quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Inauguração da Estátua do Bispo do Mar. A propósito...

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Faz, exactamente, hoje, cinquenta e três anos, que Ílhavo viveu um dia festivo – 29. 12. 1968.

Um evento não muito bem aceite por todos… Mas história é história e D. Manuel Trindade Salgueiro, figura eclesiástica e homem de cultura, de grande relevo, era de Ílhavo (1898 – 1965) e tem tido o seu Largo, amplo, lá em baixo, que todos conhecemos, a que chamamos Largo do Bispo.

 

Desde adolescente que manifestei gosto por manusear máquinas de filmar – aproveitemos, pois, e divulguemos três minutinhos de filme, francamente de má qualidade; mas o que se esperaria de uma jovem amadora, há 53 anos, com uma Bell & Howell, 8 mm, maneirinha, muda, e de dúbia qualidade?

Ainda por cima, as sucessivas transformações por que a peça foi passando (de 8 mm para vídeo VHS, de vídeo para DVD, e deste para o reduzido formato Web/blog), produziram o que resta.

 

Ílhavo, terra de homens do mar, alia, sobretudo, a figura de D. Manuel, ao Bispo que, durante anos, entre as décadas de 40 e 60, celebrou a Missa campal e dirigiu as pomposas cerimónias da Bênção dos Navios Bacalhoeiros, em Belém, frente aos Jerónimos.

 

Filho de pescador desaparecido em naufrágio, sempre que visitava a sua terra natal, alojava-se na modesta casinha, aqui, na Rua João de Deus, nº 82, rezando missa, de madrugada, na capelinha privada de S. Domingos, sita à Rua do Curtido de Baixo, e já demolida.

 

Era domingo, numa manhã calma, luminosa e fria de Dezembro.

A Vila de então preparara-se para a recepção de ilustres visitantes.

Das janelas, pendiam luxuosas e aveludadas colgaduras; “mariatos” coloridos engalanavam as ruas apinhadas de curiosos. O relógio da torre marcava o meio-dia menos vinte, quando a comitiva saiu da Igreja Matriz, onde missa festiva havia sido celebrada. Do céu choviam milhares de papelinhos multicolores; estacionados ordeiramente, os Mercedes-Benz governamentais aguardavam os ocupantes; as vestes cardinalícias, no seu tom de nobreza, esvoaçavam, por entre a populaça bisbilhoteira.

Os convivas, guiados pelo Senhor Dr. Amadeu Cachim, Presidente da Câmara, à época, fizeram o percurso a pé, entre a Matriz e o referido Largo, onde duas tribunas montadas para o efeito os aguardavam.

Após os discursos da praxe, a estátua do Bispo da Gente do Mar, da autoria do escultor Leopoldo de Almeida, foi descerrada pelo Senhor Presidente da República, para gáudio da multidão que acorreu à cerimónia. Algumas figuras etnográficas da vila, trajadas a rigor, emprestavam à festa um colorido característico. Depois de um almoço opíparo, servido à comitiva, entidades locais e convidados, houve lugar a romaria ao Museu Marítimo e Regional de Ílhavo, na altura, sito na Rua Serpa Pinto. O que prova que fosse quais fossem as suas instalações, o nosso Museu Municipal parece, sempre ter sido a grande Sala de Visitas de Ílhavo.

Caros amigos, desculpem a qualidade do filme, mas quem partilha o que tem, a mais não é obrigado.

 

 

Ílhavo, 29 de Dezembro de 2021

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Ana Maria Lopes

sábado, 18 de dezembro de 2021

As mulheres das secas

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A aproximação do Natal e o sempre citado bacalhau levaram-me a ir “ao baú”, rever que fotos tinha relativas a esta dura profissão da secagem do dito, embora um pouco mais tardias às registadas por Maria Lamas.

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Uma das últimas secas tradicionais…a IAP. s/d
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Com o andar dos tempos, com o avanço das tecnologias, com regras mais higiénicas, com as exigências da ASAE, com a competição aguerrida, viriam a acabar, mas, para amostra, nem uma, naquele seu tabuado acastanhado, trincado, nos seus extensos armazéns, na sua carpintaria consertadora dos botes, nos tanques/lavadouros, frequentemente exteriores e rústicos, singulares e típicos carros-de-mão de roda de ferro e, sobretudo, naquela vastidão imensa do «secadouro», com as tradicionais «mesas» de arame para exposição do «fiel amigo» ao sol.

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Tanques na seca do Brites…
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Os tempos são outros, o progresso fez-se sentir, mas as mulheres das secas, sobretudo da Gafanha da Nazaré e arredores foram grandes MULHERES e merecem a honra desta singela homenagem.

