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Cap. João de Sousa
Firmeza
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As
conversas são como as cerejas, e entabulei conversa virtual com o João Paulo
Firmeza, acerca da carreira marítima do seu Avô paterno. Navios para cá, navios
para lá, naufrágios para cá, naufrágios para lá, arrastões para cá, arrastões
para lá, fotos para cá, fotos para lá, não havia nada como marcar um encontro
para degustar uma boa posta de bacalhau, depois de uma boa «chora», saborosa,
aprimorada e quentinha. A conversa frente a frente desabrocharia naturalmente,
evidentemente, em pleno ambiente que respirávamos. Era de interesse de ambos
restaurar a vida marítima do Capitão João Firmeza,
mas os dados eram escassos, havia vários hiatos, a família era pequena e quem
poderia fornecer mais alguns dados, também já tinha desaparecido. Mas, não
vamos desistir. Se hoje, ainda chegamos a alguns relatos, mais tarde, a muito
menos chegaríamos e mãos à obra…
Segundo
a ficha do Grémio, João de Sousa Firmeza era natural de Ílhavo, da Rua Dr.
Samuel Maia, filho de João de Sousa Firmeza e de Maria Victoria Tourega,
nascido a 26 de Janeiro de 1896.
Do
casamento com Maria Razoilo Senos, a 29 de Julho de 1920, nasceram os filhos
Maria Rosalina Razoilo Firmeza, João Francisco de Sousa Firmeza, e Paulo Manuel
de Sousa Firmeza, sendo o João Francisco de Sousa Firmeza, já falecido, pai do
João Paulo com tive o prazer de conversar. Mais uma vez, esta nossa moda ílhava – nomes muito parecidos, senão
repetidos e, por vezes, os sobrenomes dos filhos diferentes. Esclarecido, na
questão familiar. Parece-me.
João
Firmeza era portador da cédula nº 9107 passada pela Capitania do Porto de
Aveiro, em 25 de Janeiro de 1916, o que prova que, a partir desta data, já
poderia navegar, mas nada nos aponta nem quando, com que cargo, nem onde, salvo
algumas excepções.
É
algo estranho que o seu nome, mesmo em registos jornalísticos, apenas apareça,
em 1927, 1928, 1929 e 1930, de piloto, no lugre
Silva Rios, da praça do Porto, nas
safras de 1927 e 28, sob o comando de João Francisco Corujo, no lugre Senhora do Carmo, da praça da Fuzeta, na safra de 1929, sob o
comando de Zacarias Mendes Correia, natural da Fuzeta e na safra de 1930, no lugre São Paulo, com sede na Figueira da Foz, sob o comando de António
Augusto Marques (Marcela).
Em
anos de forte crise, é possível que tivesse viajado no Brasil, em viagens do
comércio, o que aconteceu com alguns ílhavos.
O neto, residente no Brasil, por razões profissionais, já tentou seguir o rasto
do apelido Firmeza, abundante em terras de
Cabral, mas não chegou a nenhuma conclusão segura. Fica como hipótese.
Na
campanha de 1939, portanto com 43 anos, ressurge como piloto do lugre Santa Quitéria, da praça de Aveiro, sob o comando de João Nunes de
Oliveira Sousa, seu conterrâneo. Como já referido, este lugre-motor, ex-navio dinamarquês Vénus, construído em 1919, iniciou a pesca do bacalhau na campanha
de 1935, propriedade da Empresa de Pesca Lavadores, Lda., com instalações de
secagem, na Barra.
Eu
e os registos fotográficos…uma imagem a bordo do D. Denis com alguém que não me era totalmente desconhecido, levou-me
à Gafanha da Nazaré, num ápice, pensando que o amigo Marques da Silva seria o
informador ideal. E acertei! Há uns dias, no Museu, tinha falado do Cap.
