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Será
que a Costa Nova terá sempre algo a acrescentar? Relativamente à «minha bíblia»
sobre esta língua de areia que já nos deleitou muito mais, este “postal” não é
novidade.
Há
muito que vimos sentindo a falta de uma praia lagunar, num contacto aberto, directo,
solto, franco, doce e libertador, com as águas correntes lagunares. Além de nos
ter sido afastada da vista, uma boa
dezena de metros, a ria, ainda nos foi levado esse refrescar directo dos pés ou
dos corpos, nas suas macias águas. Isto consegue-se na ilha, na dita «Ilha
Branca» de formação recente (pelos anos 70), mas convenhamos que aí abicar,
a quem não tem embarcação, não é fácil.
Desde
que a nossa estância balnear se começou a afirmar como pousio de veraneantes, o
Bico começou por ser a primeira
praia lagunar de renome, aí, até aos anos 30 do século XX.
Quem
sabe, hoje, o que foi o Bico?
Um
espraiado de areia, mais ou menos
defronte ao actual e degradado parque infantil, enamorado de sol, apaixonado de água e luz, onde as beldades
chapinhavam em grupo, para se sentiram mais afoitas. Foi a praia lagunar do
tempo dos meus pais, onde chegaram a ser montadas, algumas, não muitas,
barraquitas riscadas, para aconchego dos grupos de jovens veraneantes e
possível troca de vestimenta molhada.
A
actividade piscatória na zona era muito razoável e as embarcações, ao longe, na
ria, pontilhavam-na de marcas mates ou brilhantes, empasteladas no casario
embaciado ou reluzente da Gafanha da Maluca.
Ainda
reconheci este Bico, já só com uns restos
de areia e vegetação (tramagueiras), onde nos reuníamos, em tardes mais
ventosas, para apanhar búzios e «concharinhas» para colares, para jogar as
cartas, o prego, o encarreirar ou o ringue. O banho, mesmo para as mais afoitas,
já era impossível, dado que ao caminhar pé ante pé, logo atolávamos num lodaçal
que nos atemorizava.
No
nosso tempo de menina e moça, usámos uma praia lagunar mais a norte (entre 1935
e 70), a que foi dado o pomposo nome de Biarritz
(praia famosa do sul de França), frente a um casario que começaria a nascer e a
desenvolver-se no redondo conhecido ainda hoje por esse nome.
A
pé, de bicicleta ou de bateira, para aí nos dirigíamos em bandos, quais
gaivinas ou gaivotas esvoaçantes.
Saboreávamos-lhe
a areia branca, macia, em declive, o sol quente, luminoso e acariciador, bem
como a água corrente, límpida, agitada ou calma, consoante o vento ou a ausência
dele.
A
ria era o palco de um sem número de malabarismos – mergulhos corridos,
saltados, pinoteados, braçadas em diversos estilos (bruços, crawl, mariposa). Mas, para deleite
mesmo ao sabor da corrente, fruindo a quentura do sol, nada como boiar directamente
na água ou em colchões ou bóias insufláveis.
Pelos
anos 50, os vários banheiros da praia (Sr. Portugal, Abreu e Maiaia) ainda
dispunham na faixa de areal, as suas barracas riscadas e coloridas, onde,
mediante aluguer, nos vestíamos, despíamos e abrigávamos da canícula, vento ou
nevoeiro em excesso.
E,
por aqui, foram despontando os primeiros amores que, ainda hoje, deixaram as
suas marcas.
Logo
a seguir ao aparecimento da Biarritz,
começou a moda de San Sebastian (praia
do norte de Espanha), uns trezentos metros mais a norte, junto à antiga seca de
Lavadores, que não chegou a gozar do brilho do primeiro espaço.
A
rapaziada, que fruía de belos mergulhos de dunas altas para água límpida e
profunda, era mais a clientela de San
Sebastian. Ficava, mais ou menos antes da actual ponte da Barra, frente à actual
moradia do arquitecto Cravo.
Foram estas as praias lagunares da Costa Nova, até ao grande desfalque, a que foi submetida a ria, pelos princípios de setenta.
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Costa
Nova, 23 de Setembro de 2021
Ana Maria Lopes
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