões e da Semana Santa.


Exposição de andores
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Chamou-nos a atenção, uma colecção de alminhas, o belo altar de calcário, dignamente restaurado e a quantidade e qualidade de paramentos bordados a ouro.

Apesar de já ter conhecimento de algumas peças, não diria que o espólio da Igreja Matriz era tão imponente, rico e grandioso.

Parabéns a toda a equipa do MMI., que se viu, durante alguns meses, envolvida neste trabalho e aos técnicos de restauro. Parabéns a Hugo Calão, curador do Centro de Religiosidade Marítima, que, com o seu saber e bom gosto, protagonizou o deleite dos visitantes.

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Fotos da CMI., de H Calão e J. Parracho, a quem agradeço.

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Ílhavo, 22 de Outubro de 2021

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Ana Maria Lopes

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sábado, 16 de outubro de 2021

Galeria de arte a céu aberto está concluída

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Ainda não tive o prazer de passar por ela, pronta, mas o Diário de Aveiro de 15 de Outubro de 2021 encarregou-se de me informar. De acordo com a Câmara Municipal de Ílhavo, a entidade que encomendou a intervenção artística, “estão concluídos os painéis que decoram parte do nó viário da Praia da Barra, alusivos à realidade e identidade patrimonial, histórica, social e cultural da terra e das gentes do Município de Ílhavo, com a assinatura criativa do artista plástico António da Conceição”. Era para mim um motivo de interesse passar por lá e apreciar, ao passar, com muita cautela, “o estado da arte”, já que considero o sítio perigoso, para quem conduz, não permitindo uma análise adequada à beleza da obra.

O convite da autarquia ao artista vem no seguimento do trabalho que António Conceição desenvolveu na Gafanha da Nazaré, com as pinturas de vários painéis alusivos à realidade da Faina Maior e da secagem do bacalhau, trabalho duros, mas de uma beleza inaudita. Foram mais de oito meses de labor intenso, com o pintor a retratar os marcos, as pessoas e as profissões da ria e do mar, as praias, o surf, a gastronomia, as emoções, o trabalho e o lazer. Em entrevista dada ao mesmo jornal, de 10 de Março de 2021, o artista referiu que estava a dar o seu melhor, ouvindo mesmo alguns palpites de passantes, porque a arte, neste caso, é de quem a passa a usufruir, depois de concluída. Quando se caminha para a Costa Nova, do lado esquerdo da via, ultimamente, foram acabados os últimos painéis que, apesar de muito belos e fortes, de algum modo, repetem o tema desenvolvido na Gafanha da Nazaré – a Faina Maior –, lançando mão das mesmas tonalidades entre os brancos cinzas, pretos e amarelados. A meu ver, estes escusavam de existir, porque já estão retratados, geograficamente, muito perto.

Grande falta, na minha modesta opinião, faz a representação de um “barco do mar” de proa erguida ao céu, com as suas artes de arrastar para terra, numa azáfama colorida e estonteante. Se este tipo de arte já hoje não se pratica na Costa Nova, esteve na origem deste belo rincão de areia, que, hoje, dá pelo nome de Costa Nova do Prado. A saber:

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Dois exemplos

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Para o leitor, aqui fica uma amostra de algumas das imagens que decoram o nó viário da Costa Nova/Barra, que devo à destreza de quem as tirou, já que não tinha meios de as conseguir pessoalmente, devido ao receio do trânsito, no local.

Os meus parabéns ao artista António Conceição e a quem lhe encomendou a obra, à parte o “esquecimento” da representação do” barco do mar”, imprescindível no mar da Costa Nova.

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Mar, gaivotas e o lazer do surf
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O artista em acção
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O farol, a musa e as dunas

Os mariscadores e moça a degustar uma ostra
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Cena marítima e característicos palheiros
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 Cenas da Faina Maior
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Ílhavo, 16 de Outubro de 2021

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Ana Maria Lopes

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