Firmeza com grande à-vontade, tendo eu conhecimento que o conhecera com cerca
de nove anos e que a diferença de idades era, consequentemente, grande. Mas,
nessa meninice passada na Nazaré – que sorte me bafejara!– convivera paredes
meias com o capitão Ferreira da Silva, com o armador Manuel Pascoal e
familiares de ambos. Então, em pormenores mínimos diferenciadores dos lugres D. Denis e Rainha Santa
Isabel, dava gosto ouvi-lo. Era esta a foto:
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Em 1940, o capitão Ferreira da Silva (à esquerda e o piloto João Firmeza, à direita-
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O
lugre-motor de madeira D. Denis fora construído para a Pascoal
& Filhos Lda. por António Maria Bolais Mónica, na Gafanha da Nazaré, em
1940, tendo feito já essa campanha, uma estreia, sob o comando do Capitão
Ferreira da Silva, também gafanhão,
tendo levado como piloto, João Firmeza. São os tais «puzzles» de temática
marítima, que adoro compor, uns mais fáceis, outros mais difíceis, consoante o
percurso e os contornos.
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Em
1941, de «enxoval» às costas, mudou para o convés do lugre de madeira Rainha
Santa, como capitão, tendo como piloto, Francisco Fernandes Mano.
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O
ano de 1941 em que se tinha perdido o lugre
Silvina, por incêndio, despertou-me
interesse, tendo ido reler o capítulo O Silvina em chamas, da obra de Jorge
Simões, Os Grandes Trabalhadores do Mar,
que na campanha de 1941, tinha sido integrado na nossa frota, no lugre Groenlândia, para observação dos nossos homens, em perigos,
nevoeiros, brisas, trabalhos, gelos e tudo o mais que viesse a surgir. Rebusco,
então, alguns parágrafos desse capítulo:
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(…) Subitamente, soou
pela rádio uma voz que traduzia espantosa aflição e angústia, uma voz que
gritou enrouquecida:
«Chamada geral! Chamada
geral a todos os navios!... Daqui o Silvina,
o capitão do Silvina!... Tenho o
navio a arder!... E não tenho posição!...»
O que isto significa para
um navio com fogo a bordo, debaixo do nevoeiro, só pode ser verdadeiramente
compreendido por quem se encontra nestas paragens. Um pavor!... (…) Ao
angustioso apelo do capitão do Silvina responderam numerosos barcos:
«Vamos suspender, vamos
em teu socorro. Vamos todos, todos os navios de motor. Mas diz-nos alguma
coisa. Vibravam os amplificadores: «Atenção! Chamada urgente!... Chamada
geral!...O Silvina está a arder!»
«Suspendam, suspendam
todos, vão acudir ao Silvina, ao
capitão José Cachim!...» (…)
Às oito horas e dez
minutos, voltou a soar a voz, cada vez mais enrouquecida e entrecortada pelos
soluços do capitão do lugre que o azar transformara numa fogueira gigantesca a
baloiçar ao cimo das vagas:
«Toda a companha está nos
botes. O navio, ai o meu rico navio, está pronto. Eu estou sozinho a bordo.»
Aconselharam do Santa Princesa: Deixe o motor do
transmissor da rádio a funcionar. Salte para os botes! Não se afastem muito.
Vão todos os navios à vossa procura!»
Em onze dorys aguardavam
os náufragos, desde as oito e um quarto da manhã, que os fossem buscar.
Diversos navios viram passar destroços, junto dos costados. Mas chegou a noite
e os lugres tiveram de fundear, sem nada haverem descoberto.
Quando às quatro horas e
quarenta minutos da manhã, o velho capitão João de Sousa Firmeza, veterano da
pesca do bacalhau, comunicou que os náufragos, num clarear súbito do tempo,
tinham descoberto o seu navio, o Rainha
Santa, mesmo junto deles, a alegria foi indescritível (…).
O Groenlândia dirigiu-se
também para lá. E a tripulação foi distribuída por vários lugres, entre eles o Groenlândia, que levava, a bordo, o
jornalista. Desceram o bote já comigo (Jorge Simões) para o outro lugre, o Rainha Santa, de que o capitão lhes fez um acolhimento cordial.
Assim se perdeu o Silvina, no meio de chamas, no dia 25
de Maio de 1941.
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E
neste belo e verídico relato, encontrámos referências elogiosas ao velho
capitão Firmeza.
O
Rainha Santa Izabel, como já
referido, ex-Rainha Santa, foi construído
para a firma Pascoal & Cravo, Lda., na Gafanha da Nazaré, em 1929, por José
Maria Lopes de Almeida. Por dissolução desta empresa, em 1937, o navio alterou
o nome para Rainha Santa Izabel,
tendo sido, então, propriedade de Pascoal & Filhos, Lda. Foi seu capitão
João de Sousa Firmeza, nas safras de 1942 e 43, tendo sido seu piloto João
Juff Tavares Ramos, em 1942 e imediato, em 1943.