Tive, por afinidades familiares, contactos, com as ditas mulheres, verdadeiras heroínas, pelo início dos anos sessenta, em que os trajares já eram mais aligeirados do que foram, outrora, e, porventura, as mentalidades, um tudo ou nada, mais abertas. Foi, então, que me deu para as fotografar.


Os clichés a preto e branco, num tempo em que “clicar” não era vulgar como agora, aprecio-os mais, porque são imagens de um passado que não volta, a que tive oportunidade de assistir ao vivo. E até de surripiar, para saborear, umas lasquinhas de bacalhau, das altas e ordenadas pilhas. Era uma técnica dura, pesada, mas perfeita, cheia de saberes, de sabores e de “conhecimentos”.

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Carros, lambretas e bacalhau a perder de vista
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As secas do bacalhau, na Gafanha, empregavam muitas centenas de mulheres, durante parte do ano, havendo empresas onde o trabalho era permanente, porque abrangia duas campanhas, a dos lugres e a dos arrastões.

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A escritora Maria Lamas, que andou pela nossa região na década de quarenta, recorda a maneira de viver das mulheres da Gafanha, com a sua ignorância, o seu fatalismo, mas também com a sua responsabilidade e solidariedade. Assim, acentua Maria Lamas (…), a psicologia das trabalhadoras das secas de bacalhau, desembaraçadas, faladoras e alegres, como se a vida lhes não pesasse. Em conjunto, nas horas de plena actividade, cantando em coro ou simplesmente escutando os programas de rádio, elas constituem um quadro de plena vitalidade e de optimismo. (…)

 

O trabalho da mulher, nas secas, consta de: descarregar, lavar, salgar e levar o bacalhau, todos os dias, para as “mesas” da seca, recolhendo-o à tarde; depois há ainda a tarefa de o empilhar, seleccionar e enfardar. (…) A lavagem faz-se em tanques; depois o peixe é colocado, em pilhas, a escorrer, sobre pequenos carros, que cada mulher conduz à secção onde recebe o sal. (…)

As mulheres, que se ocupavam nestes serviços, eram de todas as idades, solteiras e casadas, predominando as mais jovens. Tinham consciência plena da dureza daquela vida de labores diversificados e pesados. Se o tempo estava bom, a tarefa era-lhes facilitada.

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Escolha e separação do peixe…1961
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Um criativo designer de moda, hoje, inspirar-se-ia nos trajes das mulheres das secas para uma toilette jovial e contemporânea – saias sobre calças, caneleiras (canos) sobre o calçado e chapéu sobre o lenço…que tal? E, não raro, botas de borracha, a que hoje se chamam galochas. Um laivo de modernidade?...

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E a tarefa prossegue… 1961
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Já agora, se temos receado que as crianças e pessoas menos conhecedoras do assunto pensem que o bacalhau é um peixe espalmado, tal qual o vemos nos supermercados/mercearias, com cura mais ou menos tradicional, temamos também que com a visita ao aquário do MMI, as crianças comecem a exigir aos pais a presença de um aquário, na cozinha, com bacalhaus pequeninos, tal Nemo, colorido e listado, com a sua história comovente.

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Ílhavo, 18 de Dezembro de 2021

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Ana Maria Lopes

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sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

A "estória" da Joana Labrega

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Dos Postais da CASA do BICO que Senos da Fonseca tem escrevinhado, já há uns anos, no blogue Terra da Lâmpada, não há dúvida que, para mim, o que relata um parto improvisado a bordo de uma bateira labrega, seduziu-me mais profundamente. Todos eles têm o seu atractivo, porque relatam histórias ficcionadas entre figuras características da Costa Nova, que, por sua vez, lhe são hipoteticamente relatadas pela Zefa e pela Bernarda, em encontros de passeios matinais.

Elogio no autor, a capacidade criativa, a preocupação do registo dos nossos linguajares, em contexto, bem como o entusiasmo com que nos brinda com os seus relatos.

 

No entanto, a «estória» do parto da Joana Labrega fascinou-me demais …Porquê?

 

Por ter a ria como cenário, a bordo de uma bateira labrega, de vela bastarda, com toldo espalmado (pata de rã)?

 

Por registar os tais linguajares (vertedouro, escalamãos (escalamões), saltadouro, castelo da proa, traste, orça, etc.), sobretudo, de cariz marítimo?

 

Por nos contar um parto improvisado, o desabrochar de uma vida, com toda a sua emoção?

 

Eu, que assisti a partos e, principalmente, fui mãe, sem os artifícios que envolvem os partos actuais, pensei, depois de ter acabado de ler a história:

 

 – há cinquenta e 5 anos, quase que preferia ter parido a bordo de uma labrega que numa «cama de bilros», de pau-santo.

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E fiquei ferrada naquele pensamento!!!!!!!!!! que navegou comigo até de manhã. Que beleza!

 

Ílhavo, 17 de Dezembro de 2021

 

AMLopes