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À direita, João Firmeza e a meio, o armador, Manuel
Pascoal. Entre 42 e 43
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No Rainha Santa
Izabel, à nossa direita, o Cap. João Firmeza
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Nos
anos de 1945 e 46, servira a empresa Testa & Cunhas no elegante lugre-motor de quatro mastros, que o meu
avô estreara em 1938, o Novos Mares,
como capitão, levando como imediato, em 1945, Francisco José Campos
Evangelista, de Esposende, e Carlos Veiga Correia de Oliveira, em 46, natural
de Setúbal.
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À entrada de Leixões, o Novos Mares. Fotomar.
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Na
safra de 1948, o naufrágio do lugre Gaspar estava guardado para a
responsabilidade do Capitão João Firmeza, já que durante vários anos
anteriores, navegara sob o comando do nosso conterrâneo Manuel Mendes, falecido
em 1947, na cidade de Viana. Segundo
O Ilhavense de 20 de Setembro e o Comércio do Porto de 17 de Setembro de
1948, estando quase finda a época piscatória nos mares gelados da Groenlândia e
Terra Nova, o destino não quis deixar de assinalar com mais uma tragédia a sua
louca sofreguidão.
O lugre Gaspar, açoitado violentamente pelo
vendaval que pairou, durante horas, em todo o Atlântico Norte, correra risco
grave, ao ser abatido a tiro pelo cutter da Guarda Costeira Americana «Bibb», mas felizmente, o seu
apelo fora captado.
O
capitão lançou um SOS e logo em seu socorro rumou o navio-hospital «Gil Eanes»,
que saíra há dois dias de St. John’s, bem como a fragata americana
«Cecil
N. Bean», o navio «Tropero», o cruzador «Albany» e o contratorpedeiro «Purdy»,
além de dois bombardeiros americanos e um hidro-avião de vigilância da costa,
que procuraram localizá-lo, bem como recolher os seus tripulantes. Foram
distribuídos por outros lugres, com excepção de Salvador Gonçalves Vieira, de
Viana do Castelo, que fora levado por uma vaga que varrera o convés do navio,
na véspera do acidente.
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O lugre Gaspar, em 1947
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O
lugre Gaspar, ex-Sarah,
construído em 1919, na Figueira da Foz, por Manuel Maria Bolais Mónica, foi
comprado para a campanha de 1921 pela Empresa Novas Pescarias de Viana, Lda. Embora construído em madeira, estava revestido a chapas
de ferro e era equipado com um motor de propulsão.
Uns
anos mais tarde, o Cap. Firmeza retomou a pesca do bacalhau, mas, desta vez, no
arrasto. Na safra de 1954, no arrastão João Álvares Fagundes da SNAB, na 1ª viagem, de imediato, sob o
comando de José Nunes de Oliveira e, na segunda, de capitão.
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Na ponte do
arrastão João Álvares Fagundes
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Após
alguns hiatos, em que não se encontram referências, na safra de 1958, foi de
imediato no arrastão
Águas Santas, na 1ª viagem, sob
o comando de Manuel Lourenço Catarino, também de Ílhavo. Este arrastão de aço
foi construído para a Empresa Comercial e Industrial de Pesca, no estaleiro T.
Van Duijvendijk’s Scheeepswerf em Lekkerk, Holanda, em 1949.
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Arrastão Águas Santas. Foto de autor
desconhecido
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Depois
da aposentação, integrou-se no grupo de oficiais com quem se dava, aparecendo
em algumas fotos de grupo, já apresentadas, noutros locais, em conversas pelo
jardim, em jogos de cartas no Sindicato dos Oficiais no segundo andar do
edifício do Illiabum Clube e em
almoços/encontros de circunstância, cá em Ílhavo, em Lisboa ou de visita a
Évora.
Em
21 de Setembro de 1968, deixou-nos, depois de grande parte da vida passada
sobre as salsas ondas do oceano, entre perigos, nevoeiros e gelos traiçoeiros, com
72 anos de idade.
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Fotos
cedidas pelo neto João Paulo Firmeza.
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Ílhavo,
17 de Abril de 2018